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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Detroit uma cidade em busca de um novo caminho

O principal símbolo da indústria automobilística mundial vive a maior crise de sua história. Mas uma revolução pode salvar a cidade: no lugar dos carros, entra em cena a produção agrícola

Foto: Spencer Platt/Getty Images

As últimas décadas do século passado testemunharam uma grande transformação em algumas das principais metrópoles mundiais. Erguidas sob o impacto do desenvolvimento industrial, elas foram obrigadas a se reinventar depois que a decadência econômica levou a um grau de desordem urbana que tornou a vida nesses locais praticamente inviável. Em Nova York, empresários se uniram para revitalizar áreas centrais degradadas e velhos galpões fabris viraram restaurantes, galerias de arte e butiques visitados por turistas do mundo inteiro. Londres, berço da revolução industrial, é hoje essencialmente uma cidade de serviços. Barcelona viu nos Jogos Olímpicos de 1992 uma oportunidade de reorganizar o espaço urbano, que virou exemplo de boa convivência entre os cidadãos e o seu município. Com alguns anos de atraso, Detroit, a antiga capital mundial da indústria automobilística e que experimenta uma debacle sem precedentes, está em busca de uma nova vocação - vocação essa que representa o oposto de tudo o que a cidade já simbolizou.

Pela proposta das autoridades locais, a ideia é fazer Detroit encolher e transformar suas áreas periféricas em grandes campos agrícolas. Em vez de carros e picapes, a cidade quer ficar conhecida pela produção de milho e trigo. "Isso vai acontecer já nos próximos dois ou três anos", garante o prefeito Dave Bing, empossado no início do ano e que tem a dura missão de fazer Detroit renascer. Com uma área total estimada em cerca de 35 mil hectares, Detroit é uma das maiores cidades em extensão dos Estados Unidos. Seus subúrbios são gigantescos, mas hoje apresentam as menores taxas de ocupação do país. A reportagem da DINHEIRO percorreu as ruas da periferia e viu muitos lugares em ruínas. Milhares de casas foram abandonadas, em sua maioria por profissionais que trabalhavam na indústria automobilística e que perderam o emprego após o agravamento da crise do setor nos últimos anos. É possível percorrer alguns quarteirões sem encontrar pela frente pedestres ou automóveis. Fábricas estão caindo aos pedaços, lanchonetes apresentam letreiros apagados e muitas residências parecem ocupadas apenas por fantasmas.

Segundo o prefeito, custa caro manter essas zonas periféricas. Apesar do abandono, é preciso oferecer serviços básicos como iluminação pública, coleta de lixo e policiamento, sob o risco de esses lugares virarem um verdadeiro inferno.
Bing planeja trazer os moradores das periferias para as áreas centrais e com isso reduzir os custos fixos da prefeitura. Por sua vez, os subúrbios se transformariam em áreas agrícolas, com lavouras e fazendas verticais - prédios destinados à produção de alimentos hidropônicos -, e passariam a suprir a região metropolitana. Com o tempo, o excedente dessa produção seria vendido para outros municípios. O prefeito já conta com aliados de peso. John Hantz, um dos maiores investidores do mercado financeiro dos Estados Unidos (possui uma carteira com mais de US$ 3 bilhões em ativos administrados por sua empresa), diz que seu objetivo é ser o maior "produtor rural urbano" do mundo. Hantz está investindo cerca de US$ 30 milhões na compra de áreas abandonadas com a intenção de transformá- las, o quanto antes, em áreas produtivas. Segundo ele, esta é a solução mais eficiente para salvar os espaços degradados, criar empregos e ao mesmo tempo abastecer a cidade com alimentos. "Detroit vai ser a maior fazenda urbana do mundo", afirma o empresário. "Espero começar a plantar já na próxima primavera."

Para o professor Eduardo Nobre, titular do Departamento de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e que acompanha a transformação de Detroit de perto, a inédita solução é acertada.
"Trata-se de uma grande oportunidade para Detroit deixar de ser reconhecida como uma cidade cinza e poluída", diz Nobre. "As áreas livres vão estimular a criação de um sistema ambientalmente mais adequado e socialmente mais justo." Segundo Nobre, a situação de Detroit é muito parecida com a vivida por Londres nos anos 1970, quando a capital inglesa apresentava um declínio econômico e populacional que a obrigou a se desenvolver no setor de serviços.

Os números comprovam a decadência de Detroit. O atual déficit orçamentário está na casa dos US$ 300 milhões, o que obrigou a prefeitura a eliminar 13 mil postos de trabalho, medida que, por sua vez, aumentou o contingente de desempregados da região. Calcula-se que hoje a taxa de desemprego em Detroit esteja em torno de 20% da população ativa. É o dobro da média americana. Isso estimula um fenômeno típico de países emergentes e que algumas metrópoles brasileiras conhecem muito bem: a explosão da criminalidade. Detroit tem uma média de 47 homicídios para cada 100 mil pessoas. Para efeito de comparação, é o dobro do índice registrado em São Paulo. Se nos tempos áureos da indústria automobilística Detroit chegou a ter quase dois milhões de habitantes, hoje possui apenas 800 mil, número equivalente ao de 100 anos atrás, quando a linha de montagem na fabricação de automóveis havia acabado de ser inventada por Henry Ford e os carros eram artigos rarísssimos nas ruas.

Infografia: Evandro Rogrigues

"Detroit já não é mais o centro do mundo", disse à DINHEIRO Tim Lee, presidente da General Motors International Operations, divisão da empresa responsável pelas operações da GM fora da América do Norte. Segundo Lee, a tendência é de que a partir de agora a matriz tenha cada vez menos influência nas decisões de suas subsidiárias. Ou seja: mesmo abrigando o quartel-general da GM, a cidade já não tem a força do passado. Um exemplo dessa transformação: a montadora vem investindo na construção de fábricas regionalizadas em outros Estados americanos e até mesmo no México, onde a mão de obra é mais barata. A Chrysler, agora parceira global da Fiat, vai desenvolver cada vez menos produtos em sua matriz e priorizar modelos já consagrados na Europa. Única das "três gigantes de Detroit" a se manter a pleno vapor na cidade, a Ford afirmou recentemente que sua prioridade são os emergentes, entre eles o Brasil e a China.

Enquanto a agricultura não chega, muitos empresários locais se mobilizam para adaptar seus negócios à nova realidade. Ed Walker é CEO da W Industries, empresa fundada em 1981 como fornecedora de peças automotivas para GM, Ford e Chrysler. Diante da queda de demanda por parte das montadoras nos últimos anos, Walker decidiu diversificar seus negócios.
"Para não depender das grandes montadoras, abri uma divisão especializada na construção de equipamentos militares e de segurança", disse Walker à DINHEIRO. "O negócio foi tão bem que depois criei uma área voltada para o desenvolvimento de equipamentos para a indústria pesada." A diversificação fez com que Walker passasse ileso pela crise e ainda fizesse com que o faturamento da W Industries pulasse de US$ 15 milhões para US$ 100 milhões em cinco anos. "A expectativa é de manter o crescimento pelos próximos anos", afirma o empresário. Hoje a empresa comandada por Walker, que nasceu para servir a indústria automobilística, tem apenas 5% de suas receitas ligadas a esse setor. Walker é exemplo de empreendedor que se reinventou. Detroit conseguirá o mesmo?

DETROIT AGONIZA

Nos últimos anos, as montadoras americanas têm perdido espaço para os concorrentes - especialmente japoneses. Em 2009, as "três grandes de Detroit" apresentaram quedas bruscas nas vendas
Mas a situação da GM vem piorando ano após ano na última década. Confira abaixo as vendas de carros da empresa desde 1999 - ano em que apresentou seu último crescimento:

Infografia: Anderson Cattai

A lição de new orleans

Na noite de 7 de fevereiro, o esporte americano protagonizou um daqueles momentos históricos que parecem gritar por uma adaptação cinematográfica. Naquela data, o New Orleans Saints sagrou-se campeão do Super Bowl, a grande final do futebol americano. Foi a primeira vez que o time, considerado um azarão por especialistas, ergueu o troféu mais cobiçado de todas as competições esportivas realizadas nos Estados Unidos. A conquista não foi comemorada apenas pelos moradores de New Orleans, mas praticamente por todo o país. O motivo: o título dos Saints simboliza a própria redenção de New Orleans. Em 2005, a passagem do furacão Katrina pela cidade deixou um impressionante rastro de destruição.

Após a sua passagem, 80% da cidade foi inundada, 1,8 mil pessoas morreram e os prejuízos somaram US$ 75 bilhões. O impacto econômico com a saída de empresas, perda de empregos e turismo em baixa atingiu US$ 250 bilhões. O estádio onde o Saints treinava e jogava serviu de abrigo para pessoas que perderam suas casas e por pouco o time não foi desativado por falta de recursos. Nos últimos anos, porém, empresários locais uniram-se para tornar a equipe mais forte - e para fazer a cidade respirar novamente. Projetos públicos foram associados a iniciativas privadas e a própria comunidade se mobilizou para ajudar na reconstrução da capital mundial do jazz. O resultado é uma reviravolta impressionante para uma cidade dada por acabada e que pode servir de inspiração para o renascimento de Detroit.

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Fonte: istoedinheiro

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