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terça-feira, 23 de junho de 2009

Indústria automobilística dos países ricos elege carro elétrico como próxima tecnologia; nesse caso, o que resta para o etanol?

Os dias do etanol como combustível líquido dos automóveis podem estar contados — contados em décadas, não em dias; e se não contados, limitados. A indústria automobilística parece já ter escolhido o que vai mover o transporte urbano no mundo do futuro: o carro elétrico. Pessoas de ambos os setores — automobilístico e sucroalcooleiro — que estiveram no Ethanol Summit e participaram dos debates sobre a tecnologia flex fuel e sobre o combustível do futuro, no dia 2 de junho, em São Paulo, apostam nessa virada tecnológica.

Na noite do dia 1º, o ex-presidente Bill Clinton, em seu discurso no final do primeiro dia de trabalhos, já havia ligado os motores elétricos ao carro do futuro. E explicado o lugar que pode vir a ser o do etanol: nos muitos países pobres que, sem condições de importar a nova tecnologia, continuarão a rodar com motores a combustão. "Para esses mercados, o etanol brasileiro é o melhor produto disponível", afirmou Clinton.

Em ambos os debates, ouviu-se o mesmo: como a transição será lenta, o papel do etanol no futuro poderá ser o de abastecer os carros convencionais, que vão continuar existindo, e também o de fornecer a segunda fonte de energia para os carros elétricos. Os debatedores acreditam que várias soluções tecnológicas vão conviver no mercado, de acordo com as características e interesses de cada país. O etanol pode, ainda, ser matéria-prima para produção de gasolina, diesel e combustível para aviação, entre outras possíveis aplicações.

O debate sobre o combustível do futuro

A União dos Produtores de Cana-de-Açúcar (Unica) e o grupo The Economist foram os organizadores dessa mesa redonda. O jornalista Geoffrey Carr, editor de ciência da revista The Economist, moderou o debate. Sentaram-se para discutir o tema Henrik Fisker, presidente da Fisker Automotive, produtor de veículos elétricos; Prabhakar Patil, presidente da Compac Power, produtora de baterias e grande interessada em veículos elétricos; e John Melo, presidente da Amyris, que trabalha com biologia sintética e já criou micróbios especialmente desenhados para produzir etanol e novos tipos de biocombustíveis. "A ideia desse painel foi a de provocar polêmica entre o principal produtor de carro elétrico no mundo, a Fisker, uma pessoa que defende carros pequenos, o Patil, e o Melo, um defensor do uso da cana para etanol de primeira e segunda geração", explicou a Inovação o presidente da Unica, Marcos Jank.

Antes do debate propriamente dito, no Ethanol Summit, os palestrantes discutiram o assunto via Internet. O resultado da conversa entre eles, contou Carr, foram três votos a favor de que o veículo do futuro será movido a eletricidade e um a favor dos biocombustíveis líquidos. Ele não explicitou a voz discordante do grupo, mas ficou claro que Melo, da Amyris, foi quem votou pelo etanol. Melo e Fisker deixaram clara sua opinião sobre o fim da era do petróleo. Melo defendeu que o etanol é a melhor fonte de combustível para os veículos; Fisker, que é a eletricidade. Para ele, contudo, ainda vai demorar pelo menos 50 anos para que se desenvolva a infraestrutura para atender os carros elétricos, em especial no que se refere ao modo de reabastecê-los, totalmente diferente dos postos de gasolina, diesel e etanol que conhecemos. Ele acredita, ainda, que os elétricos serão bons veículos para grandes cidades, onde a questão da poluição é muito presente. Para Patil, o atual período é de transição entre os modelos baseados em petróleo e em energia renovável, mas o futuro é o carro elétrico.

Durante o debate em São Paulo, Carr questionou se a tecnologia do carro elétrico é realmente "mais verde". Isso porque ela gera o problema do uso de baterias, que atualmente levam lítio, cobre e alumínio, por exemplo, entre outros compostos. O que fazer com elas? Além disso, o carro elétrico promoverá um aumento no consumo de energia elétrica. Quem vai fornecer essa energia aos carros? Fisker respondeu que o problema não é saber que tecnologia veicular é mais verde, mas gerar energia localmente. E essa energia deve sim ser produzida de maneira sustentável, seja pela forma eólica, solar ou hídrica, e até mesmo o etanol pode ser usado para produzir a quantidade extra que será necessária para os automóveis. Melo rebateu dizendo que está olhando para daqui 20 a 30 anos, não 80 a 100 anos. Nesse caso, usar biocombustível, para ele, ainda é a melhor opção. Patil respondeu: de acordo com ele, as baterias que sua empresa produz são totalmente recicláveis — o lítio é uma substância não tóxica, usada inclusive em medicamentos; o alumínio e o cobre têm valor comercial e são reaproveitados pela indústria. O empresário contou que estão sendo montadas a infraestrutura e as operações necessárias para reciclagem dessas baterias, sem especificar em que países isso estaria ocorrendo.

Instigado pelas perguntas da plateia, Fisker também falou da China. Para ele, o país que provavelmente liderará a produção de veículos elétricos será os EUA. Carros elétricos chineses não teriam certificação e não atenderiam aos requisitos de qualidade e segurança exigidos no mercado dos EUA e da Europa. Contudo, ele acredita que os chineses têm potencial para desenvolver mais rápido a tecnologia, devido aos recursos financeiros de que dispõem. Daí achar que existe uma possibilidade de os EUA perderem essa corrida. Fisker lembrou que a tecnologia do carro elétrico é "disruptiva" — radicalmente nova —, o que não acontece com a tecnologia do etanol, que usa o carro e a infraestrutura que já existem. Já o carro elétrico requer um redesenho completo dos automóveis, porque não se trata de simplesmente instalar a bateria no motor a combustão atual. O jornalista Carr, da revista The Economist, contrapôs a falta de regulamentação na China a um ambiente mais livre para experimentação, o que poderia fazer a diferença na velocidade do desenvolvimento tecnológico chinês em relação ao norte-americano.

Jank, presidente da Unica, assistiu a todo o debate sentado na plateia, e questionou os convidados sobre se haveria energia elétrica para abastecer todos esses veículos. Os empresários que defenderam os carros elétricos foram unânimes em dizer que a tecnologia não será adotada no curto prazo, nem de forma maciça imediatamente, e que por isso haveria tempo para pensar nas alternativas de produção de energia mais limpa, de forma que essa não seria uma questão fundamental para o uso dos veículos elétricos hoje. Fisker lembrou que a bateria ainda é muito cara e que os carros movidos a gasolina continuarão mais baratos por um longo tempo. "Temos de começar essa transformação, e para isso precisamos iniciar a construção dessa energia limpa", destacou. Durante o debate, ele disse não ser possível para as empresas resolver os problemas de emissões de gases poluentes e de impacto ambiental de toda a cadeia produtiva automotiva. "Mas posso resolver a questão do carro", afirmou. O resto, para ele, caberia aos outros atores da cadeia buscar, inclusive a energia mais limpa.

Outra questão vinda da plateia foi sobre o eventual uso do etanol como fonte de hidrogênio para células a combustível — outra possível rota para o transporte urbano. Patil falou que há dificuldades na geração e distribuição do hidrogênio e que o custo ainda é muito alto. Ele lembrou que embora a tecnologia venha sendo trabalhada há pelo menos 15 anos, até agora não há uma ideia muito clara sobre quando ou sequer se ela será viável comercialmente. Ele acrescentou que o Brasil encontrou, com o etanol usado nos carros flex e na geração de energia por meio da queima do bagaço nas usinas, "algo extraordinário, que precisa e continuará a ser usado, mas que não é sustentável do ponto de vista global".

No caso, Patil estava se referindo a dificuldades apontadas, por exemplo, por Ian Dobson, gerente de tecnologia da BP Biocombustíveis, que investe na produção comercial de biobutanol nos Estados Unidos e na produção de etanol a partir de celulose no Brasil. Dobson participou de outro painel do Ethanol Summit, que tratou das novas tecnologias para o etanol de segunda geração, ocorrido no começo da tarde do dia 1o de junho — durante o qual mencionou os "problemas" de países que não o Brasil para a adoção do etanol. "No Brasil, a cadeia [de veículos e combustíveis] já está adaptada ao etanol. Além disso, há coisas no Brasil que não podem ser feitas em outros lugares do mundo. Por exemplo, nos Estados Unidos, passado o limite de 10% de mistura do etanol na gasolina, os fabricantes dos motores não dão mais garantia. Há também questões de infraestrutura [para a chegada do etanol aos postos]", enumerou.

Ao final do debate, Jank destacou a Inovação questões que ficaram em aberto para os defensores do carro elétrico: como será trabalhada a reciclagem da bateria, quando esta tiver sua vida útil terminada; o que será feito da frota cativa, que usa combustíveis líquidos, já que não é possível converter um carro movido a combustível líquido para um que use eletricidade; e como será a resposta à difusão dessa tecnologia nos mercados mais avançados, já que o menor consumo de petróleo deverá provocar uma queda em seus preços. Aqui há a hipótese de aumento de consumo de petróleo por países que não dispuserem da tecnologia do carro elétrico nem quiserem adotar o etanol, pois seria mais fácil manter uma frota a gasolina ou diesel. Esse crescimento do uso do combustível fóssil estará acompanhado da elevação das emissões de gases de efeito estufa, provocando assim um efeito colateral e reduzindo a eficácia do esforço dos países mais ricos na redução das emissões com a adoção do carro elétrico.

Mais sobre elétricos no debate da tecnologia flex fuel

No debate sobre os avanços relacionados à tecnologia flex fuel, que levou ao aumento do consumo do etanol combustível no Brasil a partir de 2003, também apareceu o tema carro elétrico. Alfred Szwarc, consultor de tecnologia da Unica, foi o mediador; Gábor Déak, presidente da Delphi para a América do Sul, Alfredo Guedes Júnior, responsável pela área de relações institucionais da Honda, e Henry Joseph Jr, gerente de desenvolvimento de motores da Volkswagen, os debatedores. Os representantes da Delphi e da Volks foram questionados pela plateia sobre qual perspectiva tinham para os carros elétricos. Déak, da Delphi, disse que há uma série de alternativas para o futuro e que cada local deverá escolher a que melhor lhe convier. Para ele, os elétricos serão a opção para Estados Unidos, Europa e Japão, por exemplo, mas seria "um contrassenso" incentivar a adoção maciça desse tipo de veículo no Brasil, que já tem uma solução dominada tecnologicamente, ambientalmente favorável e geradora de empregos locais, a produção de etanol e dos carros flex fuel. Para Joseph Jr, da Volks, o futuro é o carro elétrico, pois ambientalmente é o tipo de veículo mais adequado. "A questão é: quando esse futuro vai chegar? E como vamos gerar energia para isso? Se for energia termoelétrica, como hoje, esquece", respondeu.

Gábor Déak, da Delphi, foi outro empresário que questionou o tempo que a tecnologia do carro elétrico levará para chegar até o mercado de forma competitiva. "Por volta de 1985, pessoas e empresas muito sérias começaram a dizer que em quatro a cinco anos teríamos as células a combustível substituindo as aplicações diesel. Estamos em 2009 e acho que ainda há uns 15 a 20 anos para isso acontecer", comentou ele em entrevista a Inovação após o debate a respeito do sistema flex fuel. Mas sendo assim, por que os outros países não adotam a solução brasileira? "Assim como temos desconfiança em relação a um recurso estratégico como o petróleo, que os países produtores, de certa forma, utilizam para explorar os países não autossuficientes, existe essa desconfiança em relação ao etanol, pelo fato de o Brasil ser o grande produtor. Enquanto não houver uma quebra dessa desconfiança, será difícil", respondeu.

Para ele, as razões pelas quais outros países não empregam a tecnologia brasileira estão no fato de o etanol ainda não ser uma commodity, algo produzido por vários países sem risco de haver monopólio ou oligopólio. Há também a desconfiança sobre o impacto ambiental causado pelo cultivo da cana-de-açúcar. "O tempo está trabalhando contra nós, na medida em que o álcool não está se firmando como uma tecnologia adotada internacionalmente. Os veículos elétricos são claramente a tecnologia predominante para o futuro para os países que não têm álcool e não têm perspectiva de ter álcool disponível, nos centros mais desenvolvidos", apontou. Assim como Jank, da Unica, ele também disse que o etanol terá seu lugar como fornecedor da energia elétrica para os carros.

Há muitas possibilidades para o etanol avançar em outros mercados se sua produção puder ser feita por muitas nações, mesmo as que não têm produção de milho ou de cana-de-açúcar, as duas matérias-primas mais utilizadas para a produção de etanol de primeira geração, extraído da fermentação do amido, no caso do milho, e da fermentação da sacarose, no caso da cana. "Está em desenvolvimento a segunda geração do etanol, feito a partir de celulose, o que pode tornar o combustível disponível para países que hoje não o produzem. Existe uma longa vida para o etanol ainda, no mínimo no Brasil e em países com nossas características, e ele poderá conviver com veículos elétricos em outros países", concluiu Déak.

O gerente da Volks, Henry Joseph Jr, concorda com o empresário da Delphi. "Etanol é o combustível do futuro imediato, mas se olharmos no longo prazo, o etanol poderia permanecer como combustível para motores de combustão interna e poderia continuar também como combustível para células a combustível — aí, sim, alimentando motores elétricos", afirmou, em entrevista a Inovação. "O etanol como combustível continua, o que não continua é o motor a álcool, que será mudado para outra tecnologia, o motor elétrico. O que a gente não sabe ainda é como essa energia elétrica vai chegar ao motor, se por bateria, por célula a combustível", acrescentou.

Mas, como ressaltou o presidente da Unica a Inovação, o aquecimento global é um problema que precisa ser remediado com urgência. "Em vez de buscar soluções mágicas, por que não trabalhar combustível alternativo dentro do que já existe hoje, dos biocombustíveis?", questionou. "Nós não temos tempo, o mundo não pode esperar uma troca paulatina de frota, é mais fácil a gente trocar o combustível do que a frota", defendeu. Olhando para o longo prazo, Jank naturalmente concorda com os demais empresários: o etanol será um combustível importante, mesmo na era do carro elétrico. "Mesmo que existam carros apenas desse tipo, ele precisará de eletricidade e ela deverá ser feita de alguma coisa. Hoje ela é feita de carvão em boa parte do mundo, o que é extremamente sujo", explicou. Para o representante do setor sucroalcooleiro brasileiro, o etanol pode ser o gerador dessa energia.

Avanços na tecnologia do flex fuel

A Delphi, uma das empresas produtoras do sistema flex fuel utilizado nos veículos, está aperfeiçoando sua tecnologia para melhorar a partida a frio, explicou Gábor Déak. Carros a álcool demoram a dar partida quando a temperatura está muito baixa, daí a necessidade de haver nos carros flex um pequeno tanque extra de gasolina, usada apenas como auxiliar no acionamento do motor quando este está frio.

A Delphi também está trabalhando em um sistema para flex que combina diesel e etanol, que está na fase de protótipo e poderá ser aplicado em ônibus e caminhões, por exemplo. "A tecnologia é viável, está sendo desenvolvida, e a decisão de lançamento dependerá do interesse dos fabricantes de motor", comentou.

Alfredo Guedes Júnior, responsável pela área de relações institucionais da parte da empresa Honda que produz motocicletas, contou sobre o desenvolvimento da primeira moto flex fuel lançada no mercado, a CG 150 Titan, a mais vendida pela companhia. Segundo ele, o segredo da tecnologia é controlar o tempo e a precisão da quantidade de combustível a ser injetado no motor.

Uma central computadorizada é responsável por esse cálculo do tempo, e para isso o sistema detecta o volume de oxigênio após a combustão do combustível no motor. Feita a detecção do oxigênio, a injeção identifica que combustível ou quanto de cada — gasolina e etanol — está colocado no tanque, ajustando o tempo e o volume de combustível a ser injetado. Diferente dos primeiros carros flex, que têm dois tanques, um com gasolina que é queimada para ajudar na partida, a moto CG 150 Titan Flex não precisa desses dois compartimentos.

Henry Joseph Jr., gerente de desenvolvimento de motores da Volkswagen do Brasil, foi outro participante desse painel. Ele lembrou que a Volks foi a primeira a lançar um veículo flex no mercado e já está na quarta geração dessa tecnologia. Além dos carros produzidos no Brasil, veículos importados da Argentina e do México também serão flex, revelou. Na evolução da tecnologia, a Volks conseguiu melhorar a taxa de compressão do motor, ampliar a potência e o torque, sem aumentar o consumo de combustível por parte do veículo. O último salto foi eliminar o segundo tanque, de gasolina, auxiliar para a partida, resultado de pesquisa e desenvolvimento feitos em conjunto com a Bosch, um sistema chamado de E-flex. Contudo, esse sistema, por enquanto, será adotado apenas no modelo Polo da Volks. "A ideia é utilizar esse sistema em outros modelos", disse.
(J.S.)

Fonte: Inovação Unicamp

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