O reality show Operação de Risco flagra as ações dos homens que combatem o crime em São Paulo
ELES TÊM A FORÇA Treinamento da tropa de choque paulista: uma visão inédita do dia a dia da polícia – com seus acertos e falhas |
São 10 horas da noite e os homens da Polícia Militar iniciam mais uma batida de rotina na Cracolândia, área do centro de São Paulo infestada por drogados. Ao ouvirem a sirene dos camburões, dezenas de usuários de crack correm de um lado para outro, como zumbis desgovernados. Rendidos pelos policiais, eles são enfileirados com as mãos na parede. Ao notar a presença de uma adolescente esquálida – e grávida –, o comandante da operação não contém o comentário: "Você aqui de novo, minha filha? Que vida é essa?". Ele então acaba se rendendo a uma reflexão, digamos, existencial: "Em todo lugar, a gente vê cachorros acompanhando os mendigos. Mas aqui não. Nem os cachorros aguentam esse pessoal". A situação mostrada no programa Operação de Risco, que tem estreia prevista para a noite desta segunda-feira na RedeTV!, resume aquilo que está na essência do trabalho da polícia: o fardo incontornável de lidar o tempo todo com a escória (às vezes, até a engravatada) e a miséria humana. E ilustra também quanto o cumprimento dessa tarefa pode ter de frustrante – pois, como se diz no jargão policial, coibir o consumo de drogas num lugar como a Cracolândia equivale a "enxugar gelo". A peça central do reality show é esse dia a dia da atividade. Ao longo de 2008, seus produtores registraram as ações de diversos setores da polícia paulista, como o combate à pirataria, a investigação de homicídios e a logística para garantir a ordem em grandes eventos (veja o quadro abaixo). O cenário é São Paulo – um estado em que o índice de homicídios (10,85 ocorrências por 100 000 habitantes) atualmente é metade da média nacional. Mas, apesar das diferenças em relação à realidade de outras regiões, o flagrante dos tiras no calor das diligências traz lições que são válidas para o Brasil inteiro.
Operação de Risco não é o primeiro reality show que se propõe a retratar sem meios-tons um universo profissional na fronteira entre a vida e a morte. O E24, da Bandeirantes, explora o cotidiano dos prontos-socorros. Ao permitir que suas ações fossem transformadas em atração de TV, a polícia paulista foi movida pelo mesmo estímulo que levou os hospitais a se abrirem às câmeras: a expectativa de que isso traga benefícios à imagem da instituição e incremente a autoestima dos policiais. Recentemente, um levantamento CNT/Sensus – feito com exclusividade para VEJA – demonstrou que 62% dos policiais de cinco capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Brasília) acreditam que a população não confia em seu trabalho. Numa cidade como o Rio, em que problemas como o despreparo e a corrupção há décadas vêm dilapidando a moral da corporação, esse índice chega a 71%. Um precedente internacional sugere que programas na linha de Operação de Risco podem, sim, colaborar para uma melhoria, ainda que limitada, desse quadro. No ar há mais de vinte anos pela rede Fox, o pioneiro Cops teve tamanho impacto junto aos espectadores dos Estados Unidos que se tornou objeto de teses acadêmicas. De acordo com um estudo da Universidade de Delaware, contribuiu ainda para a diminuição da sensação de insegurança da população em certas regiões daquele país. Na sua esteira, acabou surgindo um filão de TV devotado à realidade da polícia.
O atrativo de tais programas não está somente na ação ou na adrenalina. Eles levam o espectador a se sentir menos desamparado diante da violência das metrópoles. "É um modo de as pessoas perceberem que a polícia existe e está fazendo seu papel, ainda que de maneira silenciosa", diz o ex-coronel da PM paulista José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança pública. Operação de Risco traz bons exemplos desse arroz com feijão. No primeiro episódio, a Polícia Rodoviária persegue o carro de três bandidos que tinham acabado de assaltar uma residência no interior paulista. Consegue prender um deles e recuperar os objetos roubados. Noutra ação, em que policiais civis buscam por drogas numa favela, tem-se uma ideia da complexidade da luta contra esse tipo de crime. Todos os "aviões" usados pelo tráfico são crianças. O que significa que não podem ir para a cadeia ou ser processados e acabam reincidindo (um menino de 12 anos é pego em flagrante – pela quinta vez).
Um olhar cético poderia concluir que ações como essa ou a já citada batida na Cracolândia não passam de exibições de força inúteis. Mas a experiência de cidades como Nova York, que fez progressos invejáveis no combate à criminalidade nas últimas duas décadas, prova que "enxugar gelo" é uma lição de casa essencial para que se alcance o sucesso. Pequenas (mas continuadas) apreensões de drogas e mercadorias pirateadas vão minando os lucros e a logística do crime. E as batidas recorrentes reduzem as oportunidades de negócios escusos, ao tumultuar seu território de ação. "Em todos os lugares do mundo em que se venceu o crime, isso passou por prestigiar o trabalho dos policiais anônimos que fazem parte dessa rede de coerção", diz o ex-coronel Silva Filho.
Se Operação de Risco traz a comprovação positiva de que a polícia vem cumprindo esse dever, por outro lado também atesta deficiências – como certo desleixo na preservação das cenas dos crimes. Há, para ser justo, episódios do reality show em que o trabalho de perícia é realizado de forma exemplar. Na investigação do assassinato de um policial militar fora de serviço num subúrbio paulistano, o departamento de homicídios da Polícia Civil isolou rapidamente o carro em que ele foi executado com dois tiros na nuca. Após se analisarem impressões digitais e objetos, chegou-se ao suspeito do crime. Em outro programa, coube aos peritos do Instituto de Criminalística averiguar se um jovem encontrado morto num hotel cometeu suicídio ou foi assassinado (exames de balística comprovaram que ele próprio deu um tiro no peito). Mas esse cuidado ainda não se incorporou à rotina de todos os profissionais. Em pelo menos dois episódios, policiais civis e militares aparecem manipulando armas de crimes antes de elas passarem pela perícia – o que chamou a atenção de um especialista que assistiu aos programas a convite de VEJA.
Para captar imagens da polícia agindo de forma tão espontânea, a equipe da Medialand, produtora independente que realizou o programa para a RedeTV!, imergiu nesse universo. Cada operação foi acompanhada por no mínimo três e às vezes até seis câmeras. Todos eles passaram por treinamento nas academias das polícias Civil e Militar e tiveram de utilizar coletes à prova de bala durante as gravações. Em momentos críticos, as imagens eram feitas por meio de microcâmeras embutidas no cinto dos policiais. "Se um lance importante fosse perdido, não dava simplesmente para parar tudo e pedir para repetir a cena", diz Mônica Pimentel, diretora artística da RedeTV!. Operação de Risco tem alguns problemas de ritmo e edição. Há reiterações excessivas de cenas e lacunas de informação que podem dificultar a compreensão das pessoas que não são de São Paulo. Mas, para além de oferecer uma visão inédita do dia a dia da polícia, o programa não incorre num vício arraigado do cinema e da literatura esquerdoides – o de demonizar a polícia e colocar os bandidos como vítimas da "sociedade injusta". Ao condensar 2 000 horas de gravação bruta em vinte episódios com pouco menos de meia hora, o roteirista Beto Ribeiro teve o mérito de definir bem os papéis: nessa guerra, os bandidos são os vilões e os policiais, definitivamente, os heróis.
Fonte: veja
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