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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

10 perguntas para Ronaldo Lemos, especialista em direito digital

"Os dados dos usuários são o petróleo da internet"

A aprovação do Marco Civil da Internet, projeto que está à espera de votação na Câmara dos Deputados e define as principais questões relacionadas ao uso da rede no Brasil, representará o fim da insegurança jurídica nessa área. A opinião é do advogado Ronaldo Lemos, especialista em direito digital e um dos idealizadores do Marco Civil. Mestre em direito por Harvard e professor visitante de universidades como Princeton, nos EUA, e Oxford, na Inglaterra, ele analisa aqui o teor do projeto e a questão da privacidade na rede. “Os dados pessoais tornaram-se hoje o ‘petróleo’ da internet”, afirma Lemos, que acaba de se tornar sócio do escritório Pereira Neto Macedo Advogados, de São Paulo. “A questão importante é proteger espaços de anonimato na rede.”

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O Marco Civil da Internet está para ser votado na Câmara. Por que esse projeto deveria ser aprovado?
O Marco Civil é determinante para o futuro da rede no Brasil. Hoje, passados mais de 15 anos de acesso à internet no País, ainda não existe lei definindo os alicerces civis da rede. Isso foi feito em outros países há mais de uma década e mostrou-se um elemento essencial para a inovação. Não existiria o YouTube ou o Facebook se os EUA não tivessem feito o seu Marco Civil, em 1998. Sem lei, cada juiz fica livre para decidir a questão como bem entender. O resultado é uma enorme insegurança jurídica, decisões contraditórias e casos estapafúrdios. 
 
Como as empresas saem prejudicadas num ambiente desses? 
Hoje, sem regras, vivemos o pior dos mundos. Não existe segurança jurídica para os empreendedores na internet. Isso só favorece os grandes sites internacionais, que têm departamentos jurídicos bem estabelecidos. Mas o pequeno empresário brasileiro não tem esses mesmos recursos para lidar com tanta incerteza na rede. Por isso é importante que uma lei como o Marco Civil defina as principais questões. 
 
Recentemente, o Congresso aprovou as chamadas Lei Carolina Dieckmann e Lei Azeredo, sobre crimes digitais. Qual sua avaliação sobre ambas? 
A Lei Azeredo foi objeto de um grande debate público, que aperfeiçoou seu texto, excluindo as redações problemáticas. No fim, a lei foi aprovada contendo apenas cinco artigos, e não os 22 previstos originalmente. Isso é positivo. Com relação à Lei Carolina Dieckmann, é similar. Trata-se de lei que foi construída em amplo processo de consulta técnica, do qual participei. O resultado é uma lei pontual, que também evita os efeitos colaterais que poderiam surgir no tratamento dos cibercrimes. 
 
Essas duas leis se interpõem ao Marco Civil? 
Havia um acordo político para que elas fossem aprovadas junto com o Marco Civil. Isso não aconteceu. A aprovação das leis criminais antes do Marco Civil passa a impressão de que os problemas “de polícia” têm precedência sobre todos os outros. Mas ao menos os textos dessas leis foram harmonizados com os princípios do Marco Civil. 
 
A discussão sobre a privacidade na internet ganha força. Quais os aspectos que devem ser analisados nessa questão? 
Os dados pessoais dos usuários tornaram-se hoje o petróleo da internet. A coleta desses dados são os fatores que viabilizam a maioria dos modelos de negócio da rede. No Brasil, há um paradoxo: a privacidade está protegida pela Constituição, mas não existem leis específicas tratando de forma abrangente o tema. 
 
A possibilidade de o usuário permanecer anônimo na internet divide opiniões. Qual sua posição a esse respeito?
O espaço para o anonimato na web vai se tornar ainda menor com a modificação do protocolo da rede para o chamado IPv6. Com ele, cada objeto que se conecta à rede terá um endereço de IP único e imutável. Isso faz com que a identificação da fonte de uma determinada informação na rede torne-se mais fácil. As repercussões disso para a privacidade são muitas. Hoje, a Constituição veda o anonimato na manifestação do pensamento. Mas e o anonimato na simples busca da informação, sem manifestar nenhuma ideia? Pense, por exemplo, em alguém que pesquisa na web sobre tratamentos de uma doença crônica, e o seguro usa esse fato para subir as mensalidades do plano de saúde. A questão importante é proteger espaços de anonimato na rede, que estão se tornando cada vez mais excepcionais.
 
Qual a distância entre os direitos autorais no Brasil e nos EUA? 
O do Brasil é um dos mais restritivos do mundo. Nos EUA existe o conceito de “fair use” (uso justo), que consiste na possibilidade da lei autorizar a utilização de obras quando, por exemplo, isso não gera prejuízo aos autores. No caso da lei de direitos autorais brasileira, essas autorizações são casuísticas e restritas. 
 
Por que o debate sobre atualização na questão da propriedade intelectual no Brasil aparentemente está parado? 
A propriedade intelectual é um assunto complexo. Apesar disso, o País por muito tempo a tratou como algo de pouca importância. 
 
A falta de uma legislação que defina regras para veiculação de conteúdo diretamente da internet, também conhecido como strea­ming, retarda a vinda de empresas de tecnologia para o Brasil?
Certamente. O direito brasileiro tem gerado grande insegurança com relação à internet. A questão do streaming é só mais um exemplo. A empresa que hoje trabalha com a oferta de vídeos, especialmente na web, enfrenta várias questões. Uma delas é se deve ou não pagar ao Ecad valores sobre a execução de obras musicais. Ou se pode, por exemplo, obter autorizações das músicas diretamente com os autores. O YouTube fez um acordo com o Ecad com relação às músicas veiculadas através do site. Isso não impediu que o Ecad ameaçasse cobrar direitos autorais de qualquer blogueiro, simplesmente por incorporar vídeos do YouTube em seu site, uma cobrança dobrada. 
 
Como estão os processos movidos pelas empresas que recorrem para não pagar o Ecad? 
Há decisões em vários sentidos. E, eventualmente, há a concessão de liminares suspendendo a cobrança.
 

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