Header

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"Ninguém vai jogar Angry Birds em um computador quântico"

Em entrevista ao site de VEJA, o americano William Daniel Phillips, Nobel da Física de 1997, fala de supercomputadores, do caso do neutrino mais rápido que a luz e de seu papel como divulgador da ciência

http://veja.abril.com.br/assets/pictures/57528/Willian-Daniel-Phillips-20111123-size-598.jpg?1322082771

O americano William Daniel Phillips, de 63 anos, tornou-se uma celebridade da física com uma invenção capaz de "frear" partículas atômicas, possibilitando o estudo de prótons e elétrons. Por ela, ganhou o prêmio Nobel em 1997, com os colegas Claude Cohen-Tannoudji e Steven Chu, e desde então passa mais tempo viajando pelo mundo dando palestras e orientando os mais jovens. "Meu papel é ajudar os mais jovens a organizar suas ideias. Eles é que vão fazer a ciência avançar", diz.

Phillips está no Brasil pela primeira vez e no último dia 23, ministrou uma aula magna na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo. A alunos e curiosos, falou de sua linha de pesquisa, a mecânica quântica, e das possibilidades abertas por achados como o que lhe valeu o Nobel. Phillips e sua equipe do National Institute of Standards and Technology, em Maryland, EUA, tentam atualmente criar a tecnologia dos computadores quânticos. A promessa é que terão uma enorme capacidade de processamento para solucionar problemas de física e matemática. "A diferença entre um computador quântico e os atuais será maior do que a que existe entre um ábaco e a máquina mais moderna e rápida feita até hoje", afirma.

O cientista acredita que o computador quântico poderá ser feito em 20 ou 50 anos - mas admite a possibilidade de que ele nunca saia do papel. De qualquer forma, duvida que algum dia alguém tenha em casa um laptop ou iPad quântico. "Ninguém vai jogar Angry Birds em um computador quântico", diz. "Eles servirão para estudos científicos avançados." Phillips falou ao site de VEJA após terminar a apresentação, posar para fotos, ganhar presentes de fãs e até distribuir autógrafos.

Após ganhar o prêmio Nobel, o senhor passou a viajar pelo mundo dando palestras. Apesar da importância da divulgação científica, o senhor não perde a oportunidade de trabalhar mais em pesquisa? Eu sou grato pela oportunidade de dar essas palestras, sobretudo para pessoas jovens. Porque posso fazer com que elas se interessem por ciência e engenharia. E, apesar de ter menos tempo para fazer minhas pesquisas, tenho a sorte de ter um incrível time de pessoas jovens tocando os estudos enquanto estou fora. Outro aspecto importante é que, na história da ciência, a grande maioria dos físicos dá sua grande contribuição ainda na juventude. Eu sou velho. Ainda posso ajudar porque sei muito sobre o processo que nos trouxe até o ponto em que estamos no estudo da mecânica quântica e sei fazer boas perguntas. Meu papel é ajudar a organizar as ideias dos mais jovens, mas são eles que vão fazer a ciência avançar. É bom que os jovens gastem mais tempo dentro do laboratório, enquanto os velhos conseguem tempo para fazer outras coisas.

O senhor afirma que os computadores quânticos terão um poder de processamento imensamente maior do que o que conhecemos hoje e que essa tecnologia poderia, por exemplo, ser usada para interceptar e decifrar mensagens criptografadas, entre outras possibilidades. Não será perigoso? Eu não acredito nisso. As informações realmente importantes também poderão utilizar a tecnologia quântica para se protegerem. É claro que a técnica poderia ajudar a quebrar a criptografia de mensagens mais antigas e possibilitar, por exemplo, a leitura de correspondências entre diplomatas. Mas isso causaria apenas embaraço. E é algo que já ocorre hoje, com o Wikileaks, e causa só isso: embaraço.

Qual o papel de países emergentes como o Brasil em estudos de ponta como o que deu ao senhor o prêmio Nobel? O Brasil é um país grande com muita gente inteligente. Seria um desperdício se essa inteligência não fosse usada para contribuir para o progresso da física. Isso está acontecendo. Meus colegas da USP em São Carlos estão realizando pesquisas muito avançadas em áreas similares às das minhas pesquisas, mas com uma abordagem diferente, que eu não conhecia. Se não fosse esse trabalho, não chegaríamos a conclusões importantes ou demoraríamos mais para fazê-lo. O progresso da ciência depende de pesquisas e comunicação entre pesquisadores no mundo. Eu estou muito feliz por ter vindo para cá.

A física está diante de uma grande polêmica: o experimento europeu que registrou neutrinos viajando em velocidade ligeiramente superior à da luz, tida até agora como um limite intransponível. O que o senhor acha que aconteceu? Eu acredito que há algum erro em algum aspecto do experimento. Se não for o caso, isso será muito excitante, mas mudanças assim na maneira como vemos a física não acontecem muito. Eu gostaria que fosse verdade, mas temos que ser muito céticos. A maior probabilidade é de que haja algum erro. E, talvez, a natureza desse erro nos ensine algo importante. Algo bom virá disso, não importa o quê.

Se o resultado for confirmado, o que mudará na física? A teoria da relatividade de Einstein é a base de quase tudo o que sabemos em física. A teoria do eletromagnetismo, por exemplo, é fortemente baseada nas conclusões de Einstein. Se ele estiver errado, nós também não entendemos o eletromagnetismo. Isso vale para diversas áreas da física e mudaria o modo como entendemos o mundo. As partes da física que nós entendemos funcionam muito bem e é por isso que a maioria das pessoas acredita que isso não é possível. Claro que há muita coisa que não entendemos. Não sabemos, por exemplo, do que a maioria do universo é feito. Essa pesquisa talvez nos ajude a entender o que ainda não entendemos. Mas o mais provável mesmo é que haja um erro.

Fonte: Veja

Nenhum comentário:

Postar um comentário