Reportagem de VEJA conversou com Dennis Frenchman, um dos maiores especialistas em urbanismo do Instituto de Tecnologia de Massachusets, sobre como transformar bairros carentes em lugares melhores para se viver
Aos 63 anos, o arquiteto Dennis Frenchman é uma das maiores autoridades na área de planejamento urbano e transformação de cidades do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). O arquiteto é mestre em planejamento urbano e carrega o título de professor Leventhal de Design Urbano e Planejamento no MIT, uma tradicional cadeira que confere ao titular acesso aos mais variados recursos de pesquisa em uma das maiores instituições científicas do mundo.
Frenchman já deu aulas na Ásia, na Europa e na América do Sul e também serviu como conselheiro do presidente do Banco Mundial na área de habitabilidade urbana. Em projetos de grande escala, revitalizou áreas de cidades como Seul, Pequim e Zaragoza, na Espanha, com a criação de verdadeiros centros de tecnologia e inovação. Seu mais recente projeto é transformar uma área industrial no México, que será anunciada em janeiro de 2012, em uma espécie de MIT: aproveitando a arquitetura da região, o velho centro da cidade vai receber instituições de pesquisa, escolas, casas e novas empresas.
O arquiteto acredita que a preparação de regiões carentes para o século que se inicia passa pela necessidade de fazer com que as pessoas se sintam parte da cidade. Isso e muita tecnologia. “O século XXI será dominado por postos de trabalho que dependem da internet”, disse. O especialista conversou com a reportagem de VEJA sobre as lições aprendidas na revitalização de cidades e apontou caminhos que podem ajudar a transformar as regiões carentes do Brasil em áreas vibrantes e geradoras de inovação.
Quais as principais lições que o senhor aprendeu ao transformar tantas cidades diferentes ao redor do mundo? A principal lição é que devemos ser humildes. Não precisamos perder tempo reinventando as coisas para que o futuro seja melhor. As cidades são organismos duradouros, existirão por muito mais tempo que qualquer geração de seres humanos. Temos a responsabilidade de olhar para frente, desenvolvendo soluções inovadoras e inteligentes, mas sobretudo para trás. Quanto mais entendemos o passado, melhor sabemos o que devemos fazer para melhorar a vida nas cidades.
O que se aprende olhando para o passado? A sustentabilidade, por exemplo, é uma grande questão para o futuro das cidades e da humanidade. Nossos antepassados lidavam com o clima de uma forma mais criativa do que nós. Hoje, construímos em qualquer tipo de terreno, sob as condições mais adversas, algo que seria praticamente impossível há 200 anos. Para superar essas dificuldades, usamos a tecnologia. Um exemplo é o ar condicionado. Não importa se a região é quente demais ou se a construção não tem em mente a ventilação de todo o ambiente: coloca-se um ar condicionado e estamos resolvidos. Pagamos um preço alto com a tecnologia. No passado, os construtores tinham que projetar a cidade da maneira mais confortável possível. Isso trouxe todo tipo de inovação, da forma como os prédios são distribuídos em determinada área até a disposição dos cômodos para facilitar a circulação de ar.
Um dos maiores problemas de moradia no Brasil é a ocupação caótica e a falta de infraestrutura. Que alternativas existem para melhorar a vida dessas pessoas? Quando estive no Banco Mundial, houve uma série de políticas diferentes para tentar combater o problema da ocupação desordenada. Primeiro, acreditavam que o melhor a se fazer era retirar as famílias de onde elas moravam para então colocá-las em habitações melhores. Isso não adiantou, porque não é possível construir casas suficientes e a medida destrói famílias e laços sociais. Mais problemas nasceram dessa política. Depois disso, passaram a investir em saneamento básico, mas só isso não adiantou também. O que tem funcionado é estimular as pessoas a se apropriar do território onde moram. Fazer com que elas se sintam parte da cidade e não de um bairro abandonado.
Como isso pode ser feito? A construção de espaços públicos magníficos bem no meio de favelas tem tido efeito muito positivo. Escolas lindas, bibliotecas bem equipadas e centros de inovação, por exemplo. Nada muito grande, apenas construído com cuidado e apresentado de maneira especial. De repente, os moradores percebem que elas fazem parte da sociedade. Isso reduz a criminalidade, aumenta a autoestima das pessoas e promove o desenvolvimento natural da região. É uma combinação entre melhoria de infraestrutura e a inclusão de serviços sociais de qualidade. Acredito que esse é o caminho a seguir.
Muita gente ainda viaja longas distâncias da periferia — onde os imóveis são mais baratos — ao trabalho. Como resolver esse problema? Temos que repensar o modelo de distribuição das cidades. É preciso trazer os empregos para onde as pessoas vivem. A boa notícia é que grande parte dos postos de trabalho do século XXI não vai estar em grandes parques industriais, longe das regiões residenciais. Há um novo modelo surgindo na esteira da revolução tecnológica.
Como funciona esse modelo? Em termos de espaço físico, não será preciso muita coisa para a formação de empresas no século XXI. Pense no Google ou Facebook, por exemplo, ou qualquer negócio centrado na internet. A Amazon é a maior livraria do mundo e não possui uma loja física. As pessoas estão começando a perceber que elas podem trabalhar de qualquer lugar, inclusive de casa, desde que estejam conectadas. Estão surgindo cada vez mais empresas que conseguem gerar valor em uma série de aplicações baseadas na internet. Os funcionários ainda se reúnem em espaços de trabalho por causa da necessidade de interação social, mas há muitas equipes trabalhando à distância em projetos de cooperação. Esse modelo desfaz a necessidade de percorrer longas distâncias para estar no trabalho e traz esses espaços para mais perto de onde as pessoas moram.
De que modo as regiões carentes podem aproveitar esse modelo? Na Índia, por exemplo, existe uma gigantesca quantidade de celulares novos ativados todos os meses: 15 milhões. Os celulares estão servindo de porta de entrada à economia. Eles estão permitindo o surgimento de oportunidades maravilhosas de negócio em áreas carentes. Deixe-me dar um exemplo. Um empreendedor indiano, percebendo que o sinal de celular no seu bairro era ruim, criou um repetidor de ondas da rede móvel por 100 dólares. O aparelho pode ser colocado em qualquer lugar e está sendo vendido aos montes. Outra empresa criada dentro de uma favela na Índia oferece um serviço de mensagens de texto para assinantes por alguns centavos por mês. As mensagens têm informações relevantes para a vida diária dos moradores. Por exemplo, se o poço de água está ativado ou se chegou algum caminhão com cestas básicas. As pessoas estão encontrando formas de gerar postos de trabalho dentro dos próprios bairros utilizando as novas tecnologias.
A geração de negócios com recursos tecnológicos exige um certo nível de escolaridade e capacitação técnica. Como levar isso às áreas mais necessitadas? É verdade que será necessário um conhecimento básico de programação, internet e da tecnologia que se deseja dominar. Isso, contudo, faz parte da política de transformação desses espaços, com escolas e centros de inovação. Essa alternativa ganha proporção ainda maior quando pensamos que, no fim das contas, todos os celulares serão como computadores de bolso em um futuro muito próximo. Todas as pessoas estarão conectadas e as oportunidades são ilimitadas, para qualquer um. Além disso, construir empresas em volta de tecnologias conectadas é inacreditavelmente mais barato do que, por exemplo, construir uma avenida. O Banco Mundial deveria investir na duplicação de rodovias ou trazer serviços sociais, internet e celulares para as comunidades carentes? O caminho parece claro.
Fonte: Veja
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