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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Como atua o trio gestor

Saiba como três redes de ensino se estruturaram para garantir o perfeito encaixe do trabalho de supervisores, diretores escolares e coordenadores pedagógicos

Ilustração: Cássio Bitencourt

Fazer uma escola atingir bons resultados na aprendizagem dos estudantes e oferecer uma Educação de qualidade é uma responsabilidade complexa demais para ficar na mão de apenas uma pessoa. Por muito tempo, somente o professor foi responsabilizado por isso. Porém a sociedade foi percebendo que o profissional da sala de aula, sem a formação adequada e o apoio institucional, não é capaz de atingir sozinho os objetivos educacionais almejados. Dos anos 1970 para cá, uma série de pesquisas, realizadas principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, apontou que a atuação de outros atores também influencia no desempenho dos alunos. Entre eles, está a dos profissionais que compõem a equipe gestora da escola. São eles:

- o diretor, responsável legal, judicial e pedagógico pela instituição e o líder que garante o funcionamento da escola;

- o coordenador pedagógico, profissional que responde pela formação dos professores; e

- o supervisor de ensino, representante da secretaria de Educação que dá apoio técnico, administrativo e pedagógico às escolas, garante a formação de gestores e coordenadores e dinamiza a implantação de políticas públicas.

Como as diversas partes de um jogo de encaixe, essas funções se articulam formando um bloco coeso para garantir o sucesso da aprendizagem. A denominação dos cargos varia de acordo com a rede e eles podem ser exercidos por uma ou mais pessoas. "A gestão da Educação exige planejamento, estabelecimento de metas, manutenção de recursos e avaliação. Se essas bases não são estruturadas em comum, em especial por esse trio gestor, nunca existirá de fato uma rede de ensino", afirma Cybele Amado, diretora do Instituto Chapada, que dá consultoria educacional a 26 municípios da chapada Diamantina, no interior da Bahia.

Rede com foco e formação permanente

Um trabalho em conjunto bem realizado leva a escola a bons resultados. A pesquisa Práticas Comuns à Gestão Escolar Eficaz, realizada pela Fundação Victor Civita no ano passado, comparou as iniciativas de gestão de escolas com desempenhos similares na Prova Brasil e concluiu: as que têm mais proximidade com a Secretaria de Educação se saem melhor na avaliação. O relacionamento é tão mais estreito quanto melhor e mais efetiva for a atuação do supervisor nas diversas unidades de ensino. Entre os diversos papéis que ele desempenha, os mais estratégicos são monitorar a implantação e a continuidade de políticas públicas, evitando que a rede perca o foco, acompanhar e apoiar o desenvolvimento do projeto político pedagógico das escolas e fazer a formação de diretores e coordenadores pedagógicos.

É preciso ressaltar que muitas redes ainda não têm uma estrutura que permita a integração do trio gestor. Noutras, mesmo com a existência das funções, não há uma cultura de colaboração. "Muitas vezes, existe um embate entre os profissionais e o trabalho simplesmente não sai: o diretor acha que o supervisor não sabe o que ocorre dentro da escola e rejeita orientação, mas, ao mesmo tempo, demanda providências da Secretaria para fazer uma boa gestão", conta Helenice Maria Sbrogio Muramoto, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutora pela Universidade de São Paulo com a tese Ressignificando a Supervisão Escolar.

É quando o jogo de encaixe fica com as peças embaralhadas e desconectadas. De fato, é muito comum ouvir gestores se queixando de que os supervisores vão às escolas somente para fiscalizar e dar ordens. Estes, por sua vez, reclamam que aqueles não sabem administrar e os coordenadores pedagógicos não formam os professores - e por isso alguns assumem essa função diretamente, deixando os coordenadores à margem do processo. Sentindo-se excluídos, esses últimos alegam que os supervisores não têm os conhecimentos didáticos necessários para orientar a equipe docente. Enfim, "picuinhas" que não levam a lugar nenhum e podem ser superadas quando a Secretaria oferece condições para o trabalho em conjunto e cria uma rotina de cooperação e responsabilização pelos resultados do ensino.

Nesta reportagem, vamos mostrar o papel de cada um dos elementos do trio gestor e como três redes de ensino de dimensões e problemas distintos montaram seus organogramas para garantir um trabalho conjunto eficiente.

A função de cada um e o trabalho em conjunto

O diretor é o gestor escolar por excelência, aquele que lidera, gerencia e articula o trabalho de professores e funcionários em função de uma meta: a aprendizagem de todos os alunos. É ele quem responde legal e judicialmente pela escola e pedagogicamente por seus resultados - essa última atribuição, a mais importante, é às vezes esquecida.

Já o coordenador pedagógico deve ser o especialista nas diversas didáticas e o parceiro mais experiente do professor. É ele quem responde por esse trabalho junto ao diretor, formando assim uma relação de parceria - e cumplicidade - para transformar a escola num espaço de aprendizagem. O que ocorre em muitos casos é que, sem formação adequada, ele acaba assumindo funções administrativas - e a formação permanente fica em segundo plano ou desaparece.

O supervisor, terceira peça do trio gestor, é o funcionário destacado pela Secretaria de Educação, geralmente um educador, para dar apoio às escolas e fazer a interface do Executivo com elas. As redes mais bem estruturadas dispõem de uma equipe de supervisores que divide responsabilidades e se articula para fazer a orientação dos diretores e apoiá-los nas questões do dia a dia, formar os coordenadores pedagógicos e os professores e garantir a implementação das políticas públicas, que são as orientações oficiais que dão unidade à rede. Beatriz Gouveia, coordenadora do Programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, em São Paulo, que também faz formação de educadores, afirma que esses técnicos da Secretaria devem ser os grandes parceiros da equipe escolar: "Com a experiência que têm, eles podem garantir as condições para que todas as escolas tenham um bom desempenho".

Redes rurais precisam vencer distâncias

Até 2000, os professores de classes multisseriadas do município de Ibitiara, a 420 quilômetros de Salvador, trabalhavam isoladamente e não tinham contato com os colegas. "Não havia planejamento pedagógico nem acompanhamento do trabalho docente", conta Gislayni Araújo, a atual secretária de Educação. "Foi preciso criar um plano de cargos e salários e capacitar uma equipe técnica para formar gestores", diz Cybele Amado, coordenadora do Instituto Chapada.

A rede, que tem 46 escolas - apenas três urbanas - e cerca de 3,6 mil alunos, criou o setor pedagógico - subdividido em diretoria pedagógica (formação dos diretores) e supervisão técnica (acompanhamento do trabalho de oito coordenadores pedagógicos). Cada coordenador, por sua vez, cuida da capacitação dos professores de um núcleo, que reúne sempre de cinco a oito escolas ou, na maioria das vezes, classes multisseriadas.

Aproximação pedagógica

Ibitiara, no interior da Bahia, optou por fazer formações em grupo e individuais e, pelo menos uma vez por mês, todos os supervisores, diretores e coordenadores pedagógicos se reúnem para discutir questões institucionais, como projetos e a participação dos pais nas escolas. Anualmente, esse mesmo grupo define as políticas públicas a serem implementadas.

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No início do ano letivo, a diretora pedagógica, Valéria Bagues, agenda todas as reuniões do ano com os diretores. O mesmo fazem os supervisores técnicos, Reinaldo Vieira e Celma Alves, com os coordenadores pedagógicos. Eles marcam também os encontros em que os dois grupos terão formação em conjunto. "Todos analisam os dados da escola, vão em busca de soluções e se responsabilizam pelos resultados", diz Gislayni. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Ibitiara mostra como essa estrutura melhorou o desempenho da cidade: nas séries finais, a nota passou de 3,6, em 2005, para 4,4, em 2007, ficando acima da meta, que era de 3,7.

Solange Alves de Souza Araújo é a coordenadora pedagógica do núcleo Lagoa do Dionísio e tem oito escolas sob sua responsabilidade: "Antes, ninguém fazia plano de aula e avaliação diagnóstica. Hoje, compartilho esse trabalho com a diretora". Maria Hélia Oliveira Araújo é diretora da EM José Pereira de Araújo e está no núcleo de Solange: "Eu, a Solange e a Valéria estudamos juntas as questões importantes, como merenda escolar, legislação e como implementar as demandas do Ministério da Educação".

O desafio de criar e manter políticas públicas

Numa cidade de porte médio como Joinville, a 180 quilômetros de Florianópolis, o dilema da Educação até o ano passado dizia respeito à falta de comunicação entre a Secretaria e os educadores. "Cada escola era gerenciada de uma maneira e os professores seguiam as mais variadas metodologias", afirma Rosânia Campos, gerente da Unidade de Gestão de Ensino da Secretaria Municipal de Educação. No início de 2009, foi iniciada uma reestruturação, que ainda está em curso e deve ser finalizada este ano.

A rede é composta por 641 escolas, divididas em 14 diretorias. O primeiro passo foi criar uma coordenadoria para cada segmento de ensino e um núcleo para cada área disciplinar (veja o infográfico abaixo) para cuidar da formação continuada e em serviço dos gestores. Os núcleos de Arte, Educação Física, Educação Especial e Educação Ambiental dão suporte aos gestores e professores da Educação Básica nessas questões específicas. Já as coordenadorias têm em seus quadros supervisores de área, que visitam periodicamente as escolas para saber das demandas e orientar os supervisores escolares (nome dado aos profissionais que fazem a formação dos professores na escola). Este ano, esse grupo deve começar a receber o acompanhamento específico de outro supervisor.

Comunicação ágil

Uma cidade de porte médio como Joinville preocupou-se em fazer com que a formação continuada e em serviço fosse uniforme para toda a rede para que as políticas públicas se viabilizem. Para isso, criou núcleos para atender toda a Educação Básica (Educação Especial, Ambiental etc.) e a supervisão por área (Língua Portuguesa, Geografia etc.) para cada segmento de ensino.

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O trabalho dos trios gestores, no ano passado, se concentrou em vencer os desafios da implantação do Ensino Fundamental de nove anos e em tornar as escolas municipais inclusivas. "Estamos tendo sucesso na formação dos docentes, que começam a entender e aplicar os princípios da inclusão e a saber que todas as crianças, com a atenção adequada, são capazes de avançar no aprendizado", afirma Valdirene Stiegler, supervisora do Núcleo de Educação Especial.

Redes grandes? Formação com multiplicadores

O gigantismo de redes de ensino como a estadual paulista é um problema: como diminuir a distância entre o centro das decisões e as escolas situadas em localidades distantes - e atender todas da mesma maneira? De que forma fazer com que as políticas públicas cheguem a todas as 5.463 unidades? Há três anos, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo se reestruturou para fortalecer o papel dos supervisores de ensino (hoje são 1.546 supervisores, distribuídos em 91 diretorias). "Um supervisor deve cuidar de no máximo cinco escolas para que todos tenham uma agenda de visitas regulares", afirma Valéria Souza, coordenadora de projetos da Secretaria. Ela conta que a rede sempre contou com supervisores, porém até recentemente o papel deles era fiscalizador. "Queremos um profissional propositivo e facilitador do trabalho do coordenador e do diretor."

O foco do trio gestor tem sido a formação: o supervisor cuida dos coordenadores e diretores, que, por sua vez, formam os professores (veja infográfico abaixo). O diretor pode - e deve -- participar dos horários de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), mas seu principal papel é garantir que a formação ocorra, reservando espaços e horários e providenciando materiais. O coordenador é o responsável pelas ações pedagógicas e tem a função de relatá-las ao diretor, explicando as que deram bons resultados e indicando o que precisa ser melhorado. Os resultados são discutidos e levados ao supervisor, que ajuda a pensar estratégias para superar os problemas.

Formação multiplicadora

Para dar conta do gigantismo da rede, o estado de São Paulo optou por vários tipos de formação: ela pode ser presencial ou a distância, feita diretamente pela Secretaria ou pelas diretorias de ensino. Coordenadores, diretores e supervisores de uma região também se reúnem para a troca de experiências.

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Elianeth Dias Kanthack Hernandez, supervisora da diretoria de ensino de Assis, a 440 quilômetros de São Paulo, monta um plano de ação de acordo com as necessidades das quatro escolas que estão sob sua responsabilidade: "Priorizo as que têm mais dificuldades". Sirley Tronco, diretora da EE Professora Noemia Garcia Ciciliato, em Florínea, a 40 quilômetros de Assis, é uma das diretoras que conta com o apoio de Elianeth. "Agora fazemos diagnósticos mensais para ver como os alunos têm avançado", destaca. Flávia Viana de Lima Pignataro, coordenadora da escola, diz que segue o trabalho dos professores e registra tudo para compartilhar com os outros profissionais do trio gestor. Todas as semanas, ela se reúne com a supervisora para falar sobre a formação dos professores e receber orientações.

Fonte: revistaescola.abril.com.br

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