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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Fome de riqueza

Eles já passaram dificuldades, viveram em favela e até em abrigo para refugiados. Conheça empreendedores que se tornaram empresários de sucesso e faturam milhões, e saiba como eles chegaram tão longe

O empresário Antônio Carlos Ferreira, 48 anos, não se esquece do gosto amargo e da consistência pastosa do café com farinha que tomava de manhã antes de sair de casa para trabalhar. Quando criança, Ferreira vivia em uma favela, na cidade paulista de São Caetano do Sul, com sua família.

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Passava tanta dificuldade que, muitas vezes, não tinha nem um pão para comer. Inconformado, foi à luta. Começou trabalhando como engraxate e depois percebeu que podia ganhar mais catando sucata na rua e revendendo para o ferro-velho do bairro. “Conseguia o equivalente a R$ 30 por semana.

Durante a manhã, estudava em um colégio público e à tarde catava sucata.” Hoje, passadas mais de três décadas, Ferreira é dono da Neolider, fornecedora de tubos de aço, que faturou R$ 200 milhões no ano passado e tem clientes do porte da Petrobras, Nestlé e Coca-Cola. Como ele, outros empreendedores brasileiros atravessaram adversidades, chegaram a passar fome, mas venceram.

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Antonio Setin, ex-varredor de marcenaria, hoje é dono da Setin, uma incorporadora que fatura R$ 400 milhões; Sergio Amoroso, que vivia na roça, possui o grupo Orsa, uma companhia de papel e celulose com receitas de R$ 1,5 bilhão; Marco Franzato, um ex-boia-fria, hoje lidera o grupo de moda Morena Rosa, cujo faturamento foi de R$ 200 milhões; e Thái Quang Nghiã, um refugiado do Vietnã, encontrado faminto e à deriva por um petroleiro da Petrobras, em 1979, comanda uma empresa de calçados e acessórios com vendas de R$ 30 milhões ao ano. Qual é a receita desses empresários obstinados?

Não é fácil definir o caminho das pedras para o sucesso, mas uma característica que une todos esses empreendedores é coragem. “No início, mesmo que se tenha uma boa ideia e até mesmo algum capital, é fácil ficar com medo de tomar a decisão. Por isso, além da própria competência, é preciso ter atitude”, diz Marcos Hashimoto, do Centro de Empreendedorismo do Insper. Isso, aliás, é o que o empresário Sergio Amoroso tem de sobra.

Filho de pequenos agricultores que foram à falência e se mudaram para a cidade, Amoroso começou a trabalhar no almoxarifado de uma fábrica de calçados em Birigui, em São Paulo, com 11 anos. “Como eu gostava muito de números, fui crescendo na profissão e, quando tinha 16 anos, já era chefe do setor”, conta.

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Aos 18 anos, decidiu se mudar para a capital paulista, porque era a “terra da oportunidade”. “Eu tinha uns trocados guardados”, conta. Ao chegar, dividiu apartamento com jovens conhecidos. O dinheiro durou oito meses. “Fiquei uns três ou quatro dias sem comer, passei fome”, conta. Nesse meio tempo, Amoroso recebeu um convite para trabalhar em uma fabricante de embalagens de papelão.

“O dono queria alguém bem novo, que ele pudesse ensinar, e lá fui eu.” Ele trabalhou por lá durante sete anos e ficou craque no negócio. “Saí quando a empresa pediu concordata na época da super-inflação. Eu já queria abrir minha empresa e aproveitei o fato de ter muitos contatos no mercado de papel para começar”, conta.

Foi nesse momento, em 1981, numa época de instabilidade econômica, que ele mostrou a coragem e, com alguns sócios, alugou um galpão de 350 metros quadrados na Vila Zelina, em São Paulo, para montar o próprio negócio. “Financiamos a compra de algumas máquinas e conseguimos matéria-prima com prazo um pouco maior”, conta o presidente do Grupo Orsa, hoje com faturamento de R$ 1,5 bilhão. “Foi determinante não ter medo de enfrentar situações desconhecidas e agarrar-se às oportunidades com unhas e dentes”, diz Amoroso.

Uma pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor no Brasil mostra que alcançar o sucesso com um negócio próprio é o sonho de milhares de brasileiros. “Em 2009, 15,32% das pessoas, com idades entre 18 e 64 anos, abriram uma empresa. Nos anos anteriores a taxa média era de 13%”, diz Simara Greco, coordenadora do levantamento no País.

Esse estudo ajuda a compreender a situação de um país. Os que possuem as maiores taxas de empreendedorismo são aqueles nos quais as diferenças sociais são abissais. Afinal, com menos empregos, as pessoas precisam buscar alternativas para sobreviver. E quem passou necessidade parece conhecer os atalhos para chegar lá. É o caso de Antônio Carlos Ferreira, da Neolider. Quando catava sucata, valorizava cada centavo como uma grande conquista.

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Por isso, aos 16 anos, quando – parecia o destino – arrumou emprego de contínuo em uma fundição que derretia sucata e a transformava em lingotes de chumbo, agarrou a chance com força. “Eu quebrava o galho de todo mundo e fui chamado para trabalhar no departamento de vendas”, diz Ferreira. Aquele foi o ponto de partida para desenvolver características que o levariam a construir sua trajetória: a técnica da negociação e o bom relacionamento com clientes e fornecedores. Some-se a isso uma grande visão empreendedora.

Em setembro de 1985, ele percebeu que faltava oferta de tubos de aço no mercado e, como conhecia todos os meandros do setor, resolveu que poderia ganhar dinheiro com isso. Vendeu um Fusca velho, alugou um salão de 10x20 metros, em São Bernardo do Campo, puxou duas linhas de telefone para lá – da própria casa e da residência da avó – e ligou para os conhecidos.

Na época, a companhia chamava-se Inox Líder e distribuía tubos de aço. No primeiro ano de operação, fechou um grande contrato: a venda de tubos para a empresa alemã Henkel. Ferreira diz que o crescimento veio, sobretudo, por conta do talento da equipe de vendas. “Ganhava um pouco mais com quem precisava do material com urgência, mas também negociava a redução de preço se o cliente precisasse. Assim fui construindo minha rede de relacionamentos”, conta. E prossegue: “Também é preciso conhecer um pouco de tudo. Os grandes empresários entendem de vendas, administração e contabilidade”, avalia.

O conhecimento em várias áreas também ajudou Marco Franzato, 51 anos, hoje diretor-presidente do Grupo Morena Rosa, da área têxtil, a ter sucesso em um negócio que não era sua praia. “Eu sonhava abrir uma empresa já quando era pequeno e levava vida de boia-fria”, conta. Pois é, ele colheu café ao lado do pai, no interior paranaense, até os 16 anos e, até essa idade, só tinha concluído o ensino fundamental.

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Foi parar em Cianorte quando uma geada prejudicou as lavouras e levou a família a procurar emprego na cidade. “Logo após chegarmos, meu padrinho me chamou para trabalhar como ajudante em um escritório de contabilidade”, diz Franzato. Voltou aos estudos, trilhou carreira na área e decidiu criar seu negócio, uma grife de moda, aos 34 anos, com a esposa e mais três amigos.

“Estava cansado do que fazia, acreditava no meu potencial como administrador, no bom gosto da minha mulher e, além disso, minha cunhada era modelista”, conta. O grupo apostou na venda de roupas para butiques, cujo alvo é o público feminino das classes A e B. No início, o salão alugado para a fábrica tinha 80 metros quadrados e quatro máquinas.

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Para impulsionar as vendas, montou uma pequena loja perto da linha de produção, para onde o empresário levava sacolas com os produtos nas próprias costas. Resultado: hoje, a Morena Rosa tem quatro marcas, uma sede com 5 mil m2 e faturou R$ 200 milhões em 2009. “Sempre fui ativo, dedicado e até hoje trabalho 15 horas por dia, acredito que seja a fórmula”, diz.

Mas não são apenas as características pessoais que ajudam no sucesso. Embora a cultura de empreender ainda não esteja enraizada como nos EUA, onde as crianças são estimuladas a vender limonada na porta de casa, o fortalecimento da economia do Brasil também tem colaborado para o surgimento de novos empreendedores. Que o diga o vietnamita naturalizado brasileiro Thái Quang Nghiã, 52 anos. Ele é a prova concreta de como o Brasil tem oferecido oportunidades.

Em 1979, aos 21 anos, ele decidiu fugir da ditadura no Vietnã e lançou-se ao mar junto com mais nove pessoas. Ficou à deriva e passou fome, até ser resgatado por um petroleiro da Petrobras no Oceano Pacífico. Chegou ao Brasil sem falar uma palavra de português, morou em favela no Rio de Janeiro e em albergues em São Paulo, onde vivia com auxílio mensal de US$ 50 fornecidos pela ONU.

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Aprendeu a falar o idioma lendo dicionários de francês-português em bibliotecas. “Aprendi francês na escola”, conta. A partir daí, conseguiu trabalhar. Descobriu o que realmente gostava de fazer, em 1986, quando teve que vender algumas bolsas que tinha recebido como pagamento de uma dívida. “Havia emprestado dinheiro a um amigo. Era final do Plano Cruzado, ele estava quebrado e me pagou em bolsas.” Saiu às ruas de Cotia e Itapevi, em São Paulo, para vendê-las. “Tive 400% de lucro com aquela venda.”

Com o dinheiro ganho, contratou costureiras para fazer bolsas artesanais e criou o Grupo Domini, que hoje também produz calçados e fatura R$ 30 milhões por ano. O pulo do gato, porém, aconteceu em 2003, no último ano da faculdade de administração – sim, o vietnamita que chegou ao Brasil sem falar uma palavra de português se formou na Universidade Mackenzie, em São Paulo.

“Precisava de um projeto diferenciado que fosse rentável, mas sustentável ao mesmo tempo.” A solução estava na sua cara. Quang tinha feito uma viagem para visitar a família no Vietnã e comprou um suvenir. Era uma miniatura de uma sandália que as pessoas usavam no tempo da guerra, feita artesanalmente com solado de borracha de pneus usados. Assim nasceu a Góoc, sua marca de sandálias e carro-chefe de seu grupo. A perseverança do vietnamita, que teve de aprender o idioma, morou em uma favela e hoje fatura milhões de reais, parece história de filme.

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Antonio Setin, dono da incoporadora Setin, não chegou a esse ponto, mas sua trajetória também é cinematográfica. Quem imaginaria que o fundador de uma companhia que faturou R$ 400 milhões em 2010 começou a trabalhar aos 13 anos como uma espécie de faz-tudo em uma marcenaria? “Meus dois irmãos começaram uma marcenaria no fundo da casa dos meus pais, na zona norte de São Paulo. Eu varria, cortava madeira e ajudava na fabricação. As piores tarefas ficavam comigo”, brinca.

Nesse trabalho, onde permaneceu durante 11 anos, ele descobriu seu gosto por desenho e aprendeu a negociar, pois era quem atendia diretamente a clientela. “Quando concluí a faculdade, o sonho de construir estava latente”, conta. Aos 25 anos, então, formado em arquitetura, abriu seu primeiro escritório, no bairro da Casa Verde, na capital paulista, e mirou em um público a que poucas pessoas davam atenção: a classe C.

Ao lado dos irmãos, com o lucro da marcenaria, começou a comprar terrenos e construir casas populares para depois vendê-las. De casas populares, a construtora passou a construir imóveis para a classe média e depois hotéis. “As dificuldades me tornaram mais persistente e paciente”, diz Setin. Além disso, ele dá outra lição: “Eu nunca pensei em ganhar dinheiro. Sempre em fazer o que gosto.”


O vice venceu

Nascido no município de Muriaé, na Zona da Mata mineira, José Alencar percorreu um longo caminho até montar seu império têxtil e chegar à vice-presidência da República. Filho de família pobre, o menino nascido em 1931 dividia a casa com 14 irmãos e, na falta de energia elétrica e água encanada, precisava buscar água no poço todos os dias. Sem acesso à escola, Alencar foi alfabetizado pelos próprios pais.

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Seu primeiro contato com uma sala de aula só ocorreria depois que vizinhos do povoado de Itamuri improvisaram um quadro-negro dentro de uma tulha (edificação de piso de chão e paredes de ripa cobertas de sapé), para onde o menino se dirigiu descalço durante três anos. Alencar começou a trabalhar aos 7 anos, ajudando o pai na venda, e aos 14 deixou a casa da família para trabalhar como balconista numa loja de tecidos.

O trabalho obstinado transformou o menino pobre de Muriaé em proprietário de uma lojinha em Caratinga com apenas 18 anos. Ele ainda seria viajante comercial, atacadista de cereais e dono de uma fábrica de macarrão. Criada em 1967 por Alencar, a Coteminas se tornou uma das maiores têxteis do mundo.

Fonte: Istoé Dinheiro

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