O cérebro humano é a estrutura mais espantosamente complexa no universo conhecido, mas estamos começando a desvendar alguns dos seus mistérios.
1. De que são feitas as memórias?
As memórias são a base do pensamento. Acessamos nosso repertório de conhecimentos cada vez que executamos uma tarefa, nos comunicamos por meio da fala ou formulamos os mais simples conceitos. No entanto, a forma física da memória sempre foi um mistério. Que mudanças ocorrem no cérebro quando uma nova memória é formada?
Uma coisa que sabemos é que a formação da memória envolve o fortalecimento das conexões sinápticas entre células nervosas. Usando lesmas do mar, que têm um sistema nervoso relativamente simples, uma equipe liderada por Kelsey Martin, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, tornou-se no ano passado a primeira a observar as memórias sendo criadas, na forma denovas proteínas que aparecem nas sinapses.
Mas onde o conhecimento é armazenado no cérebro de mamíferos complexos? Memórias de curto prazo, como um número de telefone que será utilizado de imediato, parecem ser armazenadas em duas pequenas estruturas curvilíneas chamadas hipocampo, enterradas nas profundezas dos dois hemisférios do cérebro. Em 2008, Courtney Miller e David Sweatt, da Universidade do Alabama, em Tuscaloosa, demonstraram em camundongos que, durante a primeira hora após um acontecimento memorável, houve mudanças químicas na composição do DNA de neurônios nessa área, alterando as proteínas produzidas. Durante a semana posterior, ocorreram transformações similares nos genes dos neurônios no córtex. Essas alterações parecem ser permanentes, indicando que as memórias de longo prazo são armazenadas lá. A dupla acredita ter assistido à formação de memórias de curto prazo no hipocampo, que depois se tornaram memórias de longo prazo no córtex.
O cérebro presta mais atenção às coisas que nos assustam, já que lembrá-las pode fazer a diferença entre a vida e a morte. A estrutura ao lado do hipocampo chamada amígdala é conhecida por desempenhar um papel na criação dessa marca permanente. No ano passado, uma equipe liderada por Sheena Josselyn, no Sick Children Hospital, em Toronto, no Canadá, descobriu que nos ratos era possível apagar a memória de um ruído assustador matando os neurônios da amígdala, cujas sinapses haviam sido recentemente reforçadas após a exposição ao ruído. Pela primeira vez, uma memória específica foi rastreada até as células nervosas que a codificaram.
Ainda estamos muito longe de ver uma memória humana sendo criada, no entanto.
2. Algum dia seremos capazes de regenerar o cérebro?
Você já nasceu com todas as células do cérebro que terá, assim diz o ditado. E lá se vai mais um ditado... Nos anos 90, décadas de dogma foram derrubados pela descoberta de que os mamíferos, incluindo seres humanos, produzem novos neurônios ao longo da vida. Em humanos, as tais neurogêneses foram vistas em dois lugares: neurônios formados no bulbo olfatório parecem estar envolvidos na aprendizagem de novos cheiros, enquanto os nascidos no hipocampo estão envolvidos na aprendizagem e memória.
A descoberta de que novos neurônios podem se integrar ao cérebro adulto gera possibilidades intrigantes. Poderá o processo ser aproveitado para o tratamento de doenças do cérebro, como Parkinson e Alzheimer? O truque será substituir as células doentes com o tipo certo de neurônios, diz Jeff Macklis, que estuda a neurogênese no Massachusetts Institute of Technology. Segundo algumas estimativas, o sistema nervoso é composto de 10 000 diferentes tipos de neurônios. Essa complexidade significa que você não pode simplesmente pegar uma célula pronta produzida por neurogênese. No entanto, pode haver outras formas de gerar novos neurônios sob medida.
Olle Lindvall, da Universidade de Lund, na Suécia, demonstrou que isso pode ser possível. Ele transplantou neurônios produtores de dopaminaextraídos de fetos abortados para o cérebro de pessoas com Parkinson, e mostrou que os novos neurônios podem melhorar a função cerebral, embora o tratamento não funcione para todos. Lindvall agora está procurando maneiras de produzir esses neurônios especializados a partir de células-tronco embrionárias ou células-tronco feitas a partir da reprogramação de células adultas da pele.
E Macklis concluiu que, mesmo em regiões não neurogênicas do cérebro, existem pequenos números de “células progenitoras” que sobraram do desenvolvimento do cérebro no útero. Essas não são células-tronco verdadeiras, mas têm algumas capacidades de neurogênese. Macklis demonstrou que — em animais, pelo menos — as células progenitoras podem ser direcionadas para formar neurônios funcionais. Em ratos, ele encontrou sinais químicos que transformam as células progenitoras em neurônios motores. “Sou um grande otimista em relação ao uso da neurogênese em partes normalmente não neurogênicas do cérebro”, diz Macklis. “Mas o sistema nervoso foi construído com precisão, e vamos ter de reconstruí-lo com essa precisão.”
3. Quantos estados de consciência existem?
Você pode pensar que a consciência é como um interruptor de luz, ou está ligada ou desligada. Mas a verdadeira imagem é bem mais nublada, desafiando as nossas noções de consciência e livre-arbítrio, e levantando questões sobre consentimento em pacientes em coma.
Costumávamos pensar que apenas três estados de consciência existiam, diz Adam Zeman, da Escola Médica da Península, em Exeter, Reino Unido. “Ou você está acordado ou dormindo — e se você está dormindo, você pode estar sonhando ou não.”
Mas imagens do cérebro sugerem que há mais estados. Um exemplo é o sonambulismo, que afeta mais de um em cada 20 adultos. “O cérebro do sonâmbulo está, literalmente, meio acordado, meio dormindo”, disse Zeman. Pesquisadores conseguiram levar um sonâmbulo até uma máquina de exame cerebral, e viram que grande parte do córtex — envolvido na percepção e consciência — estava desligada, mas outras áreas do cérebro estavam ativas, incluindo as relacionadas com a emoção.
Sobreposições similares podem explicar outros estados de consciência estranhos. No sono com sonho — também conhecido como sono REM —, ficamos parados porque uma área do tronco cerebral chamada “ponte” bloqueia os sinais para os músculos. Pessoas com transtorno de comportamento REM perdem essa inibição e agem fisicamente fora de seus sonhos. A condição oposta, conhecida como paralisia do sono, ocorre quando as pessoas acordam, mas continuam incapazes de se mover.
Também pode haver alguns pontos intermediários até então despercebidos no crepúsculo entre a consciência e o coma. Em fevereiro, uma equipe liderada por Adrian Owen, da Universidade de Cambridge, descobriu que era possível se comunicar com um homem em estado vegetativo — estado no qual a pessoa tem os reflexos intactos e pode respirar sem ajuda de aparelhos, mas parece completamente inconsciente do que se passa ao redor. Ao pedir que ele se visualizasse jogando tênis ou se movimentando pela sua casa enquanto seu cérebro era escaneado, a equipe conseguiu obter dele respostas “sim” ou “não”. Esses pacientes são tratados atualmente como inconscientes, mas se eles podem compreender perguntas e se comunicar, também podem ser capazes de expressar opiniões sobre o seu tratamento — e se ele deverá ou não ser retirado.
Não sabemos ainda quantos estados de consciência existem, mas a natureza da consciência parece estar mais próxima de uma escada do que de um interruptor de luz.
4. Quão poderosa é a conexão mente-corpo?
Se você tiver o infortúnio de precisar permanecer num hospital, tente ficar num quarto com vista. Você pode se recuperar mais rápido se estiver olhando para um bosque do que para uma parede de tijolos. O estudo das relações entre mente e corpo é tão antigo quanto a prática da medicina. Médicos experientes sabem, por exemplo, sondar o estado mental de um paciente cujos sintomas são difíceis de explicar fisicamente. E todos nós já ouvimos falar de casos em que um luto ou divórcio parece ter provocado o aparecimento da doença.
No entanto, considerando o quanto tomamos essas ligações por certas, seus mecanismos ainda permanecem muito misteriosos. Por que algumas doenças são mais influenciadas pelo estado mental do que outras? O que está por trás do incompreensível efeito placebo? Será que poderíamos aprender a melhorar pelo pensamento?
Muitos desses efeitos parecem ser mediados pelo sistema imunológico. O estresse elevado comprovadamente reduz a atividade das células imunológicas, tanto no tubo de ensaio quanto nas pessoas. O cérebro parece influenciar o sistema imunológico de diversas formas, desde mediadores químicos até o controle neural direto. Um ramo do nervo vago liga o cérebro a um regulador chave do funcionamento do sistema imunológico, diz Kevin Tracey, do Instituto Feinstein para Pesquisa Médica, em Manhasset, Nova York. “Os sinais que se originam no cérebro viajam até o nervo vago, onde eles mudam o comportamento das células imunes no baço”, diz ele.
A equipe de Tracey já descobriu que a estimulação elétrica diminui a inflamação do nervo vago, um estado do sistema imunológico de alerta crítico associado a um grande número de doenças, incluindo o câncer. Eles suspeitam que possam existir outras ligações nervosas-imunes que têm o efeito de provocar inflamações.
Se não podemos controlar conscientemente o sistema imunológico, talvez possamos ao menos ser capazes de manipulá-lo com drogas, ou por meio do nervo vago.
5. Por que alguns de nós são mais inteligentes do que outros?
Na autópsia de Einstein, em 1955, seu cérebro causou uma certa decepção: ele era um pouco menor que o do homem médio. Estudos feitos mais tarde sugeriram uma ligação mínima entre o tamanho do cérebro e a inteligência. Parece que o que realmente importa é a qualidade do cérebro, em vez da quantidade.
Um fator importante parece ser a forma como nossos neurônios se comunicam uns com os outros. Martijn van den Heuvel, neurocientista do Centro Médico da Universidade de Utrecht, na Holanda, descobriu que os cérebros mais inteligentes parecemter redes mais eficientes de neurônios — em outras palavras, são necessários menos passos para transmitir uma mensagem entre as diferentes regiões do cérebro. Isso poderia explicar cerca de um terço da variação de QI de uma população, diz ele.
Outro fator fundamental é a bainha de gordura isolante que envolve as fibras dos neurônios, que afeta a velocidade dos sinais elétricos. Paul Thompson, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, encontrou uma correlação entre QI e a qualidade das bainhas. Ainda não sabemos exatamente quanto os genes contribuem para a inteligência, com vários estudos oferecendo estimativas entre 40% a 80%. Esta ampla variação nas estimativas pode ter surgido porque os genes contribuem mais para o QI quando ficamos mais velhos, segundo um estudo publicado no ano passado. Ao comparar a inteligência de 11 000 pares de gêmeos, Robert Plomin, do King’s College de Londres, descobriu que aos 9 anos os genes explicam 40% da variação, mas aos 17 anos são responsáveis por cerca de dois terços.
Como isso pode ser possível? Talvez os genes afetem a maneira como nosso cérebro se reestrutura à medida que amadurecemos. Outra explicação é que eles podem determinar a probabilidade de alguém procurar experiências estimulantes para ajudar seu cérebro a se desenvolver. “Se estamos predispostos a ter um talento, podemos procurar ativamente um ambiente que se adapte a ele”, diz Thompson.
6. Será que algum dia vamos construir uma máquina consciente?
Um dos maiores desafios da humanidade é tentar criar a consciência artificial. Alguns duvidam que isso seja possível — e até mesmo que deva ser feito. No entanto, pesquisadores mais ousados não deixam de arriscar. “Temos de considerar a consciência da máquina como um grande desafio, como colocar um homem na Lua”, diz Antonio Chella, da Universidade de Palermo, na Itália, e editor da International Journal of Consciousness Machine. Essa revista foi lançada em 2009, um sinal da crescente atividade na área.
Provavelmente, o software que chegou mais longe até o momento é o IDA, Agente de Distribuição Inteligente, criado em 2003 por Stan Franklin, da Universidade de Memphis, no Tennessee. O IDA atribui a oficiais da Marinha norte-americana novos postos de trabalho quando eles terminam um turno de serviço. Para tanto, tem de conciliar as políticas navais, as exigências do trabalho, custos variáveis e as necessidades dos marinheiros. Como as pessoas, o IDA tem níveis de processamento “consciente” e “inconsciente”. No nível inconsciente, ele usa agentes de software para coletar dados e processar informação. Esses agentes competem para entrar na “consciência” do IDA, onde interagem uns com os outros e as decisões são tomadas. A atualização Learning IDA (LIDA) foi concluída este ano. Ela aprende com o que chega a sua consciência e usa isso para decisões futuras. A LIDA também tem o benefício das “emoções” — metas de alto nível que orientam a tomada de decisão.
Outro avanço surgiu da criação de robôs capazes de manter sua função depois de danificados. Em 2006, Josh Bongard, na Universidade de Vermont, em Burlington, nos Estados Unidos, projetou um robô que anda com um modelo interno de si próprio atualizado continuamente. Se ele for danificado, esse autoconhecimento permite que ele crie uma maneira alternativa de andar utilizando as capacidades que ainda tem. Junto com um modelo interno, o robô desenvolvido pela equipe de Owen Holland, da Universidade de Sussex, Reino Unido, também é anatomicamente parecido com os humanos. “Um robô com corpo similar ao de um ser humano vai desenvolver uma cognição parecida com a dos humanos”, afirma Owen.
Nenhuma dessas abordagens resolve o que muitos consideram ser o “problema difícil” da consciência: a consciência subjetiva. Ninguém sabe ainda como projetar o software para isso. Mas, à medida que as máquinas se sofisticam, o problema pode desaparecer — ou porque a consciência vai emergir de forma espontânea ou porque simplesmente vamos presumir que ela surgiu sem ter certeza disso. Afinal, quando se trata de outros seres humanos, só podemos supor que eles têm consciência subjetiva também.
Embora talvez nunca saibamos com certeza se uma máquina está expressando a consciência ou apenas aparentando fazê-lo, a construção de uma máquina desse tipo iria revolucionar a nossa compreensão do cérebro. “Meu objetivo real é descobrir como a mente funciona”, diz Franklin. “Você realmente não sabe como algo funciona até que possa construí-lo.”
Fonte: info.abril.com.br