Além de irreversível, a valorização da moeda brasileira reflete a força da economia nacional e traz mais benefícios do que danos às empresas
Na semana passada,o ex-presidente dos estados Unidos Bill Clinton veio ao Brasil pela sétima vez e contou uma pequena história pessoal. disse que na primeira visita, em 1997, sua missão era nos socorrer de uma crise cambial - naquele ano, após um pedido do ex-presidente Fernando henrique Cardoso, o Tesouro norte-americano abriu uma linha especial de US$ 41 bilhões ao País. Agora, Clinton se diz maravilhado ao encontrar um Brasil com US$ 206 bilhões em reservas, enquanto os estados Unidos emitem trilhões em novas dívidas.
"Parece que invertemos nossos papéis", gracejou. Por trás da brincadeira, há uma nova realidade econômica se impondo. inesperada, surpreendente, mas que traz uma consequência tão óbvia quanto inevitável: a valorização da moeda brasileira diante do dólar. o real forte reflete o novo peso do Brasil no quadro internacional. É, portanto, uma boa notícia. Mas a mudança não foi acompanhada por muitos analistas. Até autoridades econômicas, responsáveis pelo sucesso, ainda agem como se o Brasil vivesse sob o risco permanente de novas crises cambiais.
Nos últimos dias, dois ministros, Guido Mantega e Miguel Jorge, demonstraram receio com a valorização do real, assim como o chefe do BNDES, Luciano Coutinho. Os recados foram ignorados pelos agentes reais da economia - empresários e investidores -, que reforçaram apostas no Brasil. Só em maio, US$ 2,7 bilhões entraram no País, no melhor resultado desde 1995. e, não eram recursos especulativos, mas sim voltados à produção. essa avalanche de dólares fez com que a cotação do dólar caísse de r$ 2,40 para pouco mais de r$ 1,90 nos últimos dois meses. e quando isso acontece, a história é sempre contada pelo ângulo dos que gritam ou choram mais alto: os exportadores.
A questão é que, desta vez, ao contrário do passado, a força do real não está trazendo, como efeito colateral, nenhum prejuízo às contas externas brasileiras. o saldo comercial de janeiro a maio deste ano já atingiu a marca de US$ 9,3 bilhões e supera em 10% o resultado do ano passado. e, ainda que os exportadores venham a ter que reduzir suas margens de lucro, falta contar a história do real forte pelo lado dos vencedores - que são bem mais numerosos do que os perdedores. Uma moeda forte significa uma população com maior poder de compra, um mercado interno mais robusto, uma inflação mais baixa, uma indústria mais produtiva e uma sociedade mais conectada com o resto do mundo.
Não por acaso, a grande maioria dos empresários está feliz com os músculos da moeda brasileira. Tome-se o exemplo da construção civil. rubens Menin, dono da construtora MrV, a maior do segmento popular, diz que o real forte traz uma oportunidade histórica para o País. "nossa inflação pode cair de 4% para 2% ao ano, convergindo com os padrões de Primeiro Mundo", diz ele. isso agregaria milhares de novos consumidores ao setor imobiliário, que multiplica seu ritmo de crescimento em ambientes mais estáveis. "o custo das matériasprimas, como os metais e os tubos de PVC, também está caindo drasticamente", reforça Cláudio Conz, presidente da Anamaco, a associação das empresas de materiais de construção. A MrV, que está lançando r$ 2,9 bilhões em imóveis neste ano, também fará uma nova emissão de ações nas próximas semanas, que pode chegar a r$ 500 milhões. essa reabertura do mercado reflete a maior demanda externa por ativos brasileiros.
"Uma moeda não tem que ser valorizada nem desvalorizada; tem que ser apenas real", resume o construtor rubens Menin. Num mercado de consumo de massa, como a telefonia, o real forte beneficia empresas e consumidores.
A Claro, com 40 milhões de clientes, decidiu acelerar o plano de investimentos de US$ 1 bilhão para implantar uma rede de banda larga em todo o País. "Assim como os nossos equipamentos ficaram mais baratos, também caiu o custo dos aparelhos", disse à dinheiro o presidente da empresa, João Cox. em pesquisas internas, a Claro constatou que há uma imensa demanda reprimida por smartphones no Brasil e que os usuários que já têm banda larga no celular acessam mais a internet no telefone do que em casa.
"A principal barreira de entrada desse mercado está derretendo", diz ele. e Cox ainda afirma que não há muito o que o governo possa fazer para conter a enxurrada de dólares. "Quem diria que a moeda brasileira se transformaria numa das mais seguras do mundo?" na prática, a valorização é o preço do sucesso.
O DÓLAR QUE ENTRA NO PAÍS É VOLTADO À PRODUÇÃO, E NÃO MAIS À ESPECULAÇÃO
Uma moeda segura é também um artigo de luxo. e o que ocorre com o real é exatamente o oposto do que está acontecendo com a moeda americana. "o mundo inteiro está se desfazendo de dólares", avalia o economista Alexandre espírito Santo, da eSPM do rio de Janeiro. Na semana passada, o próprio presidente do banco central americano, Ben Bernanke, alertou para o crescente déficit fiscal dos Estados Unidos.
É neste mundo que o real ganha força a cada dia. e, ao contrário do que pregam os advogados da moeda fraca, isso está longe de acarretar riscos de uma "desindustrialização" do País. Aliás, o momento em que a indústria brasileira mais cresceu nos últimos anos foi justamente o período précrise, em que o dólar esteve cotado a r$ 1,65. "A demanda aquecida do mercado interno anestesia qualquer variação cambial", avalia Antônio dadalti, vice-presidente da montadora de caminhões iveco. "o Brasil é hoje o melhor mercado do mundo." depois de crescer 8% em 2008, ele prevê uma expansão de 11% neste ano. o desafio que a valorização do real impõe para as empresas brasileiras é de outra natureza.
Como muitos preços são fixados em dólar, o que importa é tentar estimar qual é a tendência real da moeda, em cada situação. "no quadro de hoje, a relação entre dólar e real está mais para r$ 1,50 do que para r$ 2", disse à dinheiro o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. Até porque o Brasil, grande produtor de alimentos, minérios e futuramente de petróleo, está se transformando num país estruturalmente superavitário - e com uma moeda diretamente ligada aos preços desses produtos (leia gráfico à página seguinte). "o real forte significa salário maior para o trabalhador, num país que também enriqueceu", diz ele.
O aspecto positivo é que a valorização do real vem se dando de forma absolutamente natural, sem qualquer tipo de artificialismo. "este não é um câmbio teórico", diz Manuel Corrêa, diretor-geral do grupo francês Saint-Gobain. "e se nossas exportações ficarem menos competitivas, o único jeito será buscar mais produtividade nas fábricas." outros exportadores também têm adotado uma postura mais positiva diante de um fenômeno que, ao que tudo indica, veio para ficar. "Como a valorização do real não é uma maré passageira, estamos diversificando nossos clientes", diz Marcelo Stewers, diretor de comércio exterior da Teka, uma das maiores fabricantes de itens de cama, mesa e banho da América Latina. "Se as vendas para os Estados Unidos caíram, eles crescem em outros mercados.
" O diretor Carlos Zignani, da Marcopolo, uma das maiores fabricantes de ônibus do mundo, aponta outro fenômeno importante. "Não é só o real que está ganhando valor diante do dólar", diz ele. "Como as moedas de muitos dos nossos mercados também estão se fortalecendo, a relação de troca com o real não mudou muito."
Chorar, reclamar e espernear pode gerar manchetes em jornais, mas não melhora em nada a última linha do balanço das empresas. E isso está sendo percebido pelo setor que mais exporta na economia brasileira: o agronegócio. "O Brasil já é o país mais competitivo do mundo", diz Walter Horita, que tem 32 mil hectares plantados de algodão na Bahia. "Isso significa que se o real se desvalorizar ganharemos mais, mas não significa que estejamos perdendo dinheiro com o real forte", admite o produtor.
Ele também diz que a moeda excessivamente fraca - que esteve acima de R$ 3,50 no início do governo Lula - era ruim para o setor. "Não conseguíamos investir e trazer equipamentos." Outro agricultor importante, o empresário Ronald Levinsohn, que produz soja no oeste da Bahia, vê o real forte como um estímulo a mais. "É um incentivo à profissionalização das empresas rurais", afirma.
E mesmo as entidades que representam o setor já começam a adotar um discurso mais conciliador. "Nos próximos anos, a discussão sobre queda de barreiras e acesso a mercados será muito mais importante do que o debate cambial", aponta Pedro de Camargo Neto, presidente da Abipecs, que reúne os exportadores de carne suína. Ele, no entanto, faz uma ressalva.
O real forte também abre espaço para a queda dos juros. "Quando o Brasil tiver taxas internacionais, cairá a última desculpa dos empresários", diz ele. Isso acontecerá logo, segundo aposta Gustavo Franco. O ex-presidente do BC prevê que o Brasil terá juros nominais de 5% ao ano muito mais rápido do que se imagina. O real forte também provoca efeitos mais sutis, mas não menos relevantes na sociedade.
Como o Brasil e os brasileiros ficaram mais ricos, podem ter mais acesso ao que o mundo oferece de bom em todas as áreas. "Nosso cliente passa a ter mais opções de consumo de maior qualidade", aponta Sandro Benelli, diretor de compras globais do Pão de Açúcar. "O real forte também favorece a qualificação internacional dos nossos alunos e professores", diz Roberto Montezano, coordenador dos cursos de mestrado do Ibmec.
E no turismo o impacto é também imediato. "Tivemos de aumentar em 40% a oferta de assentos nos voos internacionais para os brasileiros", diz José Coimbra, diretor comercial da British Airways. "Vamos incluir mais 25 milhões de brasileiros no mercado de viagens marítimas", aposta Fábio Trigo, diretor da MSC Cruzeiros. Portanto, quando um país valoriza sua moeda de forma natural e sem gerar desequilíbrios nas contas externas, a grande maioria agradece.
Fonte: IstoÉ Dinheiro
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