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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A reconstrução da Dell

O bilionário americano Michael Dell, que revolucionou o setor de computadores entre as décadas de 1980 e 2000, conta à DINHEIRO como é a estratégia para recolocar sua companhia no centro do mercado mundial de tecnologia.

Na área de desembarque do aeroporto de Austin, capital do Estado americano do Texas, logo avisto uma placa grafada com o meu sobrenome. Pego a mala na esteira de bagagem e me apresento ao homem que me levará ao hotel onde ficarei por alguns dias. O motorista logo faz a pergunta de praxe: “O que o traz a Austin?” Digo que vim participar de um evento da Dell, empresa fundada por Michael Dell, em 1984. O sujeito se anima. “Você sabia que a Dell nasceu nos dormitórios da Universidade do Texas, a alguns quilômetros daqui?”, pergunta, entusiasmado. “Sim, já li a respeito”, respondo. Ele continua: “Dell é um cara bastante popular por aqui.” Alguns minutos de bate-papo depois, chego ao hotel já sabendo de algumas obras de caridade financiadas pelo empresário, como um hospital para crianças, que a fundação criada por ele e sua esposa, Susan, mantêm na região.

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A conversa com o taxista foi apenas um exemplo da popularidade de Dell, que largou a faculdade de medicina para tocar o negócio próprio – até então uma pequena empresa de computadores, aos 19 anos – na cidade. No plano da tecnologia mundial, seu nome também ressoa. Ícone empresarial nos anos 1990, Dell ganhou fama ao revolucionar o mercado de computadores com seu modelo de venda direta e fabricação sob encomenda. Foi em grande medida por causa dele que o PC se tornou um produto acessível a uma imensa gama de pessoas. Seu maior legado foi ter sido um dos maiores responsáveis por colocar o poder dos computadores ao alcance de milhões de consumidores. Nas primeiras duas décadas que se seguiram à fundação da empresa, não houve rival capaz de fazer frente a Dell.

O reinado começou a ruir por volta de 2006, quando o modelo consagrado pela Dell deu sinais de desgaste. No início daquele ano, pela primeira vez em 22 anos, a companhia anunciou resultados abaixo do esperado pelos investidores e suas ações despencaram. A situação se agravou com a perda da liderança no mercado de PCs para a HP e uma investigação da SEC, a CVM americana, sobre práticas contábeis da Dell. Hoje, os holofotes da mídia mundial e dos investidores estão voltados para empresas como Apple, Google, IBM, Amazon e Facebook. Mas é melhor não considerar Michael Dell carta fora do baralho da indústria tecnológica, um setor caracterizado – mais do que qualquer outro – por mudanças constantes.

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Para recuperar o sucesso dos velhos tempos, o empresário americano está promovendo uma profunda reestruturação na empresa que fundou há 27 anos. O primeiro passo para isso foi entender as necessidades e os principais desafios dos seus clientes. Entre 2008 e 2009, ele conduziu uma imensa pesquisa com mais de nove mil clientes de todos os seus segmentos de atuação nos principais mercados no mundo. Com as respostas em mãos, seus executivos começaram a preparar uma grande transformação – ainda em curso –, algo como nunca fora feito em sua história. “Construímos a Dell ouvindo os nossos consumidores”, disse Dell à DINHEIRO, durante o primeiro Dell World. “Essa é a nossa raiz.” O encontro aconteceu em Austin, cidade vizinha a Round Rock, onde fica o QG mundial da empresa, entre os dias 12 e 14 de outubro.

Participaram mais de três mil pessoas, entre representantes da imprensa mundial, clientes e parceiros poderosos, como Steve Ballmer, CEO da Microsoft, e Paul Otellini, CEO da Intel, além de analistas de mercado e funcionários. Apesar de bastante assediado, como se fosse um autêntico popstar, Michael Dell não exibia sinais de cansaço ou desconforto. Sempre solícito, tirou fotos e conversou animadamente com boa parte daqueles que o abordaram. Postura, aliás, semelhante à adotada pela empresa nas redes sociais, área em que é frequentemente citada como referência de boas práticas. “A necessidade de nossos clientes mudou e nós evoluímos com eles”, diz Dell. E que mudanças estão acontecendo? Ele responde: “Nosso foco não está mais no aparelho, mas na solução, na gestão do mundo digital.” Para ele, em cinco anos a Dell já será reconhecida pelo público como “uma provedora de soluções e serviços, e não mais apenas uma vendedora de computadores”.

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Tradicionalmente avessa a aquisições, a Dell comprou dez empresas nos últimos dois anos e assim espalhou seus tentáculos por áreas como software, segurança, virtualização, armazenamento de dados, consultoria, centro de dados e computação em nuvem. Forrada de dinheiro, com nada menos que US$ 16 bilhões em caixa, o plano da da companhia é continuar indo às compras. Não pense, no entanto, que esse bilionário, listado no ranking da revista Forbes como o 44º homem mais rico do mundo e dono de uma fortuna pessoal de US$ 15 bilhões, vá sair por aí torrando uma dinheirama em transações barulhentas e controversas. O zelo nesse tipo de assunto ficou claro no ano passado, durante uma dura disputa com a HP pelo controle da empresa de armazenamento de dados 3Par. A concorrente acabou desembolsando US$ 2,4 bilhões e levou o negócio, apontado por muitos analistas como supervalorizado. “Eu gasto o dinheiro dos meus acionistas como se fosse meu, como se fosse dinheiro de verdade.

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E você sabe por quê? Porque ele é de verdade”, declarou Dell na ocasião. Em todo caso, Dell já abriu o cofre certa vez para um negócio de vulto. O grande exemplo, nesse departamento, foi sua maior aquisição até hoje, a compra por US$ 3,9 bilhões da Perot Systems, do ex-candidato a presidente dos Estados Unidos Ross Perot, fornecedora de serviços de TI no setor de saúde e agências do governo americano, em setembro de 2009. Foi a partir dessa aquisição que a Dell montou uma unidade de negócio chamada Dell Services, com objetivo de oferecer soluções completas aos seus clientes que desejam reduzir os gastos com tecnologia. Embora modestos, os resultados começam a aparecer. No balanço do segundo trimestre fiscal de 2011, divulgado em 16 de agosto, a empresa reportou um crescimento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado. Só a área de serviços teve alta de 6%. Já o lucro cresceu 63% no período, chegando a US$ 890 milhões.

“Estamos substituindo as áreas de negócio responsáveis por margens pequenas por outras de melhor retorno”, disse à DINHEIRO Steve Schuckenbrock, presidente de serviços da Dell. “O forte crescimento do nosso lucro nos últimos trimestres comprova o acerto de nossa estratégia de longo prazo.” Basicamente, a Dell segue, com uma diferença de mais de 15 anos, o mesmo caminho percorrido pela IBM, que optou pela concentração e fortalecimento dos serviços, com menor ênfase na área de hardware. Para não bater de frente com a gigante centenária, Michael Dell tem apostado principalmente na comercialização de serviços e soluções para a sua base de clientes corporativos, bem como para pequenas e médias empresas nos EUA e companhias em expansão nos mercados emergentes. “A IBM é – e provavelmente sempre será – o melhor jogador no mercado de grandes empresas”, diz o analista Rob Enderle, da consultoria Enderle Group.

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A Big Blue, no entanto, sempre teve problemas para crescer no setor de médio porte. “A Dell, por sua vez, está mais bem estruturada para lidar com empresas menores e governos de forma mais lucrativa”, diz Enderle. De um jeito ou de outro, o exemplo da IBM ilustra bem o tamanho do desafio que a Dell ainda tem pela frente. Foi apenas em 2005, após a venda da sua divisão de computadores para a chinesa Lenovo que a área de serviços superou a de hardware na receitas da IBM. Diferentemente da rival, Dell garante não ter planos de abrir mão da sua divisão de PCs. Para Luciano Crippa, analista da consultoria IDC, especializada em tecnologia, isso realmente não deve acontecer. “As vendas de computadores ainda são um negócio lucrativo para a Dell”, afirma Crippa. Para ele, o que muda, na verdade, é o foco da companhia. “O setor de hardware vai se transformar em um canal para a comercialização de serviços”, diz Crippa. “Nesse sentido, a experiência da Dell com as vendas diretas conta a favor da estratégia.”

A ironia com que Dell tratou a notícia de que a HP estudava abandonar o mercado de PCs é um sinal de que ele não deve mesmo sair desse setor. “Adeus HP”, foi a mensagem publicada por ele no Twitter em agosto. “Lamento que vocês não queiram mais atuar no setor de PCs”, escreveu. Aparentemente a HP deixou de lado esse projeto. Mas, caso fosse levada adiante, seria a medida mais ousada da HP desde que começou a se reposicionar no mercado de TI, em 2006. De lá pra cá, a HP tem apostado alto – e pago caro, na opinião de muitos analistas – em mais de 100 aquisições para crescer na área de software e serviços. Seria então essa a hora para a Dell centrar forças para reassumir a liderança no mercado mundial de PCs? “Ser ou não a maior fabricante de computadores do mundo é irrelevante para nós hoje”, disse à DINHEIRO Steve Felice, presidente de consumo, pequenas e médias empresas da Dell. A explicação para esse movimento é simples.

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A Dell, assim como a HP, quer fugir da guerra global de preços no mercado de hardware, que, com a chegada das fabricantes asiáticas, se tornou ainda mais competitivo e com margens cada vez mais magras. “Exceção feita à Apple, está cada vez mais difícil manter boas margens com a venda pura e simples de equipamentos”, diz Ivair Rodrigues, analista da consultoria paulistana IT Data. Embora esteja reforçando a atuação na área de serviços e soluções, Dell considera um absurdo a ideia de que os PCs estão com os dias contados. Para ele, todas as novas maquininhas portáteis, como smartphones e tablets, são complementares ao bom e velho computador pessoal. O que é algo muito bom, segundo ele, pois significa o crescimento da indústria de TI global, que, pelas suas contas, já é hoje um negócio de mais de US$ 3 trilhões. “Somos uma empresa de US$ 61,5 bilhões de faturamento”, diz Dell. “Essa é, portanto, uma imensa oportunidade para nós.”

Em meio ao redesenho da operação, os mercados emergentes despontam como prioridade nos planos da Dell, com China e Brasil à frente do pelotão. Sua receita no País já se aproxima dos US$ 2 bilhões. “O Brasil está no mapa para futuras aquisições”, afirmou Dell. “Não pautamos necessariamente nossas compras por países ou regiões. Nosso foco está na tecnologia desenvolvida e no modo como ela se encaixa em nossa proposta.” Ao analisar o histórico recente de aquisições da empresa – todas na área de software e serviços –, é possível deduzir que os alvos no Brasil também sejam companhias dessas duas áreas, e não fabricantes de hardware. Aqui, algumas das principais empresas dos segmentos que interessam a Dell são a Totvs, a Tivit, a Bematech e a Stefanini, entre outras.

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Essas companhias, no entanto, parecem ser apostas muito grandes e dispendiosas para o perfil de aquisições da Dell. O foco mais provável são companhias relativamente pequenas e jovens que detêm tecnologias inovadoras em suas respectivas áreas e poderiam ser replicadas em escala mundial. O fato é que, com ou sem aquisições, a Dell tem investido de forma sistemática na operação brasileira – e assim deve continuar. Sem abrir os números envolvidos, Raymundo Peixoto, diretor-geral da Dell no Brasil, afirma que metade das contratações feitas em toda a América Latina no último ano foi direcionada ao País. Com sede em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, a subsidiária nacional já tem mais de quatro mil funcionários.

Há também um núcleo de desenvolvimento de software na capital gaúcha e uma unidade fabril em Hortolândia, em São Paulo. A operação vai ficar maior a partir do ano que vem. Deve ser inaugurado no primeiro trimestre um centro de soluções tecnológicas voltado para setores como varejo, bancos, saúde e educação, entre outros, no Brasil. A empresa também deve instalar um data center no País. Será o primeiro investimento deste tipo na América Latina. “O potencial de crescimento da nossa operação no Brasil é enorme”, afirma Peixoto.

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Entrevista:

“O Brasil está no nosso mapa para aquisições”
Entre clientes, parceiros e funcionários do mundo inteiro que estiveram presentes no Dell World, evento internacional da companhia realizado no Texas, nos EUA, o empresário Michael Dell conversou com a DINHEIRO. Nesta entrevista, ele detalha a estratégia para fazer a sua companhia brilhar novamente no mercado mundial de tecnologia.

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Como será a Dell daqui a cinco anos?
Uma provedora de soluções e serviços, e não apenas uma vendedora de computadores. Será uma nova Dell. A necessidade de nossos clientes mudou e evoluímos com eles. Nosso foco não é mais no aparelho, mas na gestão do mundo digital.

Vivemos hoje uma era pós-PC?
O mercado de PCs está mudando, mas segue em expansão. Falar em era pós-PC é loucura. O mercado de tablets hoje é basicamente de iPads. Smartphones, tablets e computadores são complementares. E nós estaremos presentes em todos esses mercados.

Não há smartphones nem tablets da Dell no Brasil...
Adoraria poder lhe dar as datas de lançamento, mas não as tenho. Estamos bem entusiasmados com os avanços da Microsoft, com o sistema operacional Windows 8, para tablets, e o Windows Phone, para smartphones. E o Android, do Google, é outra oportunidade. Certamente teremos novidades no próximo ano.

Qual a importância do mercado brasileiro na estratégia da Dell?
Estamos muito animados com o Brasil, que é hoje um dos nossos dez principais mercados, o segundo entre os países emergentes. Perde apenas para a China. Temos uma operação integrada com fábrica e centro de soluções. Grande parte do nosso crescimento nos próximos anos virá dos mercados emergentes.

Com US$ 16 bilhões em caixa e a intenção de prosseguir com compra de empresas, haverá aquisições no Brasil?
Sim, o Brasil está no nosso mapa para aquisições futuras. Não pautamos necessariamente nossas aquisições por países ou regiões. Nosso foco está na tecnologia desenvolvida e no modo como ela se encaixa em nossa proposta.

A Dell é hoje referência entre as empresas no uso das redes sociais. Qual a grande contribuição dessa ferramenta para os negócios?
Construímos a Dell ouvindo os nossos clientes. Essa é a nossa raiz. Com as redes sociais ganhamos a oportunidade de ouvir a voz de nossos consumidores ao redor do mundo. Estamos aprendendo todos os dias com eles. E isso já é algo realmente muito poderoso hoje. Imagine como será daqui a cinco, dez anos.

As ações da Dell estão subindo neste ano, com uma alta acumulada de aproximadamente 20%. Ainda assim, trata-se de um nível distante daquele que foi alcançado entre 2000 e 2005, por exemplo. Qual a explicação?
Desde o IPO, em 1988, até hoje, nossas ações subiram mais de 15.000%. Você conhece alguma empresa cuja ação tenha tido uma alta maior que a da Dell desde o seu IPO? (*)

Não sei, talvez a Apple?
Não. Obrigado. Tchau.

(*) Desde a abertura de capital, as ações da Dell tiveram uma alta de mais de 16.000% até a terça-feira, 18. Em meados de 2000, no entanto, a valorização da companhia chegou a superar a incrível marca de 58.000%. Já a ação da Apple apresenta uma valorização de mais de 13.000% desde o seu IPO, em 1988. Mas, diferentemente da Dell, seu pico histórico foi registrado em 2011. Mas há, sim, empresas que obtiveram uma alta superior a 15.000% desde o IPO, além da Dell. A Microsoft registra uma alta de cerca de 34.000%, por exemplo, desde 1984. O melhor momento dos papéis da empresa de Bill Gates foi em 1999.

Fonte: Istoé Dinheiro

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