Neste ano, mais de 10 mil mulheres ficaram ou ficarão grávidas graças a um tratamento de fertilização in vitro no Brasil. Dessas, pelo menos 2.500 terão gêmeos, trigêmeos ou até quadrigêmeos.
Esse número é alto quando se considera que, de forma natural, apenas uma em 88 gestações resulta em gêmeos --1,1% do total.
As estimativas são de Adelino Amaral Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. De acordo com ele, a popularização das técnicas de fertilização teve impacto no número de múltiplos no país.
Esse aumento fez também com que surgissem mais e mais livros, blogs e sites sobre cuidados e educação específicos para essas crianças. Os dilemas vão bem além do "roupa igual ou diferente?".
A arquiteta Claudia Herrera, 40, nunca tinha trocado uma fralda até ter seus dois meninos, cinco anos atrás, depois de um tratamento. Levou um susto. "Pensam que ter gêmeos é um conto de fadas. Está longe disso. Eles exigem muitos cuidados, é assustador."
Traumatizada por não ter encontrado um "manual de instruções", a arquiteta escreveu "São Gêmeos, e Agora?". O livro fala de questões operacionais, ajuda a calcular o número de fraldas necessárias, por exemplo.
Caroline Passuello, 34, consultora em análise de risco, é mãe de Leonardo e Rafael, de um ano e oito meses. Para ela, o problema não é o trabalho braçal ou os pijamas iguais que a avó dá, mas a dificuldade para interpretar e atender as diferentes necessidades de cada um dos filhos.
"Um pede mais colo do que o outro. O que eu devo fazer? Devo dar mais atenção para o que pede mais ou então me dividir entre os dois, mesmo deixando um descontente?"
Leonardo e Rafael são gêmeos idênticos. Mas, apesar de terem o mesmo código genético, eles não são iguais, explica a pesquisadora Elvira Souza Lima, autora de "Neurociência e Aprendizagem" (Inter Alia).
"Pesquisas mostram que gêmeos idênticos têm redes neuronais diferentes, que são como a impressão digital do cérebro. Mesmo estando no mesmo contexto, cada um deles tem uma experiência única, o que influencia na formação da personalidade."
Isso explica porque gêmeos idênticos quase nunca engatinham e falam ao mesmo tempo, o que sempre gera alguma angústia nos pais. Mas esse ritmos não têm nada a ver com inteligência.
"A biologia dá a possibilidade para que os bebês, no terceiro mês de vida, possam esticar os braços e pegar um objeto. Mas se ele vai fazer isso depende de muitos fatores, como se há objetos disponíveis ou não", afirma a pesquisadora.
A ARMADILHA DA COMPARAÇÃO
Raquel é a má, Ruth, a boazinha. Pode parecer coisa de novela, mas é comum gêmeos ganharem rótulos do tipo "o bagunceiro e o quieto", "o carente e o independente".
"É inevitável. Sempre vai ter um mais dependente e outro mais falante", afirma a psicóloga Charbelle Jabbour, que tem uma irmã gêmea.
O problema não é reconhecer as diferenças: é falar sobre elas atribuindo valores positivos ou negativos.
"Para as crianças, a diferença ajuda no desenvolvimento. Quem atribui valor são os adultos", explica a neurocientista Elvira Souza.
O risco de se comparar irmãos gêmeos ou mesmo de idades diferentes é acabar estimulando a competição.
"Muitos usam o outro irmão como referência e fazem tudo pensando em ser melhor ou igual", diz Charbelle.
Outro risco é as crianças levarem os rótulos a sério e assumirem de vez o papel.
"Todo mundo é um pouco bagunceiro, bonzinho ou quieto. É preciso que os pais valorizem diferenças e qualidades", diz a psicoterapeuta Sâmara Jorge, que orienta pais de gêmeos.
Isso de "valorizar diferenças e qualidades" pode ser fácil de dizer, mas é difícil de aplicar. A psicóloga Alessandra Vieira, professora da Universidade Federal de Goiás, estudou educação de gêmeos na sua tese de doutorado. Ela descobriu que a crença de que os irmãos são iguais ainda é muito forte.
Um exemplo é essa história de a mãe tentar dar a mesma atenção aos dois. "Os pais se pautam em uma ideia de justiça, mas ninguém precisa de carinho igual. É preciso admitir que eles não têm as mesmas necessidades."
Na prática, se um pedir mais atenção, dê sem medo. "A mãe pode fixar um limite e procurar incluir o outro", diz Sâmara Jorge.
Quanto às comparações, a recomendação é conversar com as crianças e tentar prepará-las para ouvir comentários inconvenientes. Além disso, pedir a parentes que evitem falar coisas tipo "ele é mais agitado, né?". Tarefa difícil.
'ELES IAM SE MATAR SE ESTUDASSEM JUNTOS'
Os trigêmeos da empresária Majoy Antabi, 38, estudam separados desde a pré-escola. "Foi uma escolha minha. Eles têm personalidade muito forte." Mesmo em casa já discutem quando estão fazendo lição. "Um diz que terminou primeiro, que o outro é burro. Eles iam se matar se estudassem na mesma sala."
Majoy tem um site de gêmeos e vive respondendo a dúvidas de pais. "Sempre me perguntam quando eles deram mais trabalho. Digo que a pior fase é agora, que eles têm nove anos. O trabalho deixa de ser braçal e passa a ser mental."
A maioria das escolas particulares tem como regra separar os gêmeos, para que cada um tenha sua turma e não acabe se apoiando no outro. "Dizem que é para facilitar a vida dos irmãos, mas às vezes facilita a vida da escola", diz a terapeuta Sâmara Jorge.
Para ela, ficar um tempo na mesma sala, quando pequenos, pode ajudar na adaptação. "Não dá para fazer de conta que o vínculo não existe." Depois, o melhor é separar mesmo.
A psicopedagoga Neide Noffs, da PUC, concorda. "A preocupação é a individualização. Muitos professores não sabem lidar." Mas não precisa exagerar e colocar cada um em uma escola.
A individualização é importante na escolha de roupas e brinquedos. Cada um deve ter suas coisas e ser estimulado a manifestar a sua vontade. De novo, sem exageros: podem dormir em duas camas, mas no mesmo quarto. São irmãos, afinal.
"Se querem festas com temas diferentes, tudo bem. Mas não é errado ou preocupante quererem a mesma decoração e o mesmo presente", afirma Quézia Bombonatto, terapeuta familiar e presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.
Mas como saber quando a cumplicidade e a afinidade da dupla estão se tornando dependência? "Se um gêmeo não fica sem o outro e não consegue se relacionar com outras pessoas", explica a psicanalista Marina Kon Bilenky. Nesse caso, é melhor procurar ajuda.
Fonte: Folha