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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Presidente da Interfarma defende projeto nacional em inovação; Brasil detém 1,8% das pesquisas clínicas e está aquém do potencial

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Jornalista, o gaúcho Antônio Britto se tornou um rosto nacionalmente conhecido como repórter de política na Rede Globo, em Brasília, e pelo trabalho como secretário de imprensa do presidente Tancredo Neves, o primeiro presidente civil a assumir o comando do País depois da ditadura militar. Coube a Britto a tarefa de transmitir os boletins médicos sobre o estado de saúde do presidente e fazer o anúncio de seu falecimento. Depois disso, Britto se aventurou pelo mundo da política: se filiou ao PMDB, foi eleito deputado federal nas eleições de 1986, participou da elaboração da Constituição de 1988 e presidiu a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática nos anos de 1990 e 1991. Foi ministro da Previdência Social do governo Itamar Franco, entre outubro de 1992 e dezembro de 1993, e governou o Rio Grande do Sul entre 1995 e 1999.

Abandonou a política no começo dos anos 2000 para entrar na vida empresarial. Foi diretor da Azaléia e ocupou vários cargos na empresa de telefonia Claro. Desde maio de 2009, é presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, a Interfarma, entidade fundada em 1990 e que reúne 35 laboratórios farmacêuticos instalados no Brasil e que fazem atividade de pesquisa e desenvolvimento. Agora, Britto é porta-voz de um grupo de empresas que representa 55,1% do faturamento do segmento farmacêutico, o equivalente a R$ 18,5 milhões, e que investiu R$ 251,9 milhões em P&D em 2009. Essas empresas geram mais de 23 mil empregos diretos, de acordo com levantamento da própria Interfarma junto a 26 empresas que responderam a um questionário enviado pela associação para traçar um perfil das suas associadas em 2009. O estudo mostra que houve um aumento de 16,29% nos investimentos em P&D dessas empresas entre 2008 e 2009; e um crescimento de 9,92% no número de empregados, sendo que 61,51% deles têm formação superior completa.

Na entrevista concedida a Janaína Simões no dia 25 de novembro, em seu escritório no bairro de Chácara Santo Antônio, na capital paulista, Britto defende um projeto nacional para fármacos e medicamentos que dialogue com o que é feito no mundo. Reconhece o avanço no fomento às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, mas ressalta que o País está caminhando em velocidade abaixo do desejável e que as mudanças não estão à altura do que representa o Brasil em termos de mercado e produção de conhecimento científico no setor. O País tem uma participação de apenas 1,8% nas pesquisas clínicas feitas no mundo, revela. Há uma ideia geral de que aqui não se faz pesquisa e desenvolvimento avançados em fármacos e medicamentos. Qual é o perfil da atividade de P&D feita pelos laboratórios associados à Interfarma?
Historicamente, o Brasil não era visto como prioritário para sediar pesquisas que buscassem realmente inovação, novas moléculas e drogas. Essa percepção mudou muito nos últimos dez anos. O Brasil dispõe de ilhas de excelência em saúde humana, alinhadas com o que há de melhor no mundo, e isso é reconhecido mundialmente na indústria. Além disso, o Brasil como um todo se qualificou: é um país estável, cuja economia cresce, respeita as regras. Nosso principal foco, hoje, nas discussões com o governo, é saber se o País quer ou não aproveitar essas condições que construiu. Na nossa avaliação, o que o Brasil recebe hoje, especialmente de [projetos de] pesquisa clínica, não é condizente com o seu potencial.

Por que isso ocorre?
Não temos uma postura pró-ativa, agressiva e ambiciosa de dizer "eu quero buscar". O Brasil é mais "recebedor" e menos "buscador" [de inovação]. Países como Cingapura, Coreia e Irlanda transformaram a busca pela inovação em esporte nacional. Têm um projeto, um escritório, instrumentos e têm, acima de tudo, atitude. Em congressos médicos e de saúde humana, sempre há um estande da Coreia, da Irlanda... Atitudes como essa o Brasil não tem. O segundo problema é a burocracia para pesquisa no Brasil — os entraves burocráticos, os processos, os prazos —, absolutamente diferente do que existe no resto do mundo. Não discuto nem se são bons ou ruins, o que quero dizer é que no resto do mundo não é assim. Estamos discutindo de forma muito construtiva com a Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa], com o governo brasileiro, com a equipe da nova presidente. O Brasil pode mais em matéria de pesquisa do que vem tendo. Nossa proposta é que a presidente Dilma [Rousseff] transforme essa busca por inovação, em saúde humana, em um programa consistente de governo, e que a gente consiga dizer que quem cuida de inovação é essa sala aqui, com essa pessoa aqui, e que temos tais instrumentos para atrair investimentos.

Mas teremos no Brasil projetos e investimentos em P&D no nível feito pelos grandes laboratórios internacionais em países desenvolvidos?
Acabei de ler um relatório sobre o levantamento das atividades de P&D em 2010 do setor [o relatório é da Federação Latino-Americana da Indústria Farmacêutica – Fifarma – Nota da E.]. O documento diz que o gasto total em pesquisa clínica por ano no mundo será de US$ 46 bilhões. Temos 105.378 pesquisas clínicas em andamento; 5.619 delas são feitas em países da América Latina e 1.928 no Brasil. Há uma desproporção entre o que o Brasil é como mercado, como ciência e o que estamos aproveitando. Nossa capacidade intelectual, científica em saúde humana instalada é maior do que seu uso. As empresas estão dedicando, em média, de 12% a 20% do seu faturamento em pesquisa. Grandes empresas mundiais têm orçamentos para pesquisa da ordem de US$ 4 bilhões a US$ 7 bilhões por ano. O orçamento para P&D dessas empresas é várias vezes maior do que todo o orçamento de algumas empresas nacionais. Isso eu digo para elogiar o esforço que algumas companhias fazem em pesquisa no Brasil. Essas empresas estão percebendo que produzir medicamento básico e genérico é bom, mas não é aí que está o futuro. Ele está na inovação, especialmente em produtos biológicos. Respeito muito o esforço que está sendo feito pelas empresas nacionais.

Falando da disparidade entre mercado, produção científica e inovação, por que não temos uma maior interação entre universidades e empresas?
Isso é típico do momento que estamos vivendo. Nossa capacidade cresceu, agora vamos buscar a pesquisa. Temos um problema burocrático, a que já me referi, mas há, também, um mal entendido no Brasil. Há pessoas dos setores acadêmicos e governamental que confundem projeto nacional em inovação com projeto nacional isolado e autônomo. O Brasil precisa ter um projeto em inovação em saúde humana, precisa produzir pesquisa, ter laboratórios. Ninguém discorda disso, mas a questão é querer fazer esse projeto apenas no e com o Brasil, tentar fazer um tipo de feudo científico, como se determinada área pudesse ser tocada apenas no Brasil. Isso não existe, esse isolacionismo, essa ideia de ciência autônoma é contrariada pela internet, pelo fato de a ciência hoje ser multicêntrica. Temos algumas pessoas olhando para trás, com o espírito de auto-suficiência que vimos nos anos 50, confundindo a necessidade de um projeto nacional com a ideia de que pegaremos determinada doença e o Brasil, sozinho, vai pesquisar, desenvolver e produzir medicamento para ela. Isso não existe.

Mas Índia e China, por exemplo, adotam estratégias de atrair investimento estrangeiro em P&D? Não focam o desenvolvimento endógeno?
Não existe desenvolvimento endógeno em lugar nenhum do mundo. Isso é pensar que todo o conhecimento sobre um assunto será apropriado só por um país. O Brasil não deve olhar com inveja para Índia ou China, porque são modelos com algumas premissas políticas, institucionais e jurídicas que eu, como cidadão, não gostaria de ver aplicadas no Brasil. Índia, China, Cingapura, Coréia, Irlanda transformaram a busca por inovação em esporte nacional. Essa obsessão por inovação faz falta ao Brasil. Como o mercado interno é muito grande, o Brasil acha mais fácil trabalhar para ele. E como as commodities estão indo bem, inovação fica sendo algo para cuidarmos mais para frente. Só que inovação é jogo do presente, não do futuro.

O senhor citou os genéricos e medicamentos básicos. Os genéricos podem alavancar atividades de P&D mais avançadas?
Os genéricos criaram uma oportunidade para que as empresas, e não só nacionais, fizessem faturamentos extraordinários e, portanto, ampliassem suas condições financeiras para entrar na pesquisa. Só que os volumes financeiros e tecnológicos envolvidos em pesquisa, mundialmente, são cada vez mais gigantescos. O desenvolvimento de uma nova molécula, do início até estar posta no mercado, leva cerca de 12 anos. Ao longo desse ciclo, para cada 10 mil moléculas que começam a ser pesquisadas, uma vira remédio. E o custo é da ordem de US$ 850 milhões para cada medicamento novo, considerando as moléculas que não chegam a ser transformadas em medicamento. É um jogo extremamente caro, que necessita de um conjunto sofisticado de aportes tecnológicos, dada a complexidade das doenças e das ciências. A forma de o Brasil superar esse gap é fazer uma política soberana, ativa e sensata, de integração do Brasil no esforço mundial, procurando trazer para cá o máximo de etapas, escalas e ganhos. Mas não dá para fazer um projeto bem-sucedido se ele não dialogar com os projetos em andamento no mundo, sob a pena de a gente proclamar a República Independente do Brasil em termos científicos.

Fitoterápicos é um nicho para o País?
É um nicho, mas o governo precisa definir o que quer. Se quiser entrar em uma competição mundial em inovação com base em algum tipo de insumo que o País tem em maior volume que os demais ou que só tem aqui, é preciso tomar um caminho. Existe regulamentação que facilite e permita isso? Não. Existe um projeto sólido, tocado como esporte nacional, como eu afirmei antes? Não. Então, se tornam iniciativas mais retóricas do que concretas. Muitas coisas sérias estão sendo feitas, mas, de novo, é muito menos do que poderia ser feito se isso fosse assumido como um projeto nacional.

Mas a política industrial (PDP) e o plano de ação em ciência, tecnologia e inovação (PAC C&T) não colocam esse setor como estratégico, não se traduzem em um projeto nacional para o setor?
O Brasil tem avançado em matéria de C&T, os instrumentos de financiamento e o volume de recursos aplicados são melhores do que nunca. Se o Brasil disputar uma corrida com o Brasil, está ganhando, porque o Brasil está melhor hoje do que jamais esteve. Só que em tecnologia a gente disputa com os outros. Não conseguimos consolidar ainda as diversas partes da cadeia de inovação. Há maior integração da universidade a esse esforço, começou a melhorar a integração da universidade com a empresa privada. São acontecimentos que nos permitem dizer que estamos melhorando, mas ainda insuficientes para dizer que o Brasil virou jogador mundial.

Como o interesse de laboratórios estrangeiros pela aquisição de empresas nacionais pode impactar esse esforço inovador recente da indústria no Brasil?
O Brasil faz parte desse jogo mundial. É natural que exista um enorme interesse pelo mercado, pela ciência e pelas empresas brasileiras. É mais uma comprovação de que estamos avançando, mas deve servir para alertar quem pensa sobre esse assunto a respeito da necessidade de termos um projeto nacional. E não podemos cometer o equívoco de fazer um projeto nacional isolado, autônomo, que não dialoga com o projeto mundial. Estamos no mundo, para quem não sabe...

A medida provisória 495, já aprovada e aguardando sanção presidencial, é importante em que sentido para o setor?
Todos os países do mundo procuram incentivar a geração de conhecimento e produção no próprio país. Considero esse tipo de esforço natural, desde que respeite as regras jurídicas. Porém, a experiência prática mostra que é possível internalizar a produção de medicamentos básicos e vacinas com muito mais facilidade do que de medicamentos complexos. A escala dos complexos, do ponto de vista financeiro e tecnológico, é infinitamente maior. Temos de ficar orgulhosos, o País consegue internacionalizar conhecimento e produção em medicamentos básicos e vacinas, mas temos de ficar atentos ao fato de que o País não tem uma política clara e bem-sucedida para jogar o jogo mais complexo.

A MP 495 não ajuda em relação ao incentivo à P&D de medicamentos complexos?
Ajuda, mas ninguém se engane, ninguém gera tecnologia por medida provisória.

Mas o uso do poder de compra do Estado é um pedido dos empresários...
As empresas nacionais estão fazendo um trabalho muito bom para competir em medicamentos básicos e vacinas. Por outro lado, é preciso tomar cuidado porque a MP não fala em empresas nacionais, mas em produção no Brasil. E grande parte da indústria mundial está produzindo no Brasil ou querendo produzir no Brasil. Claro que a MP ajuda, mas, com ou sem, não será ela que vai transformar o Brasil num país que altera números como esses que mostram que, de 105 mil estudos clínicos, só 1,9 mil são feitos no Brasil.

Faltam recursos humanos no País para P&D em fármacos e medicamentos, como parece estar acontecendo em outros setores?
Não. O setor é altamente empregador de pessoas com nível muito elevado de qualificação profissional e acadêmica. Observamos nas conversas com os presidentes de empresas a satisfação com a qualidade do profissional brasileiro. Tanto que temos sido exportador de pessoas.

E o registro de propriedade intelectual, é um gargalo para as empresas no Brasil? Atrapalha os investimentos em P&D?
O Brasil é percebido como país estável, com regras civilizadas, em que os governos não cometem arbitrariedades e respeitam a Constituição, mas com burocracia extremamente complicada. Se olharmos o INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial], e perguntarmos para as empresas sobre a qualificação das pessoas, sobre o respeito à legislação do próprio país, não há nem tem como haver críticas. Agora se perguntarmos, até para o pessoal do INPI, se há condições de o Brasil enfrentar um boom de pedidos de patentes, a resposta é não. E isso volta ao meu ponto inicial: se quisermos transformar inovação em fármacos e medicamentos em um esporte nacional, temos de colocar mais gente no INPI, temos de revisar os processos, acabar com retrabalhos.

Há um diagnóstico no governo de que faltou engajamento dos empresários em P&D e inovação, daí o Brasil não atingir a meta de investimento em P&D em relação ao PIB [Produto Interno Bruto] pretendida pela política industrial e pelo plano de ação de C&T&I. Concorda com esse diagnóstico?
Quando digo que inovação não é um esporte nacional, isso vale para os setores público e privado. A iniciativa privada tem parte da responsabilidade, sim. Mas também é verdade que as empresas que querem apostar fortemente na inovação enfrentam muitas dificuldades, por mais que o País tenha melhorado e tenha criado ou aprimorado instrumentos. O ambiente não é favorável. Negar que o Brasil avançou é uma estupidez. Agora, pensar que, com esse avanço, o Brasil se senta na mesa principal, é um equívoco.

Quais são as expectativas da Interfama e suas associadas em relação ao novo governo?
Otimistas. As conversas com a equipe do novo governo revelam que há compromisso com inovação. O País é grande demais para fazer repetição, precisa produzir inovação. A gente vê esse comprometimento e vê conhecimento do governo sobre onde estão os gargalos, até porque parte dos gargalos está dentro do próprio governo.

Fonte: Inovação Unicamp

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