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quarta-feira, 10 de março de 2010

Para que serve o Conar?

Polêmica com a campanha da Devassa: o jornal Advertising Age pergunta - Paris Hilton seria sexy demais para o Brasil? Ah, que saudade dos anos 70...

Você viu o comercial da Devassa com a Paris Hilton? A história é mais ou menos a seguinte. Um comercial de TV, num dia de grande audiência do Big Brother Brasil, atração da TV Globo, na forma de um teaser misterioso, mostrava uma loira de minissaia curtíssima e gestos lânguidos sendo observada através de uma janela indiscreta por um paparazzo. E instava os telespectadores a acessar o site www.bemmisteriosa.com.br. No site, um buraco de fechadura deixava entrever do outro lado um pequeno detalhe da tal loira. O usuário era convidado a seguir o perfil @bemmisteriosa no Twitter. A boa ideia da ação era que, quanto mais seguidores houvesse no perfil do Twitter, mais a fechadura iria se expandindo no site, revelando gradativamente a identidade e as curvas da moça bem misteriosa. Mais tarde se revelou que a loira era a socialite americana Paris Hilton – lindamente fotografada, gostosa de um jeito que eu jamais tinha reparado (e que talvez ela nem seja de fato) – e que a brincadeira era uma ação da Devassa, cervejaria artesanal carioca comprada há pouco pelo Grupo Schincariol.

Esta semana o Conar, um grupo de autorregulamentação publicitária formado por luminares da Comunicação, doutos senhores e respeitáveis senhoras que dedicam seu valioso tempo a defender inocentes brasileiros como você e eu da tremenda ameaça dos comerciais malvados, abriu nada menos que três processos contra a ação da Devassa. Um dos modos que eu uso para definir o Conar é assim: órgão perseguidor dos comerciais que dão certo. Basta uma publicidade causar, atingir seus objetivos, gerar discussão, curiosidade, bafafá, que o Conar entra em ação como uma tia velha, carola, solteirona, amedrontada e pouco instruída para trazer tudo de volta à mornura e à mesmice. Outro jeito que me ajuda a mapear o Conar: tudo que eu acho legal eles vetam. Tudo que eu considero criativo, ousado, divertido, bem sacado faz os bigodes do Conar eriçarem suas cerdas grisalhas.

Eis o mérito dos processos contra a ação da Devassa: o primeiro, impetrado por um consumidor (ou por uma consumidora), reclama da sensualidade do filme. (Está incomodado, amigo? Feriu sua mimosa suscetibilidade, querida? Tire o comercial da sua TV trocando o canal. Use seu controle remoto! Mas não venha tirar o comercial da minha TV. Aqui, na minha casa e na minha vida, você e seus grilos sexuais não tem jurisdição alguma. Vá fazer análise para resolver esse seu recalque de se ofender com a beleza e a libido que Deus espalhou pelo mundo, e não torre a minha paciência nem me imponha suas dificuldades para ser feliz, para ver alegria ao redor, nem, muito menos, seu gosto mórbido pelo que é feio, triste, sem graça e sem sal. Arre.)

O segundo processo, iniciativa do próprio Conar, reclama do “estímulo ao uso excessivo de bebidas alcoólicas”. (Eu assisti aos comerciais, visitei o site e honestamente não entendo no que essa ação é diferente de todas as outras publicidades de bebidas mundo afora no tocante ao estímulo ao consumo. Ademais: comercial não existe exatamente para isso – estimular o consumo? Não é a maior das hipocrisias e o cúmulo da falsidade gente que vive de estimular o consumo de absolutamente tudo, e que construiu a sua carreira vendendo qualquer coisa para qualquer um, agora vestir o fraque e as luvas brancas e vir com esse tipo de conversinha? Outra tremenda incongruência, para não dizer dissimulação mesmo, do Conar: se os veículos que estão lá representados querem realmente curar (dobre o erre se quiser) o que o público pode ou não pode ver, que o façam a priori, antes das campanhas serem veiculadas, e não depois, quando o comercial criminoso, hediondo e indesculpável já foi ao ar e a emissora já ganhou um monte de dinheiro em cima disso. Ou se faz assim ou então fica parecendo dono de bordel assinado manifesto antiprostituição. Fica aqui a minha sugestão para Gilberto Leifert, presidente do Conar, que é também Diretor de Relações com o Mercado da TV Globo: a emissora que veiculou o comercial que está sendo cassado pelo Conar, se está arrependida de tê-lo levado aos lares dos brasileiros, deveria doar o faturamento que obteve com essa veiculação para uma instituição de caridade. Imagino que 30 segundos no Big Brother Brasil devam custar por volta de 300 000 reais.)

O terceiro processo, impetrado pela Secretaria Especial dos Direitos da Mulher, reclama do filme pelo “conteúdo sexista e desrespeitoso à mulher”. Imagino que o ressentimento se refira à reificação da moça, ao aproximar a loira humana da loira gelada. E que a bronca seja também com o retrato da moça como um símbolo sexual. É engraçado que quando o modelo Paulo Zulu aparecia como símbolo sexual em pencas de comerciais, ou quando o ator Marcos Pasquim passava novelas intermináveis inteirinhas sem camisa, exibindo os pêlos e o abdominal de oito gomos, a Secretaria Especial dos Direitos do Homem não tenha se pronunciado. Ah, mas essa Secretaria, graças a Deus, não existe… Gente, que discurso antigo, que agenda mais anos 70! (Mas, opa, não era nos anos 70 que o esbelto Pedrinho Aguinaga aparecia nas telas, num comercial de cigarros, reificadíssimo na imagem do “fino que satisfaz”? Aquilo também já não era, três décadas atrás, um discurso “sexista e desrespeitoso” ao homem?) A impressão que eu tenho é que as mulheres brasileiras já superaram essa dicotomia entre ser bonita ou inteligente, entre ser dona de casa ou profissional autônoma, entre ser mãe e ser amante, entre ser desejada e ser respeitada. As mulheres querem tudo isso ao mesmo tempo. Alguém precisa avisar isso lá em Brasília.

Ao fim e ao cabo, ao contrário do que eu tinha imaginado, nenhum dos processos do Conar se refere ao fato de a ação da Devassa ser mais um elemento a tirar audiência da TV aberta e levar para a internet. O beiço, portanto, aparentemente, não se deve a esse pequeno mas importante detalhe.

Encerro meu arrazoado afirmando ao Conar, aos telespectadores pudicos e caretas e à Secretaria Especial dos Direitos da Mulher, entre outros verdugos do direito de expressão, comercial ou não, e do meu direito de decidir ouvir ou não, de ver ou não, de ler ou não o que essas empresas tem a dizer, que o pior castigo para um mau comercial é o julgamento popular negativo. O pior revés para uma publicidade ruim é vender mal um produto. Ou desvendê-lo, afastá-lo da estima das pessoas, criar rejeição. Ou seja: não há nada pior, para um comercial malfeito, do que ser veiculado.

A alternativa a isso é censura. E, nessa perspectiva, talvez fizesse sentido cassarmos a própria marca, que é um acinte: “Devassa”. Onde já se viu? Assim como o slogan: “Um tesão de cerveja”. Absurdo. A nomenclatura dos tipos de cerveja – Loura, Índia, Ruiva e Negra – também soa absolutamente sexista e desrespeitoso. Sem falar nas comidinhas que aparecem no cardápio das Cervejarias Devassa: os pratos, bem gostosos, aparecem com nomes como Gulosinhas, Afogadinha no Tutu, Carnudinha, Na Moita, Bem Dotado, Deditos Endiabrados e por aí vai. Quanta barbaridade.

Fonte: portalexame.abril.com.br

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