Ele já é o homem mais rico do Brasil, sonha em ter a maior fortuna global e agora quer a Vale. Mas antes precisa combinar com os adversários e melhorar os resultados das suas próprias empresas
No dia 2 de Setembro, o presidente Lula foi ao rio de Janeiro participar de uma solenidade de distribuição de diplomas a alunos carentes. Depois disso, teve uma reunião reservada com o governador Sérgio Cabral e com seu vice, Luiz Fernando de souza, o pezão, no hotel Windsor, na barra da tijuca. No encontro, Cabral falou de sucessão estadual, mas avançou num tema explosivo: a transferência do controle da Vale, maior empresa privada nacional, das mãos da Bradespar, que é do Bradesco, ao empresário Eike batista, dono do grupo EBX e homem mais rico do país. “O governo tem alguma restrição?”, perguntou Cabral. Lula respondeu que não. Disse até que via com bons olhos a operação. Um negócio com implicações políticas, pois os maiores acionistas da Valepar, que controla a Vale, são a previ, fundo de pensão dos funcionários do banco do brasil, e o BNDES. Dias depois, esse início de conversa vazou, obrigando o presidente da Vale, Roger Agnelli, indicado pelo Bradesco, a marcar uma audiência com o presidente Lula. Em brasília, na terça-feira 8, ele se surpreendeu ao encontrar na reunião o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, um dos acionistas, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que tem influência direta no banco do brasil, patrocinadora da Previ. Apesar das pressões, Agnelli listou os investimentos que a Vale está realizando no País – US$ 9 bilhões ao todo – e disse ainda que o Bradesco está satisfeito com seu investimento na mineradora. Portanto, o banco não está disposto a vendê-la. “o Eike tentou arrombar a porta”, disse à DINHEIRO um diretor do banco.
O não do Bradesco deveria, em tese, fechar as portas da Vale para a investida de Eike. Mas a história não chegou ao fim. O dono do grupo EBX já fez uma oferta de R$ 9 bilhões pelas ações da Bradespar e estuda aumentá-la. “Eike é Eike”, disse à DINHEIRO uma pessoa próxima ao empresário. É dado a missões impossíveis e tem uma ambição ilimitada. Vendendo ações de empresas pré-operacionais, ele conseguiu se transformar no homem mais rico do Brasil, com um patrimônio estimado em US$ 20 bilhões. Depois, anunciou publicamente que teria a maior fortuna do mundo, ultrapassando nomes como Bill Gates e Warren Buffett. E agora quer ter uma posição no bloco de controle da Vale, uma empresa avaliada em mais de R$ 190 bilhões. Um sonho, à primeira vista, impossível, mas que ganhou uma janela de oportunidade depois que o governo federal começou a demonstrar, de forma explícita, insatisfação com a gestão de Agnelli na Vale. Em vários discursos, o presidente Lula criticou a estratégia da empresa, alegando que o Brasil não deveria exportar apenas o minério, mas sim o produto acabado, na forma de aço ou produtos industrializados, como fazem os chineses. E cobrou de Agnelli a instalação de siderúrgicas em Estados governados por aliados, como o pará, da petista Ana Júlia. “O Roger não colabora com o PAC e está me enrolando”, disse Lula, a assessores diretos. O presidente chegou até a pedir a seus assessores jurídicos que estudassem o contrato de privatização para avaliar se o governo poderia exercer sua golden share na mineradora. Portanto, uma mudança de controle da Vale teria apoio do planalto. E Eike, que foi o maior patrocinador do filme Lula, o Filho do Brasil, doando US$ 1 milhão, ainda não desistiu.
Na operação idealizada pelo empresário não seria feita uma compra direta da mineradora, mas sim da Bradespar, a empresa de participações do Bradesco que está no bloco de controle da Vale. A oferta foi levada por Eike aos dois homens fortes do Bradesco, Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabucco Cappi, no dia 26 de agosto, quando o dono da EBX veio a São Paulo e se hospedou no Hotel Unique. A aproximação foi costurada pelo governador Sérgio Cabral e também pelos banqueiros André Esteves e Antônio Carlos porto Filho, o totó, da BTG. Ex-BCN, totó mantém boas relações com o Bradesco. O dinheiro para a compra viria de um eventual IPO da EBX, que reuniria todos os ativos de Eike. E, para estruturar o negócio, ele chegou a contratar vários bancos de investimento, como o Itaú BBA e o Credit Suisse. Eike criou ainda um discurso sob medida para os sonhos estatizantes do governo: o de que poderia se candidatar a uma vaga no conselho de administração, abrindo espaço para uma gestão mais compartilhada com os fundos de pensão e o BNDES, que possuem mais de 60% das ações de controle, mas, na privatização, cederam a gestão à Bradespar, que tem 17,5% – o outro sócio relevante, com 15%, é a trading japonesa Mitsui. “Na prática, o Eike seria a cara privada de uma reestatização branca”, disse à DINHEIRO um alto dirigente do PT. Em contrapartida, o dono da EBX venderia à Vale suas principais empresas, como a mineradora MMX, o porto LLX e, eventualmente, até a petrolífera OGX. “Eike poderia assim monetizar seus investimentos”, disse Victor Mizusaki, da Itaú Securities, num relatório distribuído a clientes. Coincidência ou não, na terça-feira 8, as ações da Bradespar dispararam, subindo 10%, assim como os papéis de quase todas as empresas de Eike.
Depois de vender metade da MMX por US$ 5,5 bilhões e listar quatro empresas na bolsa, ele tem patrimônio de US$ 20 bilhões
Nesse desenho, alguns interesses seriam atendidos. O dono da EBX conseguiria migrar de um mundo ainda virtual, com negócios que hoje existem mais no papel do que na realidade, para uma posição relevante na maior empresa privada do País. O governo, por sua vez, teria voz de comando na companhia. Mas, para o Bradesco, a única vantagem seria se ver livre das pressões do governo. No comando do PT, uma ideia que já se discute abertamente é a nomeação de Sérgio rosa, chefe da previ, para a presidência executiva da Vale em abril de 2010, quando termina seu segundo mandato à frente do fundo de pensão. “O Estado deverá exercer mais poder dentro da Vale por meio da previ, do BNDES e dos outros fundos”, adiantou à DINHEIRO o ex-senador José Eduardo Dutra, que é o favorito na disputa para ser o próximo presidente nacional do PT.
A eventual retomada da Vale também serve ao discurso de campanha que o partido vem construindo para as eleições presidenciais de 2010. Inspirado pelos conselhos de três ministros que hoje formam um novo núcleo duro do palácio do planalto, Dilma Rousseff, Franklin martins e Luiz Dulci, Lula quer repetir no ano que vem a estratégia vitoriosa de 2006 – a de um pt que abraça o Estado forte contra um PSDB privatista, mas sem coragem de defender suas privatizações. O tema da Vale foi usado pelo presidente Lula em nove discursos recentes. Num deles, em dezembro do ano passado, o recado foi direto: “há pouco eu falei para o companheiro Roger que ele não pode continuar só vendendo minério de ferro e que era importante colocar valor agregado nos produtos da Vale do Rio Doce.” Num outro, em maio do ano passado, Lula disse que “não sossegaria um dia” enquanto a Vale não instalasse uma siderúrgica no Pará – e o fato é que a empresa irá mesmo construir a Aços Laminados do Pará, muito embora a siderurgia brasileira esteja hoje com 50% de ociosidade. “A Vale só investe no sob pressão”, disse à DINHEIRO a governadora Ana Júlia.
A questão mais relevante, no entanto, vai muito além da exploração política do assunto. Uma mudança no comando seria positiva ou negativa para a Vale? boa ou ruim para o país? Enquanto esteve sob a gestão da Bradespar, a Vale multiplicou por dez seu valor de mercado, comprou a Inco, maior mineradora do Canadá, e tornou-se a segunda maior do mundo em seu setor. Além disso, o brasil passou a ter o poder de fixar os preços do minério de ferro no mercado internacional – o que se reverteu positivamente nos números da balança comercial. E mesmo quando Agnelli deu um passo em falso, costurando uma operação de Us$ 90 bilhões para a compra da rival Xstrata pouco antes do crash das bolsas de valores, ele foi socorrido por uma espécie de anjo da guarda – a Xstrata acabou rejeitando a oferta que tornaria a empresa brasileira excessivamente endividada para um mundo pós-crise. Outro argumento em favor da gestão privada é muito simples. Nos 55 anos em que foi estatal, a Vale distribuiu apenas US$ 3 bilhões em dividendos aos sócios – o maior deles, a União. Nos 12 anos de privatização, o valor subiu para US$ 11 bilhões. Portanto, o Bradesco enxerga que a gestão de Agnelli foi boa não só para a Bradespar, mas sobretudo para grandes acionistas, como Previ e BNDES.
Em relação a Eike, que preferiu não conceder entrevista à DINHEIRO, alegando não comentar rumores de mercado, ainda é prematuro fazer um julgamento sobre seu desempenho empresarial. Quase todas suas companhias foram criadas depois de 2005, num momento de euforia com os lançamentos de ações, os chamados ipos, e ainda são promessas futuras. Embora o sucesso no mercado de capitais seja inquestionável, o mesmo não pode ser dito das empresas, quando examinadas no aspecto operacional. A mineradora MMX, a “mini-Vale” de Eike, apresentou prejuízo de R$ 848 milhões no ano passado e perdeu R$ 121,7 milhões no primeiro semestre deste ano. O que fez com que as ações subissem mais recentemente não foram os resultados, mas sim a expectativa de venda. Eike chegou até a negociar a MMX com grupos chineses, o que torna ainda mais polêmica sua possível entrada na Vale, pois a China, que é a maior compradora de minério de ferro do mundo, tem interesse em reduzir o preço do principal produto da balança comercial brasileira. E foi exatamente por isso que a Austrália vetou a venda da Rio Tinto a um grupo chinês.
No império de Eike, que também já foi alvo de uma operação da Polícia federal chamada de toque de Midas, a empresa mais valiosa é a petrolífera O GX, hoje avaliada em mais de R$ 35 bilhões. É um valor superior ao da Companhia Siderúrgica Nacional. Ainda em fase pré-operacional, a OGX começaria a produzir em 2012. Recentemente, o presidente da companhia, Rodolfo Landim, foi subs-tituído pelo próprio Eike. Trocas de comando ocorreram em todas as outras empresas do grupo, como a LLX e a MMX. Nesta, quem assumiu o leme do barco foi o banqueiro e ex analista de ações Roger Downey, do Credit Suisse, o que sinaliza que a gestão da empresa talvez esteja mais orientada à realização de algum grande negócio na área de fusões e aquisições do que propriamente à sua atividade-fim no setor mineral.
O modelo de negócios de Eike também pode ser colocado em dúvida pela própria postura do empresário. Depois de vender ações de empresas de minério de ferro, portos, energia e petróleo, ele anunciou já estar pensando num futuro ipo: o do estaleiro que ele pretende criar para produzir os navios que trabalharão para a OGX. “Daqui a pouco, ele vai fazer ipo para a venda do motor do navio, depois do parafuso do motor, e assim por diante”, disse à DINHEIRO o diretor de um grande banco, que preferiu não se identificar. “Ele precisa começar a entregar resultados concretos.” Filho de Eliezer batista, que foi presidente da Vale, Eike tem o direito legítimo de ambicionar uma posição na empresa. Seu pai foi quem implantou o projeto mais importante da história da empresa – o de Carajás, no Pará – e também quem internacionalizou a mineradora. Eliezer é uma pessoa tão ligada à história do setor mineral no brasil que já foi acusado até de ter repassado o mapa do subsolo nacional ao filho – uma intriga maldosa. Eike construiu sua fortuna dentro das regras de mercado, aproveitando-se da euforia nas bolsas de valores. Mas a maneira como conduziu seu ataque à gestão do Bradesco, sinalizando inclusive que Agnelli seria demitido, serviu apenas para indispô-lo com os atuais controladores da empresa. Impetuoso, o homem mais rico do brasil talvez tenha tropeçado nas suas próprias ambições.
Fonte: IstoÉ dinheiro
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