Saiba como a Insinuante, uma ex-loja de sapatos de Vitória da Conquista (BA ), tornou-se a maior varejista do Nordeste e passou a ser cortejada pelas grandes empresas do setor
"A Casas Bahia está chegando aqui (na Bahia)
e estou pronto para chegar lá (em São Paulo)"
Luiz Batista, presidente da Insinuante
Fim da tarde em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador (BA). O empresário Luiz Carlos Batista não desgruda os olhos do imenso painel de vendas que toma uma parede inteira da sala principal do escritório central da Insinuante, a maior cadeia de móveis, eletrodomésticos e produtos eletrônicos do Nordeste e terceira do País. O olhar de Batista percorre todos os cantos do painel. Três batedeiras vendidas em Garanhus (PE), duas geladeiras em Sobral (CE), quatro microondas em Imperatriz (MA)... De repente, o até então impassível empreendedor entra em transe, corre em direção a um imenso sino, no canto da sala, e começa a tocá-lo enquanto entoa o grito de guerra da companhia, imediatamente seguido por todos os funcionários presentes: "Insinuante, aqui você manda!"
"Insinuante, aqui você manda!" "Insinuante, aqui você manda!" O ritual tem sido repetido nos últimos dias, desde o começo do ano, todas as vezes que as vendas da Insinuante atingem a meta projetada por Batista. No final de 2010, Batista tocará o sino se a Insinuante crescer pelo menos 30%, atingir R$ 2,5 bilhões de faturamento e passar de 260 para 300 lojas. Seu passo mais ousado, porém, ainda está por vir. A Insinuante pretende dobrar, ainda este ano, o número de lojas no Rio de Janeiro (de 20 para 40) e povoar um território até então não explorado pelo grupo: São Paulo. "Quero crescer no Centro-Oeste e concluir a expansão no Rio no máximo em dois anos. Assim que atingir minha meta, partirei para São Paulo", afirma Batista.
Aos 45 anos, Batista é um sujeito simpático e falante, mas pouco disposto a aparições públicas e, sobretudo, a contatos com a imprensa. A entrevista exclusiva dada à DINHEIRO é uma das raríssimas concedidas em toda sua trajetória profissional. Sua aversão aos holofotes, porém, não deve ser confundida com o desconhecimento do mercado em que atua. Batista sabe que o varejo de eletroeletrônico em São Paulo, seu principal alvo, não é para principiantes. Com a aquisição do Ponto Frio e da Casas Bahia, em apenas seis meses, o grupo Pão de Açúcar praticamente "trancou" o mercado na região Sudeste, criando uma gigante do setor com 1,8 mil lojas, 137 mil funcionários e R$ 40 bilhões de faturamento. Batista não se intimida e diz que a fusão não muda em nada o planejamento estratégico da Insinuante.
"Para mim, a fusão foi ótima - passei do quarto para o terceiro lugar", brinca Batista, para depois falar sério. "Eles (Casas Bahia) estão chegando aqui e eu quero chegar lá", diz Batista, referindo-se a entrada, pela primeira vez na história, da empresa de Michel Klein na Bahia - o grupo pretende inaugurar, no médio prazo, 30 lojas na nome de um Estado e não estar presente nele. "É ótimo que eles entrem aqui - não interessa a ninguém um mercado tão concentrado", completa o empresário. Esse cenário, porém, levou a Insinuante à condição de noiva desejada por vários pretendentes, mas o empresário manda um recado para gigantes do setor como Walmart e Carrefour, que ficaram para trás com a fusão entre Casas Bahia e Pão de Açúcar: a Insinuante não está à venda. "A minha meta é chegar ao segundo lugar (hoje nas mãos do Magazine Luiza) no setor de eletroeletrônico. E chegarei lá pelas minhas próprias forças", afirma.
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Porém, é praxe no mercado as empresas negarem qualquer tipo de proposta. Desde a compra do Bompreço, a maior rede de supermercados do Nordeste, pelo Walmart, em 2004, a Insinuante vem sendo cortejada pelas gigantes do setor de varejo.
A Insinuante começou a nascer em 1959, pelas mãos do comerciante pernambucano Antenor Batista, pai de Luiz, que após trabalhar por quase duas décadas como vendedor no Rio de Janeiro decidiu abrir o seu próprio negócio. Ficou na dúvida entre duas cidades: Brasília, a nova capital, em franca expansão, e Vitória da Conquista, município baiano também em pleno desenvolvimento, por estar situado às margens da BR-116 (Rio- Bahia), importante rodovia brasileira. Antenor acabou optando por Vitória da Conquista e abriu por lá uma pequena loja de sapatos femininos, que imediatamente batizou de Insinuante - era assim que as mulheres ficavam ao calçar os tamancos da loja, uma novidade na interiorana cidade baiana. O negócio prosperou. Anos depois, Antenor abriu uma loja de móveis, ao lado da de calçados, que logo migrou para o setor de eletrodomésticos - era preciso aproveitar a explosão da venda de televisores nos anos 70. "Meu pai era um homem à frente de seu tempo. Sempre conseguiu antecipar as novidades do mercado", reconhece Batista.
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Foi nas mãos de Luiz Batista, porém, que a Insinuante passou de uma pequena butique para um império do varejo, que multiplicou por seis vezes o seu tamanho nos últimos dez anos e está presente em todas as cidades do Nordeste com mais de 50 mil habitantes. No começo dos anos 80, o filho de seu Antenor partiu para Salvador para cursar a universidade e, em um lance ousado, decidiu abrir uma filial da Insinuante na Baixa do Sapateiro, bairro da cidade que concentrava - e ainda concentra - boa parte da população das classes C e D. Com uma política de crédito agressiva e um marketing atuante, em uma época em que as empresas davam pouco espaço para publicidade - a Insinuante chegou, pela quantidade de anúncios veiculados na TV Itapuã (retransmissora do SBT) a ser chamada na cidade de "a Loja de Silvio Santos (leia quadro na página 45) -, Batista foi derrubando todos os concorrentes.
"Luiz tinha um feeling para os negócios impressionante para um rapaz de 18, 20 anos. Ele conseguiu juntar dinheiro suficiente para se capitalizar e financiar as vendas e conquistou rapidamente o consumidor de baixa renda", afirma Edson Duarte Mascarenhas, presidente em exercício da Federação do Comércio do Estado da Bahia. Um a um os concorrentes locais foram derrubados: Ipê Eletrodoméstico, Correia Ribeiro, Casa Corcovado e Provedora Móveis e Eletrodomésticos. "Hoje, a Insinuante precisa manter o ritmo de crescimento para não ser engolida por alguma gigante. O Luiz está em uma bicicleta que não pode mais parar", afirma Mascarenhas.
Para o economista e consultor de varejo Nelson Barrizelli, tanto a Insinuante quanto a Casas Bahia precisam ter muito cuidado na hora de pisar em um terreno desconhecido. "Em varejo, nem sempre tamanho é documento. Veja o exemplo da Casas Bahia que tentou entrar no mercado do Rio Grande do Sul e não teve sucesso, exatamente por desconhecer as idiossincrasias do comércio local ", diz Barrizelli. Segundo o consultor, a mesma lição vale para a Insinuante, que ao entrar em São Paulo estará, pela primeira vez, competindo diretamente com grandes empresas.
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Na Bahia, atualmente, ela tem apenas a concorrência da Ricardo Eletro, rede mineira que tem se expandido rapidamente pelo Nordeste. "A Insinuante tem chances de sucesso se migrar para praças ainda pouco exploradas do Estado de São Paulo, como cidades de médio porte. Se resolver entrar na capital, terá de abrir um grande número de lojas, pois o custo de propaganda será muito alto e só seria viável se fosse repartido por todas as unidades", afirma Barrizelli.
A expansão da Insinuante para o Sudeste e a ida da Casas Bahia para o Nordeste não é apenas uma questão de busca de mercado e sim de sobrevivência. É o que pensa o consultor Claudio Felisoni, coordenador-geral do Programa de Administração do Varejo (Provar), "A margem de lucro do setor de bens duráveis que sempre foi baixa está hoje próxima de zero. Para ganhar dinheiro é preciso ter volume e para ter volume é preciso expandir o território, ampliar suas operações", afirma Felisoni. Perguntado sobre quem terá melhor sorte, a Insinuante no Sudeste ou a Casas Bahia no Nordeste, o consultor diz que a segunda leva vantagem por sua grande estrutura, fortalecida após a fusão com o Pão de Açúcar. "A Casas Bahia reúne condições mais favoráveis, músculos mais potentes e tecnologia de distribuição fortíssima. Porém, mesmo assim, terá dificuldades de entrar em um território amplamente dominado pela Insinuante e que ela conhece como poucos", diz Felisoni. Batista diz respeitar a concorrência, mas acha difícil que qualquer grupo do setor de eletromóveis, por mais força que tenha, consiga ter sucesso a curto e médio prazo no Nordeste. "A Insinuante faz parte da cultura do cidadão nordestino e isso não se muda do dia para a noite", afirma Batista. A política de crediário do grupo é agressiva e não difere muito de outras empresas do setor - mais de 80% das vendas são realizadas a prazo. Os clientes pagam o carnê na própria loja nos fins de semana, sem depender do horário dos bancos. Só a chamada "linha branca" (composta por geladeiras, fogões e máquinas de lavar), beneficiada com a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), corresponde a 20% do faturamento da Insinuante. Muito antes de o Nordeste apresentar taxas de PIB acima da média nacional, Batista já investia na região. Quando esta começou a crescer, a Insinuante já estava posicionada. "Nós temos milhões de nordestinos cadastrados no nosso sistema. Um patrimônio que nos pertence e será uma das armas que vamos usar contra a nova concorrência", diz Batista.
A Insinuante aposta todas as fichas em seu marketing agressivo para fazer frente aos gigantes do varejo. Para tanto, construiu um centro de produções dentro da sede principal, em Lauro de Freitas, capaz de gravar 20 comerciais por dia.
São mais de mil inserções comerciais diárias na televisão e em torno de 40 milhões de tablóides distribuídos por ano. Batista pretende investir R$ 80 milhões em publicidade em 2010, o que faz da Insinuante a maior anunciante do Nordeste, a segunda de seu segmento e a décima sexta do Brasil. "Estamos atentos a todos os detalhes. Recentemente, trocamos a cor da marca de marfim, que era usada desde os tempos de meu pai, para o laranja, a mais insinuante das cores", diz Batista. Se a cor precisa ser chamativa como o nome da marca, o mesmo não se pode dizer do seu dono. Batista herdou a discrição e timidez do pai (seu Antenor, aos 81 anos, está afastado das decisões administrativas da empresa) - jamais será visto, por exemplo, apresentando um comercial da Insinuante, como fez recentemente Samuel Klein, o fundador da Casas Bahia. Seu grande prazer está em viajar pelo Brasil e checar pessoalmente o desempenho de suas lojas e, claro, acompanhar os painéis de venda da matriz em Lauro de Freitas. Enquanto o sino não tocar, estão todos proibidos de arredar o pé da empresa.
A "Loja de Silvio Santos
Nos anos 80, quando decidiu abrir uma loja da Insinuante na Baixa do Sapateiro, a primeira de Salvador, Luiz Batista ficou sem um tostão no bolso. Não havia dinheiro para mais nada, apenas para investimentos na terceira unidade do grupo. Foi com espanto, portanto, que ele recebeu a proposta de um vendedor da TV Itapuã (retransmissora do SBT), que oferecia ao empresário inserções comerciais no programa Silvio Santos, um dos dominicais de maior audiência da televisão. "Você está maluco? Não tenho dinheiro para pagar uma propaganda anunciada pelo Silvio Santos", lamentou Batista.
O vendedor explicou ao empresário que quem faria o anúncio não era o famoso apresentador e sim seu locutor oficial, Luiz Lombardi. Batista negociou: disse que topava, desde que a propaganda nos primeiros quatro domingos saísse de graça. No primeiro domingo, no momento em que Silvio Santos convocou seu locutor, o sinal da TV Itapuã entrou na rede nacional e uma voz, parecida com a de Lombardi, porém com sotaque baiano, entrou no ar, anunciando o comercial da Insinuante. "Achei aquilo tudo meio esculhambado, uma tiração de sarro, mas em menos de um mês depois das propagandas as minhas vendas duplicaram", lembra Batista. "Eu peguei minhas economias e comprei absolutamente todos os comerciais da grade de programação." Resultado: por muitos anos, os baianos acharam que a Insinuante pertencia a Silvio Santos e se sentiam orgulhoso de comprar na loja do apresentador e ídolo. Batista, na dele, nunca desmentiu.
Fonte: istoedinheiro