Com um investimento de R$ 5,1 bilhões, o JBS faz seu lance mais ousado na estratégia de diversificação de seus negócios e constrói a maior fábrica de celulose do mundo, em Mato Grosso do Sul.
A família do empresário goiano Joesley Batista bem que poderia se dar ao luxo de passar o resto da vida vendo o gado engordar no pasto. Afinal, eles saíram de uma pequena casa de carnes em Anápolis, interior de Goiás, aberta pelo patriarca José Batista Sobrinho, em 1953, para um império que abriga a maior empresa de proteína animal do planeta, o frigorífico JBS, com um faturamento anual de R$ 55 bilhões e 125 mil funcionários, espalhados por unidades industriais, escritórios e centros de distribuição em 20 países. Para a maioria dos mortais, construir um império como esse já seria um feito suficiente para assegurar o futuro do grupo familiar e um lugar garantido entre os grandes do mundo empresarial. Mas isso parecia pouco para os Batista, para quem já não bastava ser os reis da carne. Eles queriam mais. Discretamente, a princípio, o grupo começou um lento, mas contínuo, processo de diversificação de suas atividades, baseado, sobretudo, na aquisição de empresas de outros setores. Entraram na área de higiene e limpeza, com a marca Flora, e em negócios no segmento de couro, colágeno e lácteo, com a Vigor. Em março deste ano, compraram o Banco Matone, do Rio Grande do Sul, e estrearam no competitivo setor de varejo bancário brasileiro.
Até aqui, no entanto, nada que se comparasse ao poderio e ao peso do frigorífico. Na semana passada, porém, o clã Batista anunciou seu lance mais ousado na estratégia de diversificação. Com a confirmação de um empréstimo de R$ 2,7 bilhões aprovado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a J&F Participações Financeiras, holding que administra os negócios da família, deu o primeiro passo para entrar com tudo no concorrido setor de papel e celulose.
A partir do zero, os Batista estão erguendo em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, a maior fábrica de celulose de fibra curta do mundo, com capacidade para produzir 1,5 milhão de toneladas por ano, numa primeira etapa. Qual a lógica para estar em segmentos tão diferentes? “As oportunidades vão surgindo e a gente compra”, afirmou com exclusividade à DINHEIRO Joesley Batista, presidente da J&F e do conselho de administração do JBS. “Dizem por aí que podemos ser a Unilever brasileira. Não está errado.” Embora, aparentemente, essa diversificação não seja fruto exatamente de um planejamento rigoroso, o JBS segue, à sua maneira, os passos de outros grandes grupos empresariais brasileiros, como o Votorantim e o Odebrecht.
O primeiro, originário de ramos como o têxtil, cimento e metais, investiu pesadamente nas últimas décadas em áreas tão distintas quanto a financeira, de produção de sucos concentrados e de celulose. O grupo baiano, que teve como base a construção pesada, hoje é uma potência na petroquímica e na produção de energia. Essa nova aposta do JBS, na visão de Joesley, é uma consequência natural do investimento feito pelo grupo na plantação de eucaliptos, a partir de 2005. Nessa época, a família JBS tornou-se sócia da Florestal, também em Mato Grosso do Sul. “A floresta vai começar a produzir agora e nada mais lógico do que ter a nossa própria fábrica”, diz Joesley.Antes mesmo de a primeira máquina ser ligada – a previsão é de que a fábrica, que deve gerar mil empregos diretos e quatro mil indiretos, seja inaugurada em novembro de 2012 – o grupo já conta com uma equipe comercial prospectando clientes para a Eldorado, nome da empresa de celulose. China e Europa são os mercados para onde serão exportados pelo menos 90% da produção. Pelos cálculos de Joesley, somando os investimentos na Florestal e na Eldorado, a necessidade de recursos é da ordem de R$ 6,5 bilhões. “Além do empréstimo do BNDES, estamos investindo R$ 1 bilhão de recursos próprios e o restante virá dos fornecedores dos equipamentos.”
O anúncio da nova fábrica de celulose não chegou a surpreender o mercado. A estranheza ficou por conta do momento em que ele acontece. Na mesma semana em que os Batista comemoravam a liberação do dinheiro do BNDES, a Suzano Papel e Celulose, segunda maior produtora de celulose do País, com participação de 17,3% do mercado, anunciou o adiamento da construção de duas fábricas: uma no Maranhão e outra no Piauí. A primeira, cuja previsão era ficar pronta no primeiro semestre de 2013, foi postergada para novembro do mesmo ano.
A planta piauiense, que deveria ser inaugurada em 2014, só começará a operar em 2016. “A economia mundial está esfriando”, justificou Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano. Não é o que pensam os donos do JBS. “A economia está indo bem e a gente acha que vai continuar indo bem”, diz Joesley. Na Foex, empresa finlandesa especializada em papel e celulose e que serve como uma espécie de bolsa de valores para o mercado global, a tonelada da fibra curta (que é a produzida pelo Brasil à base de eucalipto) iniciou a década custando US$ 600 e bateu nos US$ 920 na semana passada.
Por outro lado, pelas projeções da Foex, a demanda deve apresentar declínio nos próximos meses, por conta de uma política de retração da China em resposta à elevação dos preços. “Não sei para qual economia o Joesley está olhando, porque a China continua crescendo, é verdade, mas em ritmo menor do que no pré-crise”, diz o presidente de uma grande companhia do setor, que preferiu não se identificar. “E, pior, os chineses estão pondo o pé no freio porque o preço da celulose subiu muito.” O risco de uma desaceleração do setor não parece perturbar o estrategista do JBS. “Quando compramos a Pilgrim’s, nos Estados Unidos, diziam que estávamos loucos”, afirma.
“Hoje, pouco mais de um ano depois, não encontro ninguém que diga a mesma coisa.” A família Batista terá 75% da Eldorado. Os outros 25% são do fundo MJ, do empresário Mário Celso Lopes, que também é sócio na Florestal, dona de uma reserva com 60 mil hectares de floresta de eucalipto plantada. Na Florestal, os Batista também têm como sócios os fundos de pensão dos funcionários da Petrobras, o Petros, e dos da Caixa Econômica Federal, o Funcef. Cada um deles com participação de 24,75%. A família é majoritária com uma fatia de 50,25% através do fundo de investimento Fic Fip JMF.
Joesley estima em dez anos o tempo necessário para retorno do novo investimento. Mal a fábrica saiu do papel – sem trocadilhos – o empresário já fala em expansão. “Vamos implantar a segunda linha de produção em 2016 e uma terceira em 2020.” Com essas expansões, será acrescentada a capacidade de produção de três milhões de toneladas ao projeto.
Enquanto planeja o futuro de seu novo negócio, o empresário reforça suas apostas em setores nos quais a marca Batista já está impressa. Uma semana antes da liberação do empréstimo do BNDES para a fábrica de papel
e celulose, a J&F havia comunicado a compra da divisão de higiene e beleza do grupo Bertin. Por cerca de R$ 350 milhões, a holding da família Batista acrescentou marcas importantes do segmento, como Ox, Neutrox, Phytoderm e Francis. Elas ficarão sob o guarda-chuva da Flora, que já abriga as marcas Minuano e Albany. “Com a aquisição dessas marcas, a Flora vai dobrar seu faturamento para R$ 1 bilhão”, diz Joesley.
E por que não imaginar algo ainda maior? “Acho que temos uma empresa de R$ 2 bilhões, R$ 3 bilhões, R$ 5 bilhões porque o setor existe, o mercado está aí. Enfim, não é nada audacioso pensar isso.” Ele só não estima em quanto tempo o caixa vai registrar tamanha entrada. “A gente não gosta de estabelecer prazos, porque senão vamos nos sentir pressionados”, diz. “Não gosto de trabalhar sob pressão.”
Ele tem razões de sobra para não gostar de trabalhar sob pressão. Afinal, desde os tempos em que era conhecido como Friboi, o mercado nunca deixou de pressionar o JBS. Uma pressão que pode ser traduzida pela oscilação das ações do JBS – a única empresa do grupo com papéis negociados em bolsa. De janeiro até a quinta-feira 9, eles desvalorizaram-se 23%. “Feliz com isso eu não fico”, afirma Joesley. “Mas a gente já passou por tanta crise, não é?” Os Batista são também bastante criticados por suas ligações íntimas com o BNDES. Quando o frigorífico abriu o capital na Bovespa, em junho de 2007, captou US$ 1,4 bilhão.
Depois o BNDESPar, braço de investimento do banco, arrematou o equivalente a R$ 1,1 bilhão em ações do JBS. Esse dinheiro foi utilizado para a aquisição da americana Swift, no segundo semestre de 2007. Com a compra do frigorífico australiano Tasman e dos americanos National Beef e Smithfiel Beef, em 2008, o JBS precisou fazer um aumento de capital de R$ 2,2 bilhões. Mais uma vez, foi apoiado pelo banco estatal. Na compra da americana Pilgrim’s, em setembro de 2009, mais R$ 3,4 bilhões do BNDES foram usados para concluir a negociação. “A família Batista é vítima de desconfianças infundadas na relação que eles têm com o BNDES. O banco apoia os negócios deles porque é estratégico, porque é base de exportação”, diz um executivo que já deu expediente no BNDES.” Nunca soube de nada que não fosse absolutamente dentro da política do banco.”
Procurado, o BNDES não quis dar entrevista para esta reportagem. As polêmicas envolvendo o BNDES, que ampliou de 17% para 31% sua participação no JBS, nunca paralisaram a família Batista. A compra do Banco Matone, em março, já está em vias de finalização. Segundo Joesley, o plano de negócios deve ser apresentado ao Banco Central nos próximos dias. Só falta agora arrumar a casa na Vigor, que pertencia ao grupo Bertin e foi adquirida em 2009. Do início do ano até maio passado, a companhia de lácteos do grupo perdeu seus principais executivos. O último a sair foi o presidente, Gilson Teixeira, em maio. O que se comenta no mercado é que a debandada foi motivada pela dificuldade dos Batista em lidar com uma empresa de marca e de bens de consumo e não de volume, como é caso do frigorífico. “Não temos problemas com a Vigor.
A mudança no time é normal”, afirma Joesley. “Agora que terminamos os processos de integração dos frigoríficos, vamos cuidar da empresa.” A primeira providência foi contratar o executivo Gilberto Xandó, que passou os últimos 20 anos na Sadia, para comandar a Vigor. O novo executivo terá a missão de transformá-la em uma marca nacional. Hoje, 70% da receita anual de R$ 1,5 bilhão da companhia provêm do mercado de São Paulo, segundo Joesley. A meta é replicar o modelo de operação no Sul e no Nordeste. De novo, o empresário reluta em estabelecer prazos. “É um processo para os próximos cinco anos”, diz. “Vamos preparar a empresa e, em seguida, abrir o capital.” Neste processo de reestruturação da Vigor está também a decisão de dar vida própria à companhia.
Atualmente, a empresa, que é a sexta marca no mercado brasileiro de lácteos, está pendurada na estrutura do JBS, comandado por Wesley Batista, irmão de Joesley, e responde por apenas 3% da receita total do grupo. “O Wesley vai decidir se é melhor separar a Vigor agora ou mais para a frente”, diz Joesley. “O certo é que a gente aposta na força da marca e achamos que ela pode chegar a um faturamento de R$ 5 bilhões.” Em quanto tempo? Isso Joesley prefere não dizer. “A gente faz tudo no nosso tempo e não tem ninguém mais interessado em que isso tudo aqui dê certo que a gente. Pode apostar.”
“O problema é que a gente é de Goiás”
Aos 39 anos de idade, Joesley Batista não tem hobby, não gosta de futebol e não se lembra da última vez que foi ao cinema. “Trabalho da hora que acordo até a hora de dormir”, diz ele, contabilizando uma jornada diária de 12 a 14 horas. Como presidente da J&F, holding que controla o maior processador de proteína animal do mundo, o frigorífico JBS, Joesley é o homem encarregado da expansão dos negócios da família Batista. Nesta entrevista à DINHEIRO, ele fala da entrada do grupo na fabricação de papel e celulose e diz que as desconfianças que cercam os negócios do grupo é resultado de preconceito: “O problema é que a gente não é de São Paulo. A gente é de Goiás.”
Por que entrar em celulose?
Em 2007, a gente assumiu o controle total de uma empresa produtora de eucalipto, a Florestal. Em 2009, a floresta já tinha quatro ou cinco anos e já ia dar resultado. Foi então que pensamos que era viável construir a fábrica. Achamos que a demanda vai continuar alta.
Qual é o limite para a expansão do grupo?
Alguém disse que a gente vai ser a Unilever brasileira. É nessa linha mesmo. A gente acha que vai conseguir construir uma empresa de marca, de bens de consumo, tão relevante quanto a JBS na área de carnes. Espero que todas essas empresas tenham amanhã a mesma relevância que a JBS tem hoje. O investidor que quiser entrar no grupo vai ter opção na área de carnes, laticínios, higiene, beleza e limpeza.
Mas a experiência do JBS com uma empresa de marca, a Vigor, não parece muito boa.
A Vigor é o meu menor problema, mas acho uma injustiça você fazer essa pergunta. Uma empresa que cresceu 30% no ano passado, que ganhou participação de mercado e deu lucro. Só lembrando, a gente não comprou a Vigor e não compramos o Bertin por causa da Vigor. Ela veio junto. As pessoas saíram do comando porque nós achamos que precisamos fazer mudanças lá.
E quais são os planos para essa empresa?
A Vigor é uma empresa regional. Setenta por cento da receita dela vem de São Paulo. A gente acha que tem uma tremenda oportunidade de pegar esse modelo de sucesso e replicar no Sul, no Nordeste e tornar a Vigor uma marca nacional. Hoje ela fatura R$ 1,5 bilhão. Isso só em São Paulo. Ela vai ser uma empresa nacional, a gente vai desenvolver a marca e dentro de uns cinco anos pensamos em abrir o capital. Aí entra aquele negócio de ser uma Unilever brasileira.
O sr. falou que a Vigor é o menor dos seus problemas. Qual é o maior?
O nosso grande desafio foi a integração do Bertin e da Pilgrim’s (EUA) com as nossas operações. No ano passado, focamos nisso e fizemos um monte de coisas. Resolvemos o problema com a Inalca (os Batista desfizeram o acordo de compra depois de enfrentar resistência dos italianos para indicar novos dirigentes para a empresa), resolvemos o problema das debêntures (o JBS transformou a dívida de R$ 3,5 bilhões com o BNDES em ações), trocamos a gestão da Vigor e realmente a gente não olhou muito para outras coisas. A Rigamonte, por exemplo, é líder em brazzola na Itália e a gente pouco olhou para ela no ano passado. A impressão que dá é que vocês compraram mais do que cabia no carrinho.
Não acho isso. A verdade é que a gente sempre começa pelas coisas maiores e depois vai fazendo um ajuste fino. E esse ajuste não acaba nunca. Em um ano, nós fizemos 80% do que deveria ter sido feito. Fizemos a integração de operações grandes. Coisas que eu vejo muita empresa por aí levando anos para fazer, fizemos rapidamente e benfeito. Agora, acho que o mercado deveria nos valorizar um pouco mais. Pessoas que olham de fora pensam que parece fácil. Não é.
Por que as ações do JBS têm sido castigadas?
Eu me abstenho de falar sobre a percepção do mercado porque o mercado é soberano. Nós seguimos as nossas convicções. Nós somos acionistas, aliás, somos os maiores acionistas desta empresa. Tem hora que o investidor resolve entrar, outra em que decide sair. Francamente, nunca entendi e acho que ninguém nunca vai entender. O que cabe a nós é seguir nossas convicções e continuar investindo. A gente já passou por tanta crise, né? A gente não é uma empresa que nasceu ontem. O problema é que a gente não é de São Paulo. A gente é de Goiás.
A desconfiança é fruto de preconceito ou do alto grau de endividamento da empresa?
A dívida está dentro do normal. A gente tem geração de caixa suficiente para fazer frente a ela.
Qual é o endividamento total do grupo?
Isso eu não tenho de cabeça. Tem o do JBS no balanço, mas já não é mais do que aquilo que está no balanço. Esse preconceito não é por mal. É que as pessoas são assim mesmo. A gente aqui vai continuar fazendo o que sempre fez desde criança, que é continuar trabalhando.
Fonte:
Istoé Dinheiro
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