Schmall é uma metralhadora que dispara números. Em 2009, a produção das cinco fábricas brasileiras da Volkswagen deve alcançar o recorde de 800 mil unidades, um volume 35% maior que o de 2006, antes do início de sua gestão. A participação de mercado da Volks, que estava estacionada na casa dos 23%, subiu para quase 26%. Nem mesmo a enorme repercussão provocada por problemas de ruído nos motores dos carros 1.0 da marca, que na semana passada causaram transtornos a centenas de motoristas, abalou o bom humor do presidente. "Tudo vai tão bem que já me sinto 50% brasileiro", afirma o execer - e todos na empresa estão convencidos de que acontecerá -, a Volks do Brasil só será menor que a Volks da China.
A arrancada da Volks pode ser creditada, entre outros fatores, à redução do IPI. O estímulo fiscal associado ao ajuste de custos de produção dentro da montadora (renegociação com fornecedores, modernização da linha de produção, para citar só alguns exemplos) possibilitou que o novo Gol, que lidera o ranking cutivo, num sotaque carregado de palavras por vezes incompreensíveis. A fase é tão favorável que Schmall desenhou um cenário surpreendente. Se o ritmo de vendas da empresa continuar no mesmo patamar nos próximos anos, a filial da Volks no Brasil vai alcançar um feito histórico. "Em 2014, deveremos ser maiores do que nossa matriz na Alemanha", diz o presidente. Se isso acontenacional desde 1987, chegasse ao consumidor por um preço 5% mais baixo do que o de seu antecessor. Resultado: no primeiro semestre de 2009, as vendas do carro-chefe da Volks aumentaram 2,6% na comparação com os seis primeiros meses de 2008 - que havia sido recorde. No mesmo período, o desempenho do Palio, o automóvel mais vendido da Fiat, foi negativo em 12,65%. No auge da crise, os italianos da Fiat também tomaram uma decisão que acabou comprometendo a sua performance. A empresa reduziu em 30% o ritmo de produção da fábrica de Betim, em Minas Gerais, o que nem a Volks nem seus outros concorrentes fizeram.
Para o presidente Schmall, a chave para a retomada é a ampla oferta de produtos. Nos últimos três anos, a Volks colocou na praça 40 novos modelos (entre carros que não existiam e versões repaginadas). Ninguém fez isso no mercado. "Como o brasileiro gosta de carro, é natural que ele seja obcecado por novidades", diz o executivo. Era justamente esse o ponto fraco da empresa. "No passado recente, a Volks sofreu uma espécie de síndrome da liderança", diz José Rinaldo Caporal Filho, consultor do mercado automotivo. Como durante muito tempo ninguém a enfrentou (há 20 anos, chegou a ter quase 40% do mercado), acabou acomodando- se no próprio sucesso. A falta de produtos ficou mais evidente no início dos anos 90, quando novos competidores surgiram no embalo da abertura econômica. Vieram marcas como Renault, Peugeot, Honda e Citroën, todas com padrões de modernidade que tornaram, de uma hora para outra, os modelos da Volks visivelmente ultrapassados. O problema é que a empresa demorou para reagir e isso custou a sua liderança. Para o consultor Caporal Filho, além de uma sequência de lançamentos de produtos no segmento de baixa cilindrada - com destaque para Gol e Voyage, que injetaram ânimo extra nas vendas de 2009 -, o fortalecimento das linhas mais sofisticadas também teve um peso importante na recuperação. "Antes, a Volkswagen era rotulada com uma empresa de veículos baratos", diz Caporal. "Hoje, a montadora é referência também na faixa dos veículos mais caros." A própria Volkswagen concorda com essa avaliação. "Trouxemos modelos mundiais como a linha Jetta, produzida no México, a família Passat, da Alemanha, e até o sedã conversível Eos, fabricado em Portugal", diz Flávio Padovan, vice-presidente de vendas e marketing da montadora.
Padovan foi um dos responsáveis pela estratégia que reforçou a imagem da Volkswagen como "pau para toda obra". Mas com um diferencial: de uns tempos para cá, a Volks também passou a ser retratada como uma empresa moderna, sintonizada com os novos tempos. De um lado, ela investiu em campanhas que destacam os carros da marca como robustos, resistentes e duráveis. De outro, colocou no ar peças publicitárias que tinham certo charme. "Por isso, lançamos campanhas que tiveram a participação da modelo Gisele Bündchen e do ator Silvester Stalone. Era a união da beleza com a força", diz o executivo. No centro da campanha, o novo Gol, com seu design mais moderno, repleto de curvas e com uma aparência mais agressiva - elementos fundamentais para fisgar os jovens. "Nessa nova fase, um dos nossos desafios foi comunicar ao público que nossos carros são, sim, bonitos", diz. Isso, porém, sem deixar de lado a imagem de robustez. "Desde o Fusca, somos conhecidos pela qualidade e durabilidade", diz Padovan. Segundo o consultor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, essa imagem consagrada no imaginário dos clientes ainda é um fator preponderante no sucesso da empresa. "A Volkswagen tem o mais alto grau de fidelização do mercado", diz Leite. Segundo ele, uma vez que uma pessoa compra um carro da Volks, é mais difícil que ela o troque por outra marca. Na sua análise, é por isso que a capacidade de atrair o público jovem, que está entrando no mercado consumidor agora, revelou-se fundamental.
Apesar dos esforços da Volkswagen em consolidar uma imagem positiva em um cenário de forte concorrência, alguns obstáculos precisam ser superados. Na semana passada, embora não tenha sido declarado um recall, cerca de 400 mil proprietários de modelos Gol, Voyage e Fox, equipados com motor 1.0, foram informados de que poderiam fazer uma revisão antecipada nas concessionárias em decorrência de um problema de ruído gerado pelo lubrificante sintético usado na montagem do motor. Em 2008, um outro defeito de produção - desta vez, nos trilhos do banco traseiro do Fox - chegou a decepar dedos dos proprietários. No episódio mais recente, a postura da empresa gerou elogios de especialistas. Em comunicado distribuído à imprensa, a Volks assumiu a responsabilidade pela falha, em vez de acusar o fornecedor. Fez isso imediatamente, o que evitou a propagação dos estragos. No caso do Fox, a Volks demorou para admitir o erro, o que acabou despertando a ira de alguns consumidores. "Temos identificado com mais rapidez eventuais falhas, e, em respeito ao consumidor, providenciado o conserto", diz Padovan. Como os problemas ocorreram num momento de forte crescimento, especulou-se que eles poderiam ser reflexo do expressivo aumento do ritmo de produção. Para o consultor Caporal, isso não faz sentido. "São casos pontuais que não têm nenhuma relação com o aumento da demanda", diz. Segundo ele, mesmo depois da retomada, a Volkswagen não atingiu a capacidade máxima de produção. "Existe ainda uma ociosidade de 15% a 20%, o que dá um relativo conforto à montadora", afirma Caporal. É consenso entre os especialistas que os investimentos da companhia na modernização das linhas produtivas, em especial as de São Bernardo do Campo (SP) e São José dos Pinhais (PR), garantiram à montadora uma significativa flexibilidade. Ou seja, mesmo que as vendas subam rápido demais, a Volkswagen estará preparada. A Volks quer, em 2011, produzir um milhão de carros no Brasil. Para que isso seja possível, será necessário o comprometimento total de seus fornecedores. Meses atrás, a empresa fechou uma parceria com o banco americano New York Mellon para criar um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FDIC), que financiará a modernização e o aumento da capacidade produtiva de empresas parceiras. Cerca de R$ 600 milhões serão colocados à disposição de empresas de autopeças. Por enquanto, três grandes empresas aderiram ao programa de financiamento. Os nomes e os valores não foram divulgados, mas já se sabe que parte dos recursos foi para fornecedores de componentes plásticos e estamparia.
O momento singular que a empresa vive no Brasil está alinhado com as ambições globais da empresa. Recentemente, o presidente mundial do grupo Volkswagen, Martin Winterkorn, definiu uma meta audaciosa: assumir a liderança global até 2018. Hoje, a Volks ocupa o terceiro lugar, atrás de Toyota e General Motors. Na percepção da Volks, ultrapassar a GM, recém-saída da concordata, não será problema. A disputa com os japoneses será mais acirrada. A Toyota está na linha de frente no desenvolvimento de carros elétricos, a nova fronteira da indústria automobilística. A favor da Volks pesa o fato de ela estar consolidada nos países emergentes. No Brasil, a participação de mercado da gigante japonesa é de apenas 2,1%, ante 25,8% da Volks. Isso é um problema, considerando que o Brasil é o quinto maior mercado do mundo. Para o presidente da Volks do Brasil, Thomas Schmall, não só a Volkswagen será a número 1 do mundo como os brasileiros terão grande responsabilidade nessa reviravolta. "Escreva aí: chegou a vez do Brasil", diz Schmall.
Fonte: IstoÉ Dinheiro
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