Dois mil e dez foi um ano dourado para a Netflix. Era preciso conteúdo para a guerra desengatilhada entre Apple e Google pela sua TV. Independente do lado, a Netflix tinha vantagem – os acordos com estúdios tornaram o serviço mandatário no AppleTV ou no GoogleTV. Resultado: no ano passado, as ações da empresa mais que triplicaram, fechando perto dos US$ 175.
Com céu de brigadeiro à frente, a Netflix teria apenas que manter seu curso em dois mil e onze. Até julho, foi o que aconteceu – ações se aproximaram dos US$ 300, seis vezes o valor de janeiro de 2010. Reed Hastings, o fundador e CEO, provava que não tinha sido eleito executivo do ano pela Fortune à toa. Ali terminou a lua de mel. Em 12 de julho, a reformulação dos planos, tornando mais cara a entrega de DVDs em casa, começa o “escorregador acionário” da Netflix.
Em setembro, a Starz, que representa os estúdios Walt Disney Pictures e Sony Pictures, anunciou que não continuaria a exibir seus filmes pelo serviço, mesmo com uma proposta de renovação dez vezes mais valiosa (US$ 300 milhões anuais contra os atuais US$ 30 milhões).
Hastings já tinha classificado o acordo com a Starz como um dos mais importantes da Netflix por permitir a veiculação de filmes recentes – quem é cliente sabe que a especialidade são obras em catálogo. Sem a Starz, as ações caíram 9% e a Netflix diminuiu em 1 milhão o número de novos clientes que esperava ter. A desconfiança se instaura entre os acionistas.
A resposta da Netflix veio em duas frentes.
Primeiro, a expansão para além dos Estados Unidos e Canadá. Hastings veio ao Brasil para lançar o serviço e defender que o país teria papel de destaque na expansão latino-americana. Com um ar de tranquilidade, o americano admitiu ao Tecneira que a Starz era importante, mas afirmou que poderia negociar diretamente com os estúdios. Nesta semana, veio a confirmação que Reino Unido e Irlanda também teriam o streaming.
Segundo (e mais importante), a divisão da Netflix em duas empresas – uma para streaming de vídeos e uma nova, chamada Qwikster, que distribuiria DVDs. A estratégia era separar o negócio que tinha consagrado a empresa para deixá-lo secar aos pouquinhos longe do streaming, responsável pelo resultado impressionante em 2010. O mercado reagiu tão mal que Hastings foi obrigado a cancelar o plano menos de um mês depois – restou à Qwikster um lugar na galeria de piores lançamentos de produto da história.
O pior veio nesta semana: só no terceiro trimestre, 800 mil clientes desistiram da Netflix. É pouco menos do que a empresa espera ter de novos clientes no Brasil no dobro de tempo. É uma conta que não fecha. Por isto, as ações caíram 34,9% em um só dia. Com a queda livre, a luz vermelha acendeu de vez. Dos US$ 15 bilhões que valia em julho, a Netflix encolheu para menos de um terço disto (US$ 4 bilhões) em 100 dias.
A Netflix é vítima do seu próprio sucesso. Ao fechar o primeiro acordo com a Starz em 2008, o mercado de vídeo on-demand era uma incógnita. Recém-inaugurado, o Hulu não tinha se mostrado o sucesso que é hoje. O YouTube ainda era voltado a conteúdo amador, personificado por seu lema “Broadcast yourself”. A Amazon ainda não apostava todas suas fichas na estratégia de vender conteúdo digital – ponta de lança do plano, o Kindle engatinhava.
Hoje, está claro que a Netflix não é a única opção. Além da concorrência maior, os custos também cresceram – em 2012, a empresa pagará quase US$ 2 bilhões para licenciar filmes e séries, contra US$ 180 milhões em 2010, segundo projeção da Wedbush Securities. É preciso também investir e ter caixa para inaugurar operações internacionais que não se pagarão logo de cara. Some a total falta de habilidade de Hastings de conduzir a questão Qwikster e você terá a implosão pública de uma das queridinhas online de 2010.
Na The Atlantic, Daniel Indiviglio defende astutamente que a reação de Wall Street é exagerada. Mas acionistas tendem a ser implacáveis: com os resultados péssimos dos últimos 100 dias, a cadeira do sereno Hastings como CEO da Netflix está pelando.
Fonte: Época Negócios
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