Três décadas depois de deixar o centro da sala de música do Palácio da Alvorada, o piano de meia cauda escolhido pela arquiteta Anna Maria Niemeyer para reinar entre os móveis do cômodo voltou ao lugar original. E não apenas ele. Nos últimos anos, móveis e obras de arte perdidos foram resgatados para recompor a decoração original da residência presidencial pelas mãos dos pesquisadores da Diretoria de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal do Presidente da República. Por solicitação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a equipe passou sete anos recuperando a configuração original dos salões do Alvorada. “O trabalho começou por um levantamento de fotografias no Arquivo Nacional”, conta Cláudio Soares Rocha, diretor de documentação do gabinete do presidente. As fotografias resgatadas – parte do material estava esquecida em um canto da biblioteca do Alvorada – mostram a descaracterização progressiva do palácio, que deveria mesclar obras de designers nacionais e elementos representativos da história do mobiliário brasileiro. Já na década de 1970, as leves poltronas e cadeiras modernas de Sérgio Rodrigues e Jorge Zalszupin começaram a dar lugar a pesados móveis coloniais.
Os presidentes que passaram por lá mudaram obras de arte de lugar, adotaram cortinas e estofamentos de gosto duvidoso e alteraram a decoração sem-cerimônia. Na mais ousada das intervenções, o hall de entrada do palácio, criado como um espaço amplo – e vazio – virou uma floresta durante o governo João Baptista Figueiredo (1979-1985). “A mania de colocar plantas dentro de casa virou moda à época”, lembra Rocha, que se deparou com descobertas embaraçosas durante a recuperação. As primeiras fotos do Alvorada indicavam a existência de 23 cadeiras Barcelona – criação do alemão Mies Van der Rohe em 1929 –, das quais sobraram apenas seis. O sumiço das peças foi motivo de preocupação. Mas só por poucos dias. Durante uma conversa com Anna Maria Niemeyer, responsável pela decoração, Rocha descobriu que as Barcelona eram falsas. “Ela contou que fazia questão de mobiliar o palácio com as cadeiras, mas não havia tempo ou dinheiro para trazê-las da Europa. Por isso, criaram as réplicas”, revela o diretor.
A primeira-dama, Marisa Letícia, que supervisionou pessoalmente a reforma, considera o resgate dos móveis um ganho para o País tanto no aspecto histórico como no econômico. “Em vez de se adquirir móveis novos, a recuperação do mobiliário produziu expressiva economia do dinheiro do contribuinte”, disse ela com exclusividade à DINHEIRO (leia entrevista). Ela vivenciou um episódio que ilustra bem o descaso com que os móveis e objetos que compõem o patrimônio público foram tratados nas últimas décadas. Passeando pelo gramado da Granja do Torto, dona Marisa viu uma imagem de Nossa Senhora da Conceição dentro de uma gruta de tijolos e imaginou que ali poderia haver uma obra de arte importante. Castigada, a santa barroca do século XIX não era nem sombra do que foi nos tempos em que era exibida à entrada do hall do palácio, nos anos 1970. Vítima de uma tentativa frustrada de restauração – encontrada coberta por tinta automotiva –, a imagem foi devolvida ao local de origem depois de receber cuidados de especialistas na Universidade Federal de Minas Gerais. No Alvorada, o único ambiente idêntico ao original é a capela. Depois de ser completamente modificado – inclusive a posição do altar –, o templo foi reconstituído a partir de fotografias. Além dos móveis, as paredes da capela tiveram sua douração refeita e o teto, uma obra do artista plástico Athos Bulcão que o tempo ajudou a esconder, foi resgatado. Sete anos depois de receber a ordem, a Diretoria de Documentação Histórica entregou ao presidente o que foi possível recuperar dos ambientes originais do Alvorada, que ainda deve receber peças de designers brasileiros resgatadas nos depósitos da administração pública federal. Agora, a ideia é tombar os salões, para que eles não sejam alterados. Resta saber se o tombamento da decoração será o bastante para restringir a atuação dos próximos presidentes no lado externo do palácio.“Vamos recompor o ambiente de época dos palácios”
A primeira-dama, Marisa Letícia, falou por e-mail à DINHEIRO sobre o resgate do mobiliário dos palácios do Planalto e da Alvorada.
DINHEIRO – Qual a importância de resgatar o mobiliário original dos prédios públicos de Brasília?
MARISA LETÍCIA – Primeiro, recompor o ambiente de época dos palácios. Depois, recuperar móveis valiosos de autoria de designers brasileiros famosos. Além disso, em vez de se adquirir móveis novos, a recuperação do mobiliário produziu expressiva economia do dinheiro do contribuinte. Por fim, eu e o presidente Lula sempre deixamos os imóveis que ocupamos em melhores condições do que os recebemos.
DINHEIRO – Foi difícil encontrar móveis originais? Eles estavam em boas condições?
MARISA – No ano passado, o presidente Lula criou uma comissão de curadoria para cuidar da ambientação dos palácios da Alvorada e do Planalto. Desde então, a comissão busca mobiliário de época nos depósitos da administração pública federal. Ela tem conseguido boa receptividade e contou com o inestimável apoio das duas casas do Legislativo, onde conseguimos peças notáveis. Quase todas precisam ser restauradas.
DINHEIRO – Foi possível reconstruir todos os ambientes dos palácios da Alvorada e do Planalto?
MARISA – No Alvorada, todos os ambientes estão reconstituídos, mas ainda haverá alguma mudança no mobiliário para valorização do design nacional. No Planalto, os trabalhos estão em andamento.
DINHEIRO – O público pode conferir a nova decoração do Palácio da Alvorada?
MARISA – Sim, o Alvorada está aberto ao público todas as quartas-feiras. Às terças, está aberto para estudantes, mediante agendamento. O Palácio do Planalto, que sempre esteve franqueado ao público aos domingos, voltará a receber visitantes depois de sua reinauguração.
Fonte: terra.com.br
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