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terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os herdeiros traçam o próprio destino

Conheça a trajetória de seis jovens empreendedores das famílias Amaro, Setubal, Klein, Rossi, Auriemo e Buaiz que estão fazendo sucesso com negócios independentes.

Quando tinha 15 anos, Marcos Amaro, o filho caçula do falecido comandante Rolim Amaro, fundador da TAM, fez o seu primeiro voo como piloto de avião. O pai, evidentemente, estava a seu lado na cabine de um Cessna 150. Autoconfiante, o garoto começou a fazer manobras perigosas, assustando Rolim. “Você vai quebrar esse avião, se continuar assim”, disse o pai. Aos 17 anos, ele já acompanhava Rolim nas reuniões do Conselho de Administração da companhia aérea. Na sala ocupada por executivos engravatados, observava como o pai tomava suas decisões baseado em informações, mas principalmente em sua celebrada intuição. Essas duas lições serviram para que Marcos desse a sua maior tacada na carreira empresarial, ao assumir o controle da Óticas Carol, de Sorocaba, no interior de São Paulo, por R$ 40 milhões, em 2008, com dinheiro da herança familiar. Na ocasião, todos os analistas diziam que era um péssimo negócio. Mas autoconfiante e seguindo a sua intuição, Marcos resolveu fechar a transação. “Se fosse avaliar apenas pelas planilhas, não deveria comprar a empresa”, afirma.

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Três anos depois, a Óticas Carol é a segunda maior rede de óticas do Brasil, com previsão de faturamento de R$ 240 milhões neste ano e 400 lojas. Está atrás apenas da paraibana Óticas Diniz. Aos 27 anos de idade, Amaro é um dos símbolos de uma nova geração de herdeiros de alguns dos maiores grupos empresariais do Brasil que resolveu traçar o seu próprio destino. Desse time fazem parte nomes como Bruno Setubal, Marcus Buaiz, Natalie Klein, Guilherme Rossi e Ricardo Auriemo. Cada um a seu modo, eles estão fazendo fortuna longe das asas protetoras da família. Alguns começaram sem o apoio dos familiares. Outros contaram com o providencial dinheiro do pai. Em comum, todos têm no sangue o DNA do empreendedorismo e uma incrível capacidade de caçar boas oportunidades. “Na TAM, as coisas estavam prontas”, diz Amaro, que é filho de um relacionamento extraconjugal do fundador da companhia, morto em 2001 em um acidente de helicóptero. “Sempre me pareceu mais desafiador empreender.” A Óticas Carol é o negócio mais visível de Amaro, um apreciador da pilotagem de aviões e da arte.
As paredes da sala de seu apartamento, em São Paulo, exibem uma série de pinturas de nomes consagrados da arte brasileira, como Cícero Dias e Vik Muniz, e o quadro Ronda infantil, uma das primeiras pinturas modernistas de Candido Portinari. O filho de Rolim, que detinha mais de 10% de ações com direito a voto da TAM e as vendeu neste ano, é dono também de 51% e presidente do conselho da Arbela Investimentos, com R$ 250 milhões de ativos sob gestão. Seu próximo projeto será a criação de uma editora que fará fotobiografias de grandes personalidades brasileiras. A nova empresa já tem nome: Biobooks. Um traço comum dessa nova geração de herdeiros é a realização de negócios entre eles. “O sobrenome traz uma vantagem no item relacionamento”, afirma Márcio Roldão, sócio da consultoria de gestão Avention, especializada em empresas familiares. “Abre portas e eles acabam fazendo negócios entre si ou com pessoas próximas.” Observe o caso de Guilherme Rossi, 32 anos, um dos filhos trigêmeos de João Rossi, um dos nomes mais respeitados do segmento imobiliário e de construção no Brasil, fundador da Rossi Residencial, que faturou R$ 2,5 bilhões em 2010.

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A GR Properties, fundada por Guilherme em 2008, teve Amaro como um dos investidores do primeiro projeto de galpões da companhia. Cada um dos três filhos de João Rossi possui uma empresa no setor de construção, mas com atuações em áreas diferentes, para não competirem com a Rossi, que já tem capital aberto na BM&FBovespa. “A família decidiu profissionalizar a gestão da Rossi Residencial”, afirma Guilherme. “Enxerguei oportunidades não conflitantes.” Seu objetivo é atuar abaixo do radar das gigantes do setor, com empreendimentos com valor geral de vendas de até R$ 20 milhões. Com quatro anos de existência, a em-presa de Guilherme já é tão hiperativa quanto seu dono. Durante a entrevista com a DINHEIRO, ele se levantou várias vezes para buscar informações, fazer telefonemas ou lembrar funcionários da execução de alguma tarefa.
A GR, sediada em São Paulo, nasceu para construir condomínios de galpões que possam ser alugados por empresas. O primeiro deles, localizado em Jundiaí, nas proximidades da capital, já é utilizado pela Apple para estocar os seus produtos importados, quando chegam da Ásia. Além de outros três condomínios em preparação, todos na região próxima a Campinas, ela está entrando em novos negócios. A empresa começou a comercializar um loteamento industrial em Sumaré, para que fábricas sejam instaladas lá, e ainda iniciou a construção de um prédio comercial na Penha, bairro da região leste de São Paulo. Esse empreendimento foi todo vendido em três dias. “Buscamos regiões com boa demanda, mas que não estão sendo atendidas”, diz o empresário. Agora ele está se movendo também em direção a um nicho mais próximo do da Rossi Residencial. Nos últimos dois meses deste ano, a GR começará a comercializar dois prédios residenciais, que consumirão investimentos de R$ 45 milhões.
O foco são consumidores solteiros e jovens casais de famílias das classes A e B que pretendem manter o padrão de vida, morar em regiões nobres, mas com menor custo e espaço. O primeiro deles terá apartamentos de 35 metros quadrados, na Vila Madalena, em São Paulo. O segundo será construído em Cambuí, em Campinas. O pai acompanha os passos de Guilherme a cada novo empreendimento. Em uma das paredes da GR vê-se um quadro com um bilhete que traz os mandamentos para a empresa prosperar. “Qualquer negócio precisa ter contas certas e completas, funding, mercado e muita transpiração”, diz o texto, escrito à mão por João Rossi. “É um privilégio ter alguém como ele por perto”, afirma o filho. Esse acesso a conselhos também fez a diferença no percurso de Bruno Setubal, 30 anos, neto de um dos responsáveis pela ascensão do Itaú no cenário nacional e ex-prefeito de São Paulo, Olavo Setubal.
Às 17 horas da sexta-feira, 21 de outubro, diferentemente da maior parte dos jovens de sua idade, que deixavam o trabalho para voltar para casa, encontrar amigos ou ir a outra atividade de lazer, Bruno tomava um helicóptero da sede do Itaú BBA, em São Paulo, em direção a Campos do Jordão. Ele participaria do encontro anual da família, uma das controladoras de um dos maiores grupos privados do País. Nessas ocasiões são discutidos os negócios e os rumos das empresas da Itaúsa, holding do grupo que reúne, além dos negócios financeiros liderados pelo banco Itaú, companhias industriais como Itautec, Duratex e Elekeiroz. A entrada de Bruno no mundo dos negócios aconteceu justamente por um conselho familiar. Seu tio Paulo Setubal, que comandava a área industrial do grupo, sugeriu-lhe a compra de uma empresa que representava a Itautec na venda de serviços não relacionados a computadores, como gestão da infraestrutura de prédios e instalação de cabos.

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Bruno pagou, em 2006, R$ 1 milhão pelo negócio, batizando-o com o nome Vista. Hoje, a empresa fatura R$ 50 milhões por ano. Foi a partir dela que nasceu a VistaPar, a holding de investimentos de Bruno, que detém participações minoritárias na rede de pizzarias A Tal da Pizza, na revista Billboard e na empresa de produção de filmes e peças de teatro Filmland. Esta última, que ajudou a fundar, produziu o filme Qualquer gato vira-lata, que levou 1,2 milhão de pessoas aos cinemas brasileiros neste ano. O maior negócio de Bruno, no entanto, está bem longe dos segmentos pelo qual o sobrenome Setubal se tornou conhecido. Ele é um dos fundadores da Vértico, uma incorporadora e administradora de shopping centers. For-mada com outros quatro sócios, entre eles Paulo Torre, filho do construtor Walter Torre, dono da WTorre, a incorporadora foi constituída para edificar o Shopping Nações, em Bauru, no interior paulista.
Esse empreendimento já rendeu R$ 145 milhões ao caixa da companhia. É que 75% do centro comercial foi vendido, em julho deste ano, para a Aliansce, uma das cinco maiores administradoras de shopping centers do País. A Vértico inicia agora um ciclo de investimentos de quase R$ 500 milhões na construção de cinco novos centros comerciais. Os recursos, mais uma vez, serão alocados em cidades menores, com população entre 100 mil e 300 mil habitantes, como Cotia (SP), Limeira (SP), Três Lagoas (MS), Araguaína (TO) e Sinop (MT). O bom andamento do empreendimento fez com que a WTorre comprasse 70% da empresa em setembro deste ano, por um valor não revelado. A Vértico, agora, se transforma no braço da companhia de Walter Torre no segmento shopping centers. “Encontro constantemente com o meu tio Roberto Setubal, para falar de finanças e mercado, e com o Paulo, para falar sobre empreendedorismo e a área industrial”, diz Bruno.
Mas nem sempre a família está 100% ao lado do filho empreendedor. A história do empresário capixaba Marcus Buaiz, 32 anos, ilustra bem que para vencer na vida não basta ter um sobrenome famoso. “Às vezes, isso é um grande fardo”, afirma Pedro Zanni, professor da FGV, de São Paulo, e um dos autores do livro De herdeiro para herdeiro. “Sempre há uma desconfiança sobre a competência da pessoa.” Marcus é um dos herdeiros do grupo Buaiz, originário do Espírito Santo, conglomerado de empresas que reúne uma companhia alimentícia, um shopping center, uma trading e emissoras de tevê e rádio. Seu avô, Américo Buaiz, o fundador do grupo em 1943, dá nome à principal avenida de Vitória, a capital capixaba. Por aí dá para se ter uma ideia da projeção que a família dele tem no Estado. Por esse motivo, depois de concluir a pós-graduação em marketing no Rio de Janeiro, Marcus resolveu tentar a sorte em São Paulo. “Qualquer coisa que eu fizesse por lá, estaria sempre na sombra deles,” afirma.

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Atualmente, Marcus detém 10% da 9ine, empresa de marketing esportivo e de entretenimento, fundada no início de 2011 em conjunto com o jogador de futebol Ronaldo Nazário e com o grupo britânico WPP – dono da agência de publicidade Ogilvy. Com poucos meses de vida, a 9ine já conquistou clientes de peso, como GlaxoSmithKline, Duracell, Extra e Marfrinite Arenas. A agência gerencia também a carreira de diversos atletas, como Neymar, do Santos, e Lucas, do São Paulo. Mas a grande estrela da 9ine é Anderson Silva, campeão de MMA (sigla do inglês para artes marciais mistas, o antigo vale-tudo). Um ilustre desconhecido do público brasileiro até o começo deste ano, Anderson atualmente é um dos garotos-propagandas mais requisitados do País, com campanhas da rede de fast-food Burger King, da montadora Ford e da cerveja Budweiser. Para chegar a esse ponto, Marcus, que é reconhecido com um dos reis da noite paulistana por ser dono de quatro casas noturnas, teve de ralar muito.
Aos 16 anos, ele começou a estagiar na empresa da família. Fez isso contra a vontade do pai, Américo Buaiz Filho. Com 17 anos, já era gerente da rádio. Para elevar o faturamento da emissora, se associou a produtores de eventos em Vitória. “Vi que havia uma oportunidade nessa área”, diz Marcus. Foi, então, até o pai e propôs a criação de uma promotora de eventos ligada à empresa de comunicação. “Em hipótese alguma, eu não corro risco”, ouviu dele. Em vez de desanimar com a negativa de Américo, Marcus persistiu na ideia. A emissora de televisão da família retransmite a programação da Rede Record. Ele então resolveu bater na porta da concorrente, a Globo. Com o apoio da rival, fez o Vitória Pop Rock, um festival de 12 horas com astros da música brasileira, que reuniu 30 mil pessoas a céu aberto. A ousadia lhe rendeu R$ 500 mil. “Foi o meu primeiro dinheiro para viver”, afirma. Algum ressentimento do pai? “Hoje, fico feliz pelo fato de ele não ter me dado dinheiro para começar meu negócio”, diz. “Não teria conseguido tudo o que construí.”
A herdeira da Casas Bahia, Natalie Klein, 35 anos, ao contrário, recebeu um polpudo cheque de US$ 1 milhão do pai, Michel. Foi com esse dinheiro, em 1997, que ela abriu a butique NK Store, sofisticada loja de luxo em dois endereços nobres: o bairro dos Jardins, em São Paulo, e em Ipanema, no Rio de Janeiro. “Depois de 14 anos, se for contabilizar, saiu barato”, afirma Natalie. “Quanto custa uma mesada de uma herdeira que não faça nada?” Não demorou muito para Natalie andar com as próprias pernas. Dois anos depois de aberta, a NK já dava lucro. “Consegui unir duas paixões: moda e varejo.” Apesar disso, nunca se interessou em atuar na Casas Bahia. Uma das poucas ocasiões em que “trabalhou” na empresa da família foi aos setes anos de idade, quando contracenou com o Rei Pelé, em uma campanha publicitária da rede. “E não foi remunerado”, brinca. Hoje, a NK Store vende 70 mil peças por ano, de estilistas famosos como Stella McCartney, filha do beatle Paul McCartney, e Marc Jacobs. Além disso, ela tem uma linha própria, batizada de Talie (seu apelido), que é vendida em 70 pontos de venda pelo País.

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Um dos motivos pelos quais alguns herdeiros resolvem trilhar o próprio caminho pode ser explicado pela dificuldade de sucessão na terceira ou quarta geração. “Nessa época, podem existir até 20 núcleos familiares”, afirma Wagner Teixeira, sócio da consultoria de sucessão familiar Höft, de São Paulo. Nesse caso, não resta muita alternativa a não ser criar o seu negócio. Caio Auriemo, fundador da Dasa, a maior empresa de diagnósticos do Brasil, viu seus quatro filhos seguir a carreira de empresários. Isso aconteceu antes mesmo de a família abrir o capital da empresa, em 2004, e se desfazer, cinco anos depois, de todas as suas ações. A única filha, Adriana, trouxe ao Brasil a rede de franquias americana da Nutty Bavarian, que vende castanhas. Renato e Guilherme são sócios na construtora RMA Engenharia. Já Ricardo, 38 anos, o mais velho deles, possui uma empresa de software voltada à área de saúde, a Touch Health. “Hoje, todos nós fazemos o que gostamos”, diz Ricardo. Apesar de criar o próprio negócio, Ricardo passou a última década cuidando dos sistemas de tecnologia da Dasa, realizando as integrações com os laboratórios que ela foi adquirindo no período.
“A Dasa cresceu mais de 20 vezes nesses dez anos”, afirma Ricardo. “Ela acabou sugando muito dos recursos da Touch.” Segundo ele, só agora a empresa começa a se estruturar para oferecer serviços para outros clientes. A carreira solo dos jovens bem-nascidos, como Marcos Amaro, Bruno Setubal, Marcus Buaiz, Natalie Klein, Guilherme Rossi e Ricardo Auriemo, parece fácil, mas não é. A despeito da vontade de empreender, das boas conexões fornecidas pelo sobrenome, que frequentemente aplainam o desenvolvimento de seus empreendimentos, o caminho da realização pessoal dos herdeiros de famílias bem situadas no mundo empresarial costuma ser pavimentado de desafios. O de, no mínimo, ser tão craque quanto o pai ou avô é um deles. Talvez seja mesmo o maior, ou pelo menos o que gera mais cobranças. “Para um herdeiro empreendedor, existe um peso psicológico, no sentido de que ele não pode dar errado”, afirma Teixeira, da Höft. Para entender essa pressão, basta imaginar o que acontecerá se o filho de Steve Jobs resolver atuar no ramo de tecnologia. No mínimo, exigirão que seja tão brilhante quanto o pai.

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