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quarta-feira, 13 de julho de 2011

A nova revolução industrial

:As impressoras 3D permitem que qualquer pessoa possa reproduzir o que quiser, de eletrodomésticos a carros, quando e na hora que desejar. Saiba como isso vai mudar radicalmente a produção e a forma de fazer negócios.

Em Campinas, no interior de São Paulo, um grupo de cientistas brasileiros trabalha no desenvolvimento de uma impressora diferente. No lugar de cartuchos de tinta, a máquina utiliza células-tronco e, em vez de páginas e fotos, ela imprime órgãos humanos. Não se trata de um filme de ficção científica, mas sim de um trabalho em estágio avançado que é conduzido pelo Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), instituição ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com universidades americanas. A meta dos estudos é imprimir um rim.

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Os cientistas envolvidos na empreitada são categóricos ao afirmar que a tecnologia usada no projeto já permite reproduzir artificialmente órgãos de seres humanos. No entanto, ainda será necessário esperar um bom tempo até que partes do nosso corpo reproduzidas por essas máquinas sejam usadas em pessoas. “Falta realizar uma série de testes antes de se produzir um órgão vivo”, afirma o cientista Jorge Vicente Lopes da Silva, chefe da divisão de tecnologias tridimensionais do CTI. “Deve demorar cerca de 30 anos para termos resultados práticos”, diz.

Bem-vindo ao mundo da impressão 3D. A experiência do CTI é apenas uma amostra de um processo recente, que promete revolucionar o sistema de produção industrial como hoje conhecemos. Isso porque a mesma tecnologia testada na impressão de órgãos – e que ainda pode parecer algo que tem mais a ver com a ficção científica do que com o mundo real – já começa a ser adotada por empresas de todos os portes, em diferentes países, inclusive no Brasil, para fabricar produtos em plástico, metal e até titânio. Da mesma forma que uma impressora tradicional, esses equipamentos em terceira dimensão fazem reproduções a partir de um arquivo de computador. A diferença está no resultado.

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A nova geração de aparelhos imprime objetos funcionais, iguais aos fabricados nas linhas de produção industriais e com praticamente os mesmos materiais. No fundo, é como ter uma fábrica particular, na sua casa ou na mesa do seu escritório. Em outras palavras: o avanço proporcionado pela tecnologia 3D deve representar para o século XXI um efeito transformador semelhante ao provocado pela Revolução Industrial do final do século XVIII, que tornou viável a fabricação em massa, criou a produção em escala que permitiu o barateamento do preço das mercadorias e transformou a economia capitalista.

A diferença é que, agora, a nova tecnologia de produção trilha uma direção exatamente oposta. A manufatura em larga escala dá lugar aos produtos personalizados e exclusivos, feitos sob medida, ao gosto do freguês. O conceito em que a impressão 3D está baseada é o da manufatura “aditiva”, como se diz na linguagem técnica. Nela, os objetos são formados a partir da deposição de material em camadas, na quantidade necessária. É bem distinto do processo tradicional, chamado de “subtrativo”, no qual a fabricação se dá por meio do corte, da deformação ou do desgaste dos materiais. O novo método é mais eficiente no uso das matérias-primas e permite a produção em baixa escala, sem aumento de custos. Por isso, ele sempre foi a opção natural para a fabricação de protótipos.

Mas a novidade agora é que essas “fábricas particulares” já não estão mais restritas à criação de modelos. Hoje, o consumidor comum pode comprar diversos produtos impressos, como luminárias e relógios de parede. E, no futuro, as prateleiras das lojas estarão forradas das mais diversas mercadorias impressas, desde peças para automóveis e eletrodomésticos até partes de aeronaves. À primeira vista, isso pode parecer um devaneio futurista, mas não é. Trata-se de uma revolução que já começou e avança rapidamente, como indica uma pesquisa feita pela consultoria americana Wohlers Associates. O estudo constata que cerca de 20% dos objetos feitos com impressoras 3D no mundo são produtos acabados, prontos para a comercialização, e não apenas protótipos.

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Até 2020, essa participação deve subir para 50%. Diante desse cenário, surge a pergunta: as impressoras 3D serão capazes de substituir o tradicional processo industrial? Ou seja, as empresas vão aposentar o processo de produção atual? Não necessariamente. Ao que tudo indica, os dois modelos vão coexistir e serão adotados conforme demandas específicas das companhias e dos consumidores. É pouco provável, por exemplo, que uma montadora fabrique toda a sua linha de carros com impressoras 3D. Mas é perfeitamente possível imaginar que se possa desenvolver um veículo customizado, destinado a um público específico. Nesse sentido, o processo de impressão 3D cai como uma luva para atender com rapidez e custos menores à demanda por personalização do consumo.

O aspecto fundamental a se observar é que essa inovação vai mudar as bases sobre a qual o sistema industrial se desenvolveu: tão ou mais importante que fabricar mercadorias será o desenvolvimento da ideia de um produto. Como exemplo, pense que um pequeno empreendedor, que hoje não tem condições financeiras de fabricar em larga escala uma linha de móveis, poderá criar e comercializar o arquivo de impressão de poltronas e sofás com design próprio. O consumidor, por sua vez, vai baixar esse programa pela internet, como hoje se faz com os downloads de música, e mandar imprimir o móvel.

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Se essa é uma situação que veremos daqui muito em breve, existem companhias que já entenderam o recado e estão dando um passo à frente da concorrência. A brasileira Itautec, fabricante de equipamentos de informática e caixas eletrônicos, controlada pelo grupo Itaúsa, vê um futuro de ouro para as impressoras 3D. A empresa passou a produzir nelas os terminais de autoatendimento que são enviados para os clientes homologarem. Assim, as partes plásticas dos caixas eletrônicos, como painel e carcaça, são feitas nos equipamentos de terceira dimensão e montadas posteriormente.

O cliente, geralmente um banco, nem fica sabendo que o terminal que recebeu para aprovar é fruto de uma impressora 3D, tamanha a semelhança com as máquinas convencionais. “Antes, tínhamos de produzir um molde, mandar para a fábrica e esperar para ver se estava tudo certo”, diz Ronaldo Marques, gerente de desenvolvimento mecânico e design da Itautec. “Agora, o projetista, da mesa dele, manda a peça para a impressora e, em algumas horas, temos o produto nas mãos.” Com isso, processos que demoravam um ano para ser concluídos passaram a ser finalizados em questão de dois ou três meses. Os caixas eletrônicos da Itautec poderiam perfeitamente ser usados para o atendimento ao público. Só não o são porque, em larga escala, o sistema tradicional ainda é mais barato.

O avanço da nova tecnologia está permitindo que peças cada vez mais sofisticadas e resistentes sejam produzidas em qualquer tipo de material, seja plástico, seja metal ou madeira. A GM, por exemplo, utiliza o 3D para fazer protótipos de peças mecânicas e partes da lataria dos veículos. “Seria possível utilizarmos nos carros que vão para o mercado peças totalmente impressas em 3D”, diz Dúlio Freitas, gerente da área de montagem de protótipos da GM. “Mas, por uma questão de escala, isso não é viável economicamente.” Uma das experiências mais avançadas até hoje na área automotiva foi feita no Canadá pela Kor Ecologic, empresa especializada em produtos ecológicos.

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A companhia desenvolveu um carro-conceito totalmente fabricado por impressoras 3D. Até os vidros do automóvel foram impressos. Batizado de Urbee, o veículo transporta duas pessoas e possui motor híbrido, que funciona com gasolina ou eletricidade. Ele chega a uma velocidade de 160 km/h e faz 88 quilômetros com um litro de combustível. O plano da Kor Ecologic é lançar o carro comercialmente até 2014. A indústria aeronáutica também está de olho na inovação 3D. A companhia europeia Eads, responsável pela fabricação dos aviões Airbus, utiliza atualmente essas novas impressoras de terceira dimensão na produção de protótipos de peças para suas aeronaves. Mas, no futuro, a expectativa é a de imprimir uma asa inteira de um avião nesses equipamentos.

O uso dos equipamentos, no caso desse setor da indústria, proporciona uma enorme economia. Isso porque, para produzir uma peça de titânio pelo sistema tradicional, a partir de um bloco sólido, há uma perda de até 90% do material bruto. Com a impressão 3D, o desperdício é zero. Um aspecto que deve encorajar empresas de todos os setores a pensar em projetos mais ambiciosos nesse campo é o fato de o valor unitário das impressoras 3D estar em queda. Dessa maneira, os aparelhos estão se tornando acessíveis a praticamente qualquer microempresa ou pessoa física. Uma versão para uso doméstico de uma impressora 3D da companhia americana Maker Bot Industries, por exemplo, custa menos de US$ 1,3 mil.

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Fundada em 2009, a empresa já comercializou aproximadamente cinco mil equipamentos do gênero, dos quais 200 no Brasil. “Queríamos uma impressora 3D, mas eram muito caras. Então, construímos a nossa”, diz o americano Bre Pettis, um dos fundadores da Maker Bot. “Agora, nosso objetivo é fazer com que todos possam ter uma.” As máquinas da Maker Bot são vendidas em kits para serem montados pelos compradores. O modelo de negócios adotado é semelhante ao utilizado nos softwares livres, como o sistema operacional Linux. A ideia é de que o desenvolvimento da impressora seja feito de forma colaborativa entre todos os usuários pela internet.

Chegará um momento, segundo Pettis, em que as impressoras 3D estarão tão presentes na vida das pessoas que elas se tornarão comuns, assim como os aparelhos convencionais de hoje. “Vai ser interessante ver como a indústria reagirá ao fato de cada vez mais pessoas, em vez de comprar produtos, optarem por fazê-los em casa”, diz Pettis. O cenário descrito pelo executivo já está existe e está disponível também para os brasileiros. Há empresas que prestam serviços de impressão 3D para o consumidor comum, num modelo semelhante ao das gráficas rápidas.


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Uma delas é a Shapeways, companhia criada nos EUA pela Philips, que fabrica objetos em diversos materiais, como o metal. O consumidor envia pela internet um arquivo digital com o desenho do objeto e determina as cores que devem ser utilizadas. Depois de pronta, a mercadoria é entregue pelo correio, inclusive no Brasil. Atualmente, a Shapeways imprime cerca de dez mil objetos por mês, como cubos mágicos, brincos, anéis e telefones. Outra empresa que realiza um serviço parecido é a americana Digital Forming, especializada na customização de celulares. Em parceria com operadoras de telecomunicações americanas, a Digital Forming vende carcaças de telefones personalizadas pelos consumidores.

Como se vê, a revolução provocada pelas impressoras 3D já começa a transformar os negócios. Ainda é preciso, no entanto, avançar alguns passos para o sistema se popularizar de vez. Reduzir o preço é crucial nesse quesito. É sobre essa questão que diversos engenheiros e cientistas ao redor do mundo estão quebrando a cabeça neste momento. Um deles é o professor de engenharia Waldemir Lira, da Universidade Federal do ABC, em São Paulo. Ele está trabalhando no desenvolvimento de uma impressora que utiliza insumos mais baratos que o plástico ABS, material muito presente nas impressoras 3D, mas que pesa no bolso. “Não há quem domine por completo essa tecnologia atualmente”, afirma Lira. “Por isso, as possibilidades são enormes para qualquer inventor.”

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O professor Alberto Alvares, coordenador do grupo de inovação em automação industrial da Universidade de Brasília, também acredita que há um vasto campo a explorar nessa área. Por isso, resolveu pesquisar funções que vão além da impressão. Alvares desenvolveu um scanner 3D a partir de um Kinect, videogame da Microsoft que utiliza sensores de movimento no lugar dos controles. Com o brinquedo, ele consegue digitalizar o rosto de uma pessoa, por exemplo, e imprimi-lo, em três dimensões, em qualquer impressora 3D. “Com US$ 700, é possível ter um equipamento que faz a captura de um objeto e o produz instantaneamente”, diz o pesquisador.

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Ele compara o atual estágio dessa tecnologia aos primórdios da computação pessoal. “A revolução dos computadores também começou nas universidades, com gente montando sua própria máquina”, afirma. As iniciativas desenvolvidas pelo setor acadêmico, segundo Alvares, vão interferir diretamente no mercado a partir do momento em que uma grande empresa se interessar pela fabricação em larga escala desse tipo de equipamento. “É uma questão de tempo para isso ocorrer”, diz. Ele está certo. A HP, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, fez neste ano uma parceria com a Stratasys, fabricante americana de impressoras 3D, para vender essas máquinas com sua marca.

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Inicialmente, o produto, que custa US$ 17 mil, está sendo comercializado somente na Europa. “Esse valor certamente vai cair’, afirma Fernando Lewis, vice-presidente de imagem e impressão da HP. “Só não sei precisar em que velocidade esse processo vai acontecer.” Conhecer de perto os exemplos já aplicados na indústria e antecipar tendências é fundamental para entender como as relações de negócios serão modificadas por essa nova tecnologia. Não menos importante é perceber que a revolução deflagrada pelas impressoras 3D está inserida num contexto mais amplo, que é o da transição do mundo analógico para o digital.

Uma das características mais marcantes desse período é a explosão de conteúdo e a valorização do indivíduo. Isso significa que, apesar de muitas empresas tentarem padronizar o consumo, as pessoas querem ser diferentes. “Todo mundo quer ser reconhecido por seus gostos pessoais”, afirma Lewis. “O que a impressão 3D possibilita é o desenvolvimento de artigos únicos, feitos exclusivamente para cada indivíduo.”

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