Indiano da cidade de Wellington, no extremo oeste da Índia, o atual
diretor de mercados emergentes do banco Morgan Stanley, o economista
Ruchir Sharma, adota um discurso cético quando se põe a falar sobre o
Brasil.
A despeito dos últimos dez anos de crescimento
econômico praticamente ininterrupto, Sharma descrê do discurso que vê o
país rumo ao status de uma nação desenvolvida.
“Eu não creio
que o Brasil esteja no caminho certo, ao menos por enquanto”, afirmou em
entrevista concedida ao UOL por email. Os motivos já fazem parte de uma
análise clássica: excesso de impostos, altos gastos do governo, falta
de investimento em infraestrutura e presença muito forte do Estado na
economia.
Sharma também diz que falta uma certa “dose de ambição” para o Brasil ser rico.
Segundo o economista, o país também depende demais dos países
importadores de commodities (como minério de ferro), sobretudo da China.
Ele ainda ressalta que o crescimento da Bolsa de Valores do Brasil para
os próximos anos deve estar abaixo dos demais países emergentes, que
devem registrar uma alta na casa dos 10%.
Sharma ainda critica o
acrônimo Bric –termo cunhado por um analista do banco concorrente
Goldman Sachs e que coloca Brasil, Rússia, Índia e China dentro de um
mesmo grupo. “Esses países são as maiores economias de suas respectivas
regiões, mas, para além disso, não possuem mais nada em comum”, diz.
Ele afirma que dificilmente os países em desenvolvimento vão se tornar
ricos. “Seria muito bom se todos os pobres pudessem alcançar os padrões
de vida dos ricos, e nós pudéssemos acabar em um mundo onde todos
estariam no topo. [Mas] temo que não veja isso acontecer, certamente não
no futuro previsível.”
Ruchir Sharma acabou de lançar o livro
“Os Rumos da Prosperidade”, pela Editora Campus, em que faz uma análise
da economia dos países emergentes e sua relação com o resto do globo.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
UOL - O sr. diz que não faz sentido agrupar Brasil, China, Rússia e Índia em um único bloco. Por quê?
Ruchir Sharma - Esses
países são as maiores economias de suas respectivas regiões, mas, para
além disso, não possuem mais nada em comum. Todos os quatro estão em
diferentes estágios de desenvolvimento –a Índia tem uma renda per capita
próxima de US$ 1.500, a China, perto US$ de 6.000. Brasil e Rússia
possuem rendas per capia próximas de US$ 12.000. Então eles encaram
desafios bem diferentes.
Entre eles há importadores e
exportadores de commodities [matéria-prima, como minério de ferro, usado
para fabricar aço], produtores fortes e fracos de manufaturas, e por aí
vai. Economias precisam ser compreendidas como casos individuais, e
talvez o pior impacto de conceitos “marqueteiros” como o de “Bric” tenha
sido o encorajamento do péssimo hábito de se pensar as nações
emergentes como uma categoria sem rosto ou como subcategorias com
acrônimos sem sentido.
O sr. acha que está totalmente
furada a previsão de que os Brics superarão, até 2050, o PIB e a renda
per capta do G-6 (EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha, França e Itália)?
Eu nem chego a discutir essa previsão, como, aliás, me rebelo contra
toda essa moda de fazer previsões a longo prazo. Eu sei que praticar
futurologia é até divertido, que pretender enxergar o próximo século é
irresistivelmente gratificante para alguns, mas também não deixa de ser
intelectualmente desonesto. Será que essas pessoas que ficam fazendo
tais previsões serão responsabilizadas pelo que falam?
Existe
uma boa razão para que pessoas sérias, aquelas incumbidas de fazer as
coisas acontecer no mundo real –CEOs, grandes investidores- foquem
apenas nos próximos três a cinco anos, no máximo dez anos, enquanto toda
essa moda de previsões a longo prazo são proferidas principalmente por
“experts”, professores e marqueteiros.
Para além do período de
cinco a dez anos, muitas das mudanças que podem ser previstas irão
ocorrer juntamente com resultados impossíveis de previsão –eleições de
novos governos, o aparecimento de novos competidores (como a China
depois de 1980), ou de uma nova tecnologia (a internet depois de 1990).
A certeza desses importantes mas completamente imprevisíveis
acontecimentos torna previsões de longo prazo totalmente sem sentido.
O sr. acha que só a China tem o potencial para exercer um crescimento estável e forte até 2050 ou nem mesmo esse país?
Eu analiso a China apenas para o próximo período de cinco a dez anos, e
por muito tempo tenho pensado que o país estava prestes a desacelerar
seu ritmo de dois dígitos de crescimento visto na última década. Toda
nação que alcançou um crescimento rápido e sustentável por ao menos três
décadas, incluindo Japão, Coreia do Sul e Taiwan, continuou a crescer,
mas desacelerou significativamente em três ou quatro pontos percentuais
quando atingiu um estágio similar de desenvolvimento no qual a China
está hoje.
Nesse ponto, a economia é simplesmente muito grande para crescer tão rápido, e é assim que a China está agora.
Quais seriam os efeitos no Brasil se gigantes como a China reduzissem suas importações?
Nós estamos vendo isso agora. O Brasil tem confiado fortemente na
exportação das commodities para países consumidores liderados pela
China, e a desaceleração desse país é um grande motivo que nos faz ver o
crescimento no Brasil escorregar para 2%, e o crescimento na Rússia
escorregar para 3% a 4%. Ambos os países têm feito muito pouco para
melhorar o ambiente de investimento doméstico, e o investimento deles em
relação ao PIB continua muito devagar para estimular qualquer
crescimento econômico mais rápido.
Na sua visão, poucos países alcançarão o estágio de nações desenvolvidas. O Brasil será um deles?
Eu não creio que o Brasil esteja no caminho certo, ao menos por
enquanto. Um de seus grandes problemas é seu grande histórico de
tributação e gastos em níveis muito altos, não acompanhados de
suficiente investimento produtivo –fatores que deixaram o país com uma
infraestrutura muito fraca, e, portanto, com uma tendência de
crescimento em um ritmo muito devagar.
Outro problema é que o
Brasil, instigado por seu histórico de instabilidade econômica, tem
estado nos últimos anos mais preocupado com a estabilidade do que
produzir crescimento –o que o deixa fundamentalmente menos ambicioso que
muitos mercados emergentes.
E, por último, o Brasil ainda possui a
mania de resolver seus problemas com a mão do Estado: a parte do Estado
na economia do Brasil é muito alta para um país com seu nível de renda,
comparado aos Estados de Bem-Estar Social avançados na Europa.
Basicamente, o Brasil precisa de uma reforma estrutural profunda, que
reduza seus impostos e gastos com encargos, e uma dose de ambição para
se colocar em um movimento de arranque.
Se economias de
países importadores como a China desacelerarem, como o Brasil poderia
escapar de seus efeitos negativos em tal situação? Eu acho
que o Brasil poderia começar com o básico que eu falei acima. A atual
situação é apenas um sintoma de problemas mais profundos com o papel do
Estado, com o impacto de seu histórico, com as décadas de tendências de
investimento ultrapassadas, a má infraestrutura etc.
Quais são as perspectivas para a Bolsa de Valores brasileira nos próximos anos?
Nossas previsões dizem que as Bolsas do mundo em desenvolvimento devem
crescer por volta de 10% em média em dólar, por ano, nos próximos cinco
anos. Não tenho uma previsão específica para o Brasil, mas acho que o
país deve ficar abaixo de outros mercados emergentes, especialmente em
dólar, já que a moeda ainda está muito cara.
O sr.
defende que as diferenças entre a renda per capita dos países ricos e a
dos países pobres voltaram para os níveis na década de 50.
Foi Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil (1999-2002),
que me mostrou que a renda per capita do país havia crescido de 12%
para 25% da renda per capita americana durante o primeiro boom de
crescimento dos anos 50 e 60, caiu para 16% durante as décadas perdidas,
e voltou a 20% na última década. A experiência brasileira, tal qual uma
estrela que morreu e caiu do céu, é uma característica típica dos
mercados emergentes.
Um recente artigo do economista político
de Harvard Dani Rodrik mostra que antes dos anos 2000 o desempenho dos
mercados emergentes como um todo não “convergia” ou alcançava o mundo
desenvolvido. Na verdade, a diferença entre a renda per capita entre os
países avançados e as economias em desenvolvimento aumentou de maneira
estável dos anos 50 aos anos 2000. Foi somente depois dos anos 2000 que o
desempenho dos mercados emergentes começou a alcançar o dos países
desenvolvidos, mas em 2011 a diferença na renda per capita entre os
países ricos e os países em desenvolvimento está de volta ao que era nos
anos 50.
O sr. fala que há uma desilusão com os
antigos paradigmas econômicos, como os do Japão, União Europeia e o
Consenso de Washington, e que novos modelos deverão surgir. Quais seriam
esses modelos? E o que havia de errado com cada um dos outros?
Modelos surgem com o sucesso das grandes potências. Hoje nenhuma nação
desenvolvida é vista como bem-sucedida. A crise da dívida de 2008 minou a
credibilidade de todos esses modelos; economias que um dia estavam
reivindicando entrada na zona do euro, como Polônia, República Tcheca e
Turquia, se perguntam agora se realmente querem entrar em um clube em
que muitos de seus membros estão lutando para não se afundarem.
A Turquia, por exemplo, se tornou um exemplo brilhante para os países
islâmicos que estão lutando e adorariam seguir o modelo de rápido
crescimento turco. Mas o que pôs a Turquia no caminho certo foi a
ortodoxia –a redução da dívida, o estrangulamento da superinflação–
então o que acabamos vendo agora é um respaldo político islâmico para o
consenso de Washington [corte de despesas públicas].
O
sr. diz que a noção de convergência a longo prazo entre o mundo em
desenvolvimento e o mundo desenvolvido é um mito. Por que esse mito
ainda é reproduzido? As ideias relacionadas a um grande
boom econômico sempre demoram mais para morrer, mas essa tem demorado
mais do que a maioria. Apenas poucas pessoas ainda falam com aquele
ideal sobre como a tecnologia poderia fazer do mundo um lugar melhor,
coisa que todos ouvíamos até a bolha da internet estourar.
O
crescimento em mercados emergentes tem desacelerado profundamente desde
2008, mas você ainda ouve muito sobre convergência, talvez porque seja
uma visão transformadora profunda. Seria muito bom se todos os pobres
pudessem alcançar os padrões de vida dos ricos, e nós pudéssemos acabar
em um mundo onde todos estariam no topo. Imagine: competição global sem
perdedores. Temo que não vejo isso acontecer, certamente não em um
futuro previsível.
A história sugere que o desenvolvimento
econômico é como um jogo de cobras e escadas. Não há um caminho direto
para o topo, e há menos escadas que cobras, o que significa que é mais
fácil cair do que subir.
Uma nação pode subir as escadas por
uma década, duas, três, até topar com outra cobra e cair novamente para o
chão, onde deve começar tudo de novo, e talvez de novo e de novo,
enquanto os rivais passam por ela.
A percepção de que o jogo de
crescimento subitamente se tornou simples –no qual todos podem ser um
vencedor– é construída em cima de resultados únicos da última década,
quando virtualmente todos os mercados emergentes cresceram juntos. Mas
essa foi a primeira e, provavelmente, a última vez que nós veremos essa
era de ouro: na próxima década, quase que com certeza, não veremos mais
isso.
Fonte:
UOL