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segunda-feira, 8 de junho de 2009

A poluição oculta do hidrogênio

Na coluna de abril, apresentei algumas possibilidades e dificuldades do uso do hidrogênio como combustível, partindo da premissa de que dispomos de uma quantidade suficiente desse recurso para atender à nossa demanda. O maior atrativo para o uso de hidrogênio como combustível reside no seu baixo impacto ambiental. No entanto, ele não está disponível na forma como precisamos, e por isso representa uma fonte de energia menos limpa do que parece à primeira vista.

O problema ambiental do uso do hidrogênio é que ele não é encontrado de forma isolada na natureza. Ele está sempre presente em algum composto, como a água ou os hidrocarbonetos (petróleo, gás natural ou carvão, entre outros). Para ser usado como combustível, o hidrogênio precisa ser retirado desses compostos – e é nessa etapa que surge a possibilidade de poluição na tecnologia do hidrogênio.

Existem procedimentos para a extração limpa de hidrogênio. Por meio da eletrólise, por exemplo, é possível separar o hidrogênio e o oxigênio contidos na molécula da água (H2O). Com a pirólise é possível quebrar a molécula de metano (CH4), resultando em carbono e hidrogênio.

Tanto o oxigênio, no primeiro caso, quanto o carbono, no segundo, são inofensivos e podem ser utilizados em inúmeras aplicações. A questão é que os processos mais limpos costumam ser mais caros e menos eficientes. Isso não impede o investimento em pesquisas para seus aprimoramentos.

Um bom exemplo é a busca de soluções para o uso de energia renovável (solar e eólica) na obtenção de hidrogênio por eletrólise. Investimentos pesados nesse sentido têm sido feitos nos estudos conduzidos no Laboratório de Hidrogênio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em outros centros de pesquisa fora do país.

Também no exterior, há pesquisadores investigando a utilização da energia nuclear com a mesma finalidade. Todavia, o uso comercial dessas técnicas não deve ocorrer nas próximas décadas. Até que elas atinjam um patamar econômico competitivo, o hidrogênio continuará sendo retirado dos hidrocarbonetos, sobretudo do gás natural (leia-se metano). Isso se faz por meio do processo conhecido como reforma a vapor do metano (SMR na sigla em inglês), com o terrível efeito colateral da liberação de gás carbônico, CO2 – o mais emblemático dos gases do efeito-estufa.

O dilema do ovo e da galinha
Outra razão por trás dessa opção é a tentativa de se fugir do dilema do ovo e da galinha. Os fabricantes de automóveis alegam que não podem investir na tecnologia do hidrogênio enquanto não houver um sistema de distribuição em grande escala; já os fornecedores de combustíveis rebatem dizendo que não podem montar uma grande estrutura de distribuição enquanto não houver demanda que justifique o investimento. Enquanto ninguém se mexe, tudo fica como está. A extração de hidrogênio de gás natural poderá se beneficiar de grande parte da atual estrutura de distribuição de combustíveis, o que contornaria temporariamente o efeito paralisante desse impasse.

A grande questão por resolver é a destinação do gás carbônico. Não existem alternativas simples e imediatas para sua utilização. Tanto é assim que se usa uma expressão bem interessante para designar essa tecnologia: extração de hidrogênio com sequestro do gás carbônico. A possibilidade mais evidente para se evitar o aumento do efeito estufa é “esconder” o gás carbônico. Mas onde?

A figura acima ilustra as principais possibilidades de sequestro de gás carbônico. Com exceção das alternativas naturais – como o sequestro pelas árvores –, todas as outras apresentam algum risco ambiental. A captura pela vegetação nem deve ser considerado como uma solução viável: com a progressiva destruição de nossas florestas e o aumento exponencial da liberação de CO2 de origem humana, essa alternativa corre risco de esgotamento.

A maneira mais simples de esconder o gás carbônico é jogá-lo no fundo mar. Embora já exista infraestrutura para isso, ninguém sabe ainda como os oceanos reagirão a uma grande quantidade de CO2 borbulhando nas suas profundezas. Os estudos nessa área ainda são incipientes, mas um fenômeno ocorrido em agosto de 1986 no lago Nyos, na República dos Camarões, dá o que pensar.

O desastre do lago Nyos
Em 21 de agosto daquele ano, chamou a atenção da comunidade científica internacional uma repentina erupção que vitimou 1.700 pessoas e 3 mil animais e ficou conhecida como o desastre do lago Nyos. A natureza do fenômeno ainda não foi completamente esclarecida, mas já se sabe que não foi uma erupção vulcânica, que o gás expelido era CO2 e que as mortes ocorreram por asfixia.

A figura acima ilustra as principais possibilidades de sequestro de gás carbônico. Com exceção das alternativas naturais – como o sequestro pelas árvores –, todas as outras apresentam algum risco ambiental. A captura pela vegetação nem deve ser considerado como uma solução viável: com a progressiva destruição de nossas florestas e o aumento exponencial da liberação de CO2 de origem humana, essa alternativa corre risco de esgotamento.

A maneira mais simples de esconder o gás carbônico é jogá-lo no fundo mar. Embora já exista infraestrutura para isso, ninguém sabe ainda como os oceanos reagirão a uma grande quantidade de CO2 borbulhando nas suas profundezas. Os estudos nessa área ainda são incipientes, mas um fenômeno ocorrido em agosto de 1986 no lago Nyos, na República dos Camarões, dá o que pensar.

O desastre do lago Nyos
Em 21 de agosto daquele ano, chamou a atenção da comunidade científica internacional uma repentina erupção que vitimou 1.700 pessoas e 3 mil animais e ficou conhecida como o desastre do lago Nyos. A natureza do fenômeno ainda não foi completamente esclarecida, mas já se sabe que não foi uma erupção vulcânica, que o gás expelido era CO2 e que as mortes ocorreram por asfixia.

A explicação mais provável é que esse gás carbônico tenha se acumulado no fundo do lago e ali permanecido durante décadas ou séculos por causa da alta pressão. De modo análogo ao que acontece em uma garrafa com bebida gasosa, algum distúrbio no lago provocou a liberação repentina – e catastrófica – do gás. A preocupação com novas ocorrências do fenômeno levou ao desenvolvimento de um grande projeto de desgaseificação do lago.

A injeção de CO2 em formações geológicas também é apontada como solução para o armazenamento desse gás. Esse procedimento vem sendo praticado há algum tempo pela indústria petrolífera para aumentar a extração de petróleo, mas não é possível estimar com boa margem de precisão o volume gasoso acumulado nem a integridade dessas formações. Tampouco se sabe por quanto tempo uma dada quantidade de gás carbônico poderia permanecer em equilíbrio no fundo do mar, nem que tipos de distúrbios geológicos seriam capazes de quebrar esse equilíbrio.

Por outro lado, pesquisas realizadas há mais de uma década mostraram que uma grande quantidade de água próxima ao ponto de descarga de gás carbônico apresenta redução no pH, o que compromete a vida de organismos marinhos daqueles locais.

Carbonetação mineral
Por conta de todos esses problemas e incertezas em relação ao sequestro marinho, surgiram nos últimos anos métodos considerados ambientalmente adequados, capazes de armazenar CO2 de forma permanente e evitar os danos ambientais referidos acima. Um dos mais promissores é a carbonetação mineral, ou a reação do CO2 com alguma outra substância de maneira a fixá-lo em um terceiro composto.

Um exemplo disso é a reação do gás carbônico com a olivina (um silicato de magnésio) para formar a magnesita. Todavia, nenhum desses métodos considerados benéficos foi testado em larga escala, nem observado durante um longo período de tempo.

Parece que tudo conspira contra um ambiente limpo em uma sociedade cuja demanda por energia cresce em ritmo tão acelerado quanto o que observamos nas últimas décadas. Quando o processo beira a perfeição, em termos ambientais, é muito caro ou pouco eficiente. Torçamos para que a ciência nos ajude a encontrar um caminho sustentável para a exploração do hidrogênio.

Carlos Alberto dos Santos
Professor aposentado pelo Instituto de Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Fonte: cienciahoje

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