Nos últimos nove anos, o executivo Marcelo Ferreira ocupou a maior sala do edifício Demini, no elegante bairro de Alphaville, em Barueri, na Grande São Paulo. A cadeira de seu escritório era a de espaldar mais alto, o telefone, o mais moderno, e o carro, cedido pela empresa, sempre o modelo mais atual. Ferreira conhece os mais estrelados restaurantes da Europa, onde degustou os melhores vinhos ao lado de nomes como o francês Zinedine Zidane, o argentino Lionel Messi e o brasileiro Kaká, astros mundiais do futebol.
Ele acompanhou in loco as Copas do Mundo de 2002, no Japão e na Coreia do Sul, e a de 2006, na Alemanha. Perdeu a conta das vezes em que esteve em um estádio para assistir a embates futebolísticos fenomenais, como o clássico espanhol Barcelona versus Real Madrid. “É difícil desapegar do status, do poder e do endereço corporativo”, diz Ferreira. Ele sabe do que está falando. Já em contagem regressiva, Ferreira deixará, em julho, a presidência da subsidiária brasileira da Adidas.
A decisão de sair, porém, foi tomada no início de 2010, depois de uma conversa informal com um amigo que, por acaso, também é headhunter. “Ele me perguntou se eu estava preparado para mudar de emprego e me alertou para alguns fatos que eu não estava considerando”, lembra Ferreira. Entre esses fatos estava a longa trajetória de Ferreira à frente da Adidas. Desde o começo da década na companhia, ele era o mais longevo presidente entre todas as 170 subsidiárias da marca de roupas e material esportivo espalhadas pelo mundo.
Tão prolongada permanência numa mesma posição de comando, é algo cada vez mais incomum, não só para a Adidas como para o mundo corporativo dos dias de hoje. Ferreira passou semanas refletindo sobre a pergunta de seu consultor informal. “Só então me dei conta de que eu não tinha sequer um currículo pronto”, afirma. “Passei nove anos entrevistando candidatos a emprego, mas não saberia como me comportar se eu fosse o entrevistado.” Diante dessa constatação, ele resolveu contratar um headhunter e recorrer à terapia para dar início ao que ele chama de processo de “desapego”.
O relato franco de Ferreira é um retrato fiel dos dramas pelos quais passam os executivos brasileiros que chegaram ao topo da carreira e se transformaram em presidentes de grandes companhias. Lá do alto, a vista pode ser prazerosa e gratificante, em termos pessoais, profissionais e financeiros. Mas como saber que é hora de descer da montanha para a planície? Quais são os sinais de que o seu prazo de validade no comando chegou ao fim?
Depois de uma bem-sucedida carreira, como admitir que é hora de partir para uma nova aventura, muitas vezes em uma companhia menor? Não se trata de uma decisão fácil. Muitas vezes, esse processo é doloroso, solitário e deixa feridas. Infelizmente, é algo cada vez mais comum. Nos últimos tempos, esse movimento cresceu, fazendo com que o mundo corporativo brasileiro assista a uma frenética dança das cadeiras no primeiro escalão das companhias de intensidade poucas vezes vista. O índice de rotatividade dos CEOs no Brasil foi de 16,8% no ano passado, taxa superior à média global, de 11,6%, segundo pesquisa realizada pela consultoria Booz & Company no ano passado com 2,5 mil empresas globais de capital aberto e faturamento superior a US$ 2,8 bilhões.
Uma das constatações da pesquisa, feita há 11 anos pela consultoria, deve ser lida com especial atenção por quem tem o título de presidente no cartão corporativo: o tempo médio de permanência na função caiu de 7,1 anos, em 2000, para 4,3 anos em 2010. “Hoje os acionistas têm menos paciência para o insucesso”, diz Arthur Vasconcellos, da CTPartners, consultor encarregado de encontrar o substituto para o executivo Roger Agnelli, que estava havia dez anos à frente da presidência da Vale. O próprio Vasconcellos ressalva: não são só os acionistas que têm menos paciência com os CEOs. Eles também estão cada vez menos dispostos a pagar qualquer preço para se manterem no topo de uma organização.
O caso mais emblemático dos últimos meses é o de Antônio Cássio dos Santos, que comandou, por 11 anos, a espanhola Mapfre Seguros no Brasil. Durante sua gestão, a operação brasileira alcançou o terceiro lugar no concorrido mercado de seguros. O faturamento anual da Mapfre passou da bagatela de US$ 100 milhões para US$ 6 bilhões. Era o caso, então, de apenas administrar o sucesso. Mas foi exatamente neste momento que Santos resolveu trocar de emprego. Ele agora é o presidente da filial da suíça Zurich, no Brasil. Aos 135 anos, a seguradora está em 170 países e ocupa a segunda e a terceira posição nos mercados americano e europeu, respectivamente. No País, no entanto, sua presença ainda é pouco representativa.
No ano passado, as receitas da operação local não chegaram a R$ 200 milhões, de acordo com estimativas do mercado. “A Zurich tem de buscar mercados em que possa sustentar sua curva de crescimento e essa sustentação está aqui”, disse Santos à DINHEIRO. Eis aí a resposta para quem ainda não entendeu por que ele deixou uma companhia que fatura US$ 6 bilhões e tem uma confortável posição no mercado brasileiro de seguros para assumir uma operação na qual onde ainda está tudo por fazer. “Conheço o meu perfil”, diz. “Sou movido a desafios.” Antes de chegar ao topo da carreira, Santos trilhou uma trajetória que começou como catador de papel nas ruas de São Paulo.
Hoje, ele tem mestrado nos Estados Unidos e pós-graduação na Espanha. O executivo pode ser considerado um típico “aventureiro” que passa meses, às vezes, anos, para chegar ao cume do Everest. “Uma vez no topo, me pergunto: há mais alguma coisa a fazer aqui? Não? Então, tchau.” Simples assim? Depende do perfil de quem empreende a escalada. O executivo Cléber Morais reza pela mesma cartilha de Santos. Morais acaba de deixar o comando da americana Avaya, uma das maiores empresas de sistemas de comunicação do mundo, para assumir a presidência da brasileira Bematech, desenvolvedora de soluções tecnológicas para o varejo. “Não vou dizer que o dinheiro não seja importante, mas garanto que o desafio pesa mais do que o salário na decisão de trocar de emprego”, afirma Morais.
Segundo ele, apenas 10% da receita de R$ 350 milhões da curitibana Bematech vem do Exterior, embora a empresa tenha boa presença no cenário global: são dois centros internacionais de pesquisa e desenvolvimento – um em Taiwan e outro nos Estados Unidos – além de escritórios de representação comercial espalhados por vários países latino-americanos. Ampliar a fatia das receitas em dólares e euros é o primeiro desafio do novo presidente da empresa. De acordo com Morais, embora seja um executivo inquieto, movido por desafios, ele se considera um profissional de perfil estável. Passou 11 anos na fabricante de computadores americana Sun e outros oito na IBM. “Às vezes, não é preciso mudar de emprego. A mesma empresa pode oferecer oportunidades diferentes”, diz. “Mas, quando não há essa opção, o melhor mesmo é sair.”
E quando o executivo precisa, mas não quer mudar? Roger Agnelli passou dez anos no comando da Vale e foi substituído por Murilo Ferreira, que sentou em sua cadeira na sexta feira 20. Sob sua gestão, a Vale tornou-se a maior empresa privada do Brasil, com sucessivos recordes de faturamento e lucro. A antiga estatal deixou de ser uma empresa local, com operações limitadas ao mercado interno, para se internacionalizar. Hoje, está presente em 28 países. Agnelli estava tão associado à mineradora que era difícil imaginar um sem o outro. “Amo a Vale”, disse o executivo, em seu último pronunciamento como presidente da mineradora.
Apesar desse desempenho e de todo o seu amor declarado pela mineradora, Agnelli perdeu o emprego pelo qual lutou com todas as forças para permanecer. Seu erro foi outro: falta de jogo de cintura e de habilidade política. Desde a crise de 2008, quando a Vale demitiu mais de mil funcionários, Agnelli entrou na mira do governo federal, que tem maioria na empresa a partir do BNDES e dos fundos de pensão estatais. Paralelamente, tomou decisões controvertidas, como encomendar navios petroleiros a estaleiros estrangeiros ou contrapor-se a projetos caros aos acionistas majoritários, como o investimento da Vale no setor siderúrgico.
Foi a partir desses episódios que o filme queimou, dando início ao processo de fritura em praça pública do executivo. Há vários indícios que indicam que chegou a hora de partir (confira quadro ao lado). O problema é que muitos executivos não conseguem enxergá-los, pois estão apegados ao cargo ou entraram em uma zona de conforto e segurança que os impede de ver o óbvio. “O sinal mais evidente é o resultado abaixo do esperado”, afirma Ivan de Souza, presidente da consultoria Booz & Company. A saída de Luiz Eduardo Falco da presidência da empresa de telefonia Oi é um caso em que esses sinais eram mais do que evidentes.
Falco, que trilhara uma carreira bem-sucedida na TAM, permaneceu dez anos na Oi – os últimos cinco na presidência – e foi responsável pela bem-sucedida estreia da operadora de telecomunicações no segmento de celulares. Nos últimos dois anos, porém, começou a perder o apoio dos controladores, a La Fonte, do empresário Carlos Jereissati, e a AG Telecom, comandada por Otávio Azevedo, do grupo Andrade Gutierrez, em razão das dificuldades encontradas no processo de fusão da Telemar com a Brasil Telecom, que deu origem à Oi. Mais: por três vezes tentou unificar as ações da empresa, hoje divididas em três companhias abertas e sete diferentes classes e espécies de ações negociadas.
Falhou em todas. No ano passado, a companhia perdeu mercado em todos os segmentos em que atua: telefonia fixa, banda larga e celular. No primeiro trimestre, teve um prejuízo de R$ 385 milhões. No mesmo período do ano passado, o lucro foi de R$ 518 milhões. O contrato de Falco venceria no final de 2011. Mas o próprio executivo resolveu abreviar a sua permanência. “A Oi começará um novo ciclo”, disse Falco, quando anunciou que deixaria o comando da operadora em julho. Francisco Valim, CEO global da empresa de informações financeiras inglesa Experian, é o principal cotado para sucedê-lo.
A movimentação acima da média no primeiro escalão de grandes companhias também está gerando dois outros fenômenos no País. O primeiro é a dificuldade que as firmas especializadas na contratação de executivos estão encontrando para substituições no alto escalão. Como consequência de uma demanda elevada e uma oferta limitada, o segundo fenômeno é a alta nos salários dos CEOs brasileiros. Segundo levantamento da consultoria Hay Group, executivos brasileiros estão entre os mais bem remunerados do mundo. Por aqui, profissionais em cargos de diretoria ou vice-presidência recebem, em média, US$ 495 mil por ano, contra cerca de US$ 405 mil pagos a seus colegas nos Estados Unidos.
No topo da pirâmide, a situação não é diferente. Presidentes de empresas no Brasil recebem, em média, US$ 1,4 milhão anual. Já seus pares americanos embolsam US$ 997 mil, de acordo com o Hay Group. “O executivo brasileiro está vivendo um momento excepcional em termos de oferta de emprego”, afirma Aline Zimermann, sócia-diretora da Fesa, empresa especializada na contratação de executivos. “Mas é preciso ter cautela para não sair devendo da atual empresa.” Aline aponta ainda dois outros reflexos imediatos do aquecimento da demanda por esse tipo de mão de obra.
Primeiro, o processo de seleção, que antes podia ser concluído em 60 ou 90 dias, agora pode chegar a 120 dias. Segundo: muitas multinacionais estão importando executivos de outras nacionalidades para preencher as vagas. O bom momento da economia brasileira e os altos salários despertaram a cobiça dos cargos de CEOs, especialmente dos executivos de países desenvolvidos, que estão em crise. O Banco Santander trocou Fábio Barbosa pelo espanhol Marcial Portela.
A própria Adidas recorreu ao argentino Fernando Basualdo para substituir Ferreira na unidade brasileira. Basualdo estava desde 2003 à frente da operação mexicana da Adidas. O espanhol Luis Miguel Gilpérez López foi o escolhido para comandar a companhia resultante da fusão da Telefônica com a Vivo. Com isso, Roberto Lima, que esteve por seis anos à frente da operadora de celular, deixará a empresa em julho. “Mais importante do que escalar o Everest é você descer vivo de lá”, disse Lima à DINHEIRO, em sua primeira entrevista após anunciar a saída do comando da Vivo.
Um bom caminho para uma descida “suave”, diz Lima, é nunca perder de vista que muito do prestígio conquistado deve-se mais ao sobrenome corporativo do que o registrado na certidão de nascimento e está estampado em seu cartão de visita. “Quando se tem isso em mente, a vida depois de presidir uma grande empresa fica bem mais fácil”, afirma Lima. Não que ele já não tenha recebido convites para assumir o comando de novas empresas. Para Lima, no entanto, a saída da Vivo abriu um amplo leque de possibilidades que antes não considerava. “Fiz palestras na FGV, estou participando de fóruns em Paris e em Nova York”, diz. “Vou refletir com calma para saber para que lado vou, depois de terminar meu compromisso na Vivo.”
A reflexão de Roberto Lima leva a outro questionamento comum a quem deixa o comando de uma empresa. Há um prazo determinado para voltar à ativa? Quantos meses um executivo pode se manter fora do mercado sem cair no esquecimento? “Você tem várias formas de estar no circuito, sem estar necessariamente à frente de uma companhia”, responde o próprio Lima. “Acho que esse prazo de carência para se recolocar é de quatro a seis meses. Depois disso, você cai no esquecimento”, afirma Ferreira, da Adidas. Ele já negocia uma nova recolocação. “Vou para um setor completamente diferente”, afirma. O executivo diz que hoje não está interessado apenas na política de remuneração de seu novo emprego.
Quer saber sobre seu grau de autonomia e a qualidade de vida que terá se assumir uma nova função. Este último item está sendo cada vez mais considerado por executivos de primeira linha na hora de se decidir por um novo emprego, ao contrário do que era praxe até há pouco. “Eles não falam, mas abrem mão da vida pessoal, da convivência com a família em nome da carreira”, diz Vasconcellos, da CTPartners. “A maioria não cuida da saúde e se recente da solidão do cargo.” O ex-presidente da Adidas traduz à perfeição o que significa o termo solidão do cargo. “É você viver rodeado de gente e ter de almoçar sozinho todos os dias.” Triste? Talvez. Porém, é um dos preços pagos por chegar ao topo. Mas quem não quer estar lá?
Fonte: Istoé Dinheiro
Fonte: Istoé Dinheiro
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