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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Publicidade no limite da área

Pequenos consumidores, altamente interessados em brinquedos, álbuns de figurinhas, gibis, fast food e uma série de atividades de entretenimento, movimentam todos os meses milhões de reais. As mesadas – além, é claro, do que sai diretamente do bolso dos pais – representam um enorme potencial de consumo nas mãos de crianças. Mas como brigar pela preferência desses consumidores? De que maneira as marcas devem se comunicar com elas? Até que ponto é “honesto” fazer publicidade para quem não entende exatamente o que ela significa?

Estas questões vêm sendo discutidas à exaustão por publicitários, anunciantes, pais e entidades de defesa das crianças e dos adolescentes. Em termos legais, o debate tem pelo menos oito anos – um projeto de lei que propõe a proibição da publicidade para crianças está em discussão no Congresso Nacional desde 2001. Em julho do ano passado, o texto chegou a ser aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) da Casa. Mas, desde então, parlamentares de outras comissões pediram o direito de opinar sobre ele, em um processo que não tem data para acabar.

Auto-regulamentação

Segundo o código de auto-regulamentação do Conar, não devem ser veiculadas peças publicitárias que contenham apelos imperativos de consumo dirigidos às crianças e adolescentes – frases como “peça à mamãe comprar” ou “não fique fora dessa”, por exemplo. O código de ética do Conar diz ainda, entre outras coisas, que:

- Modelos

Crianças e adolescentes não devem ser usados como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo por outros menores;

- Mídia

O planejamento de mídia deve refletir as restrições técnica e eticamente pertinentes, buscando-se o máximo de adequação à mídia escolhida;

- Discriminação

São reprovados anúncios capazes de provocar qualquer tipo de discriminação e exploração de situações capazes de infundir medo às crianças;

- Características

Deve-se respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo, dando atenção às suas características psicológicas e seu discernimento limitado;

- Associação

As peças publicitárias não devem associar crianças e adolescentes a situações ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis;

- Superioridade

Não deve dar a noção de que o consumo proporcione superioridade ou inferioridade;

- Constrangimento

A publicidade não deve provocar situações de constrangimento com o propósito de incentivar o consumo.

“Esse período de incubação já nos levou a uma reflexão importante sobre o assunto. Grandes marcas já se posicionaram e muitas organizações não-governamentais surgiram e se fortaleceram no debate sobre a ética na publicidade para crianças. Mas, sem dúvida, ainda temos muito a estudar”, diz a publicitária Érika Herkenhoff, que também é professora da Universidade Positivo e organizadora do seminário “Ética na Propaganda para Crianças”, promovido ontem à noite pela instituição.

Para a publicitária, agências e anunciantes podem, e devem, ser capazes de auto-regulamentar as suas atividades, sem que estejam sujeitas a uma lei proibitiva. “Temos que achar uma maneira de fazer propaganda de uma forma decente.”

O que já existe hoje neste sentido são recomendações corporativas e um código criado pelo Conselho de Autoregulamentação Publicitária (Conar), órgão formado por representantes da sociedade e das mais diversas áreas da publicidade. Para Érika, estas iniciativas têm sido capazes de evitar abusos, e o Conar tem agido prontamente quando eles acontecem.

Esta também é a opinião do assessor da presidência da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), Stalimir Vieira, que representou a entidade no evento de ontem. Vieira argumenta que o conselho atua de forma tão eficiente que as próprias instituições que se propõem a acompanhar o tema fazem uso do Conar para tirar comerciais abusivos do ar. “Não se pode proibir a comunicação em função do mau uso que alguns fazem dela. As crianças estão sujeitas a todo o tipo de mensagem, o tempo todo, e a publicidade é apenas uma delas. Por isso, é fundamental que elas sejam educadas a desenvolver um senso crítico.”

A diretora executiva da Central de Notícias do Direito da Infância e Adolescência (Ciranda), Maria Amélia Lonardoni, questiona, no entanto, a “superfrustração” que as campanhas podem estar criando nas crianças. Maria Amélia defende a criação de um orgão regulador para a publicidade, que atue no sentido de orientar os trabalhos. “Como mãe, o que eu vejo na prática é um abuso. A publicidade poderia ser trabalhada também com cunho social e educacional, e não apenas comercial.”

Sem filtros

O Instituto Alana, uma das organizações não-governamentais do país mais atuantes na defesa do fim da publicidade para crianças, tem como um de seus argumentos as pesquisas que mostram que, pelo menos até os 8 anos, as crianças não têm nenhuma capacidade de “filtrar” argumentos publicitários. Depois, até os 12 anos, elas sabem identificar a publicidade, mas ainda não entendem a questão mercadológica envolvida nem seu caráter persuasivo.

Pesa também a favor da lei a experiência de outros países onde já existem regras bem mais severas. Na Suécia e na Noruega, por exemplo, a propaganda voltada ao público infantil é totalmente proibida. Na Grécia, a limitação ocorre para a divulgação de brinquedos. “Boas práticas de empresas em outros países já provaram que elas sobrevivem, sim, sem fazer publicidade para crianças. E isso vale para qualquer setor”, defende Amauri Escudero, membro da equipe do gabinete do deputado federal Luiz Carlos Hauly, autor do projeto de lei.

Iniciativa

Do ponto de vista de um dos grandes anunciantes do país, o diretor de assuntos corporativos da Kraft Foods Brasil, Fabio Acerbi, argumenta que o fim da publicidade pode ser um inibidor do desenvolvimento de novos produtos ou da melhoria dos atuais. “Será que as empresas vão investir em produtos diferenciados se elas não puderem comunicar isso?”

Desde 2005, a Kraft tem um conjunto de auto-restrições à sua publicidade para crianças entre 6 e 12 anos – a determinação de não criar para crianças até 6 anos é ainda mais antiga. A definição do expectador, explica Acerbi, se dá pela informação de público de cada programa oferecida pelos próprios veículos de comunicação.

Segundo o diretor, as regras adotadas no Brasil são as mesmas aplicadas pela Kraft nos Estados Unidos e em todos os demais países onde a multinacional atua. Como norma geral, os produtos precisam atender a um determinado perfil nutricional para serem anunciados. Esta restrição deixou fora do ar por quase três anos os biscoitos Trakinas – um dos principais produtos da companhia no Brasil. Para voltar aos comerciais, a fórmula precisou ficar livre de gordura trans, por exemplo. “Temos regras do que anunciar e também de como anunciar”, explica Aberbi. “Você nunca vai ver um comercial da Lacta com alguém devorando uma barra inteira de chocolate. Temos a preocupação de não estimular condutas inadequadas. De fazer uma publicidade responsável.”

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