Elas invadiram um setor dominado por homens. Conheça as empresárias digitais que estão conquistando os milhões de dólares dos fundos de investimentos internacionais.
Aos 15 anos de idade, a paulistana Mariana Medeiros circulava pelos corredores do shopping Iguatemi, em São Paulo. Era comum para ela carregar sacolas recheadas de produtos cujos valores iam muito além do que suas economias poderiam bancar. O dinheiro vinha de seu trabalho como braço direito do pai, dono de um escritório de arquitetura em Itu, no interior de São Paulo, como responsável por transações bancárias que envolviam o pagamento dos fornecedores. “Eu conversava com o gerente do banco, que me conhecia, perguntava o saldo da conta e verificava os compromissos a pagar do meu pai”, lembra Mariana.
“Então, pegava o telefone e dizia para o vendedor de areia: ‘Posso pagar daqui a uma semana?’” Mariana aproveitava os dias extras no prazo para aplicar no overnight, investimento que, na época da hiperinflação, nos anos 1980, proporcionava retornos vultosos diariamente, com o qual reforçava seu orçamento pessoal. A negociadora surfou nessa onda por três anos. “Depois vi que teria de trabalhar.” Esse tino para a negociação, descoberto na adolescência, mais do que garantir a ela o acesso às marcas e grifes de sua preferência, acabou revelando-se de extrema utilidade para os passos futuros de Mariana.
Formada em direito, hoje com 38 anos de idade, ela trabalhou em um
escritório especializado em fusões e hoje é uma empresária bem-sucedida
do mercado digital. Ela é sócia da loja virtual de moda OQVestir,
fundada em 2008, em parceria com a amiga Rosana Sperandéo, que logo em
seguida passou a contar com Isabel Humberg na sociedade. A ousadia
marcou o nascimento da OQVestir. Em plena crise financeira
internacional, deflagrada pela quebra do banco Lehman Brothers, nos
Estados Unidos, as três sócias investiram mais de R$ 1 milhão no
negócio. Uma das apostas do serviço foi comercializar roupas já com
dicas para a combinação ideal – o “look”, como se diz no jargão da
moda.
“Queria fazer uma loja virtual que se parecesse com o Iguatemi, que conheço bem”, afirma Mariana. A sacada deu certo. A
OQVestir já recebeu três rodadas de investimentos do fundo americano
Tiger Global, a última delas realizada em outubro do ano passado. O
mesmo fundo, que administra recursos da ordem de US$ 8,2 bilhões, também injetou recursos em empresas como Facebook, Netshoes e Linkedin. A OQVestir é apenas um exemplo de sucesso de uma onda recente de mulheres no comando de negócios digitais, campo que até há pouco tempo era ocupado quase exclusivamente por homens.
Ao que tudo indica, o avanço delas vai ser ainda mais rápido do que
o de seus pares masculinos, pois as empresárias pontocom estão chamando
a atenção de alguns dos principais fundos de investimento do mundo,
como o Redpoint eVentures, IG Expansión e o 500 Start-ups, além do
Tiger, dispostos a aplicar seus recursos em seus negócios. O momento não
poderia ser mais propício. Em primeiro lugar, porque a internet está se
popularizando rapidamente e o avanço da telefonia móvel estimula uma
série de novos empreendimentos no mundo digital. Além disso, os produtos
ligados a moda e acessórios – segmento no qual atuam muitas das
empreendedoras – estão se consolidando como um dos maiores mercados para
o comércio eletrônico.
Essa categoria de produtos foi responsável por 11% dos R$ 10,2
bilhões faturados pelo varejo virtual brasileiro no primeiro semestre de
2012. É o terceiro segmento com maior faturamento no ranking do
comércio eletrônico, liderado pelos produtos eletrodomésticos, com 13%
das vendas, e logo atrás do segundo colocado, “saúde e beleza”, que
obteve uma fatia de 13%, segundo dados da Câmara Brasileira de Comércio
Eletrônico (câmara-e.net). A estimativa é que o varejo virtual tenha
registrado no ano passado uma receita de R$ 22,5 bilhões. E, conforme
mais lojas físicas de roupas e acessórios migrem para os negócios
virtuais, a participação de produtos de moda no faturamento total do
mercado deve crescer ainda mais.
O potencial é enorme. No ano passado, o setor têxtil faturou R$ 140
bilhões no Brasil, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil
(Abit), e o de cosméticos R$ 89,3 bilhões, de acordo com o Instituto
Euromonitor. Promissor, esse cenário, que vinha se desenhando nos
últimos anos, abriu espaço para que mulheres como Karen Sanchez, 28
anos, montassem suas empresas. Ela fundou no ano passado na capital
paulista o Lets, site de moda que atua com o conceito de fast fashion. O
termo é usado para descrever os varejistas que rapidamente adaptam
conceitos das passarelas para seu acervo. O Lets começou a operar com
investimento de US$ 15 milhões recebido do A5 Internet Investments,
fundo nacional de investimento para projetos digitais.
Para ter uma ideia do que representa esse valor, o primeiro aporte
do Facebook foi de US$ 1 mil, dado pelo brasileiro Eduardo Saverin. Para
Karen, o mercado está aberto à agilidade feminina. “A cabeça da mulher é
dinâmica”, afirma. “Isso é muito útil no mundo das start-ups, que está
sempre em transformação.” O atrativo para estimular as vendas é o uso de
vídeos para mostrar melhor como é o caimento das roupas. A empresa deve
lançar em breve a Lets TV, uma série de programas de sugestões e
entrevistas com a apresentadora Gianne Albertoni, da TV Record. Obter
sucesso no mundo digital pode significar para elas ter de vencer
sozinhas os desafios da tecnologia, tais como programar um site, uma
função na qual os homens costumam ter maior desenvoltura.
Para fundar o shopping virtual I Love E-Commerce, por exemplo, a
publicitária Mariana Villela, 26 anos, aprendeu programação como
autodidata. Não foi fácil. “É um grande desafio”, afirma Mariana. “Você
entra em desespero por não entender nada.” O esforço trouxe bons
resultados. “Hoje, consigo manter uma conversa de programação de bom
nível, o que é essencial para um site que tem mais de 30 mil produtos”,
diz Mariana. Atualmente, a empresa oferece sua vitrine para 25 lojas e
age como uma seleção das melhores prateleiras virtuais. O site obtém sua
receita ao cobrar das empresas uma taxa por usuário que acessa a loja
por meio do I Love E-commerce.
CLIQUE A CLIQUE Enquanto a aposta do I Love
E-Commerce é na curadoria, o site Sophie & Juliete adaptou ao
digital o modelo de venda porta a porta adotado por companhias como Avon
e Natura. A empresa foi fundada em 2012 por Camila Souza, 30 anos. Com
aporte de cerca de US$ 7 milhões dos fundos Redpoint eVentures, dos
Estados Unidos, e IG Expansión, da Espanha, o site oferece a cada
revendedora uma vitrine virtual e facilidade para fazer as transações.
As consultoras encomendam os pedidos das clientes pela web e não
precisam se preocupar com a entrega. Com a loja virtual própria abrigada
no Sophie & Juliete, em vez de bater perna atrás das clientes, as
promotoras podem navegar pelos perfis virtuais das amigas e de contatos
para indicar seus produtos.
“Transformamos a venda de porta a porta em clique a clique”, diz
Camila. Para se tornar uma representante da empresa, basta um
investimento inicial de R$ 199. Mas não é só às áreas de moda e beleza
que as empreendedoras digitais brasileiras se dedicam. A publicitária
Lalai Luna, 39 anos, trabalha com internet desde 1995 e fundou a agência
digital Remix, em 2009, em parceria com Ana Laura Mello. Entre os focos
do negócio estão as estratégias para redes sociais, embora também
desenvolva projetos para diversas plataformas. Por lidar com ações na
rede, a habilidade feminina para estabelecer diálogos pode ser um
diferencial.
Mas, segundo Lalai, a vantagem e a desvantagem das mulheres no comando de empresas é a mistura emocional nas decisões tomadas.
“Embora os projetos fiquem mais especiais, há decisões difíceis que
exigem mais”, afirma. “Nem sempre conseguimos contar com o aspecto
racional.” Outro exemplo de start-up de fora do setor de moda é a
JáComparou, criada em 2012 pela administradora Mariella Pollo, 29 anos.
Sediada em Orlândia (SP), o site compara preços de serviços de
telefonia, tevê a cabo e internet. O usuário pode utilizar diversos
critérios para encontrar o serviço ideal. A ideia para montar o negócio
partiu de sua experiência pessoal, pois Mariella sentiu falta desse
serviço ao retornar ao Brasil, em 2011, depois de dez anos viajando por
52 países – nesse período, ela se formou em negócios e marketing em
Londres.
er uma boa ideia, no entanto, não foi suficiente para que pudesse
lançar-se como empreendedora. Sacrifícios também foram necessários.
“Investi todas as minhas economias”, diz. “Passei um aperto. Para honrar
o pagamento dos funcionários, Mariella teve de vender o carro, um
apartamento e pedir empréstimo no banco. “Sempre acreditei no projeto.”
Sua perseverança comoveu Pedro Waengertner, fundador da Aceleratech,
empresa que investe em projetos digitais. “Quando vi o comprometimento
de Mariella, tive certeza de que ela merecia um investimento”, diz
Waengertner, que a conheceu durante um evento. Hoje, a JáComparou se
prepara para alçar voos mais altos. Para chegar à meta de R$ 8 milhões
de faturamento anual até 2015, o portal também efetuará vendas. “O
serviço de comércio eletrônico ficará pronto no começo deste ano”, diz
Mariella.
VALE DO SILÍCIO A incursão das empreendedoras
brasileiras pelo universo das start-ups já chegou ao Exterior. É o caso
da carioca Tahiana D’Egmont, 27 anos. Ela é sócia da Unipay, um site de
meio de pagamento para celular que está em fase embrionária no Vale do
Silício, na Califórnia. O projeto já recebeu um investimento inicial de
US$ 50 mil feito pelo 500 Start-ups, fundo americano que investe em
empresas iniciantes. O primeiro serviço deve ser lançado em fevereiro.
“Queremos ser uma solução de pagamento móvel que faça sentido para a
realidade brasileira”, diz Tahiana. Para viabilizar seu projeto, Tahiana
contou com a ajuda da Brazil Innovators, de São Paulo, uma empresa
especializada em eventos de networking entre start-ups brasileiras e
fundos de investimento internacionais.
De acordo com a fundadora da Brazil Innovators, Bedy Yang, que
reside em São Franscisco embora a proporção de mulheres à frente de
start-ups ainda seja reduzida em termos globais, seu número está
crescendo. “Há grupos de investidores-anjo nos EUA que se comprometeram a
investir em empreendedoras digitais”, afirma Bedy. Na outra
costa dos EUA também há brasileiras na liderança de start-ups. A
publicitária Fernanda Romano, que no Brasil é sócia-fundadora da agência
de comunicação Naked, é uma das idealizadoras da agência Malagueta, em
Nova York, voltada para a criação de conteúdo para marcas. Em
sua nova empreitada, Fernanda busca uma equipe que conte com uma
proporção equilibrada de homens e mulheres. “Assim, a riqueza de
talentos é maior”, afirma.
O surgimento de mais empresas digitais nas mãos de mulheres, como
Fernanda e suas colegas, ainda não foi capaz de igualar a balança de
gêneros. Visível em praticamente todos os ramos de atividades e nos
diferentes países – das 500 maiores empresas americanas listadas pela
revista Fortune, por exemplo, apenas 20 são comandadas por elas – essa
posição minoritária é mais acentuada no mercado de tecnologia. Em todo
caso, o quadro vai se alterando gradativamente, segundo a consultora de
gestão Betânia Tanure, professora da PUC-MG e diretora da Betânia Tanure
Associados, de Belo Horizonte. “O filme da história das mulheres está
cada vez mais positivo, mas a foto ainda mostra diferenças”, diz
Betânia. “Talvez, com os negócios digitais, essas mudanças sejam
aceleradas.”
A menina do Vale
A paulistana Isabel Pesce, 24 anos, é autora de A menina do vale
(editora Casa da Palavra), livro que vem inspirando novas empreendedoras
digitais Brasil afora. Depois de trabalhar na Microsoft e no Google e
estudar no Massachusetts Institute of Technology (MIT), ela atualmente
vive no Vale do Silício cuidando de um novo projeto: a empresa digital
Lemon. Leia a entrevista que ela concedeu à DINHEIRO.
O número de mulheres no mercado de tecnologia no Brasil está aumentando, mas nem sempre foi assim. Por quê?
É uma questão que vem da base. Há poucas empreendedoras no mundo da
tecnologia porque poucas estudam e se interessam por coisas
relacionadas a essa área. Por isso é importante criar programas que
mostrem como o mundo tecnológico pode ser mágico. Também é necessário
mostrar que há executivas bem-sucedidas nesse circuito.
Qual o obstáculo e qual a vantagem de haver mulheres no comando de start-ups?
Ainda precisamos de mais exemplos de mulheres de sucesso, mas isso é
apenas questão de tempo. Há uma vantagem em ser minoria: é mais fácil
se destacar se você é muito boa no que faz.
Como é a sua empresa, a Lemon?
É a desenvolvedora de um aplicativo para iPhone, Android e Windows
Phone que viabiliza a criação de uma réplica da sua carteira em forma
digital. Lançamos em outubro de 2011 e contamos com mais de 2,5 milhões
de downloads. Já somos mais de 20 pessoas trabalhando na Lemon.
Fonte: Istoé Dinheiro
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