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Nesse caso, a personificação da vitória faz sentido. Abilio era a voz forte dentro da empresa a defender, com certeza ferrenha, a operação perante os outros membros do conselho de administração e do corpo executivo. Na detalhada tática desenhada nos pormenores pelo comando, valeu blefar, seduzir, ser agressivo e persistente. O Pão de Açúcar chegou a informar oficialmente que nem sequer apresentaria proposta para a compra da varejista (o blefe). Abilio foi visitar pessoalmente Lily em pleno Dia de Finados, 2 de novembro, em Nova York (a sedução). O empresário ainda acabou elevando a proposta aos 48 minutos do segundo tempo para ficar com o negócio (a agressividade). O fato é que o grupo se tornou o favorito, pois soube jogar. Ofereceu aos controladores dinheiro na mão, uma cadeira no conselho de administração do grupo e um crédito de 10% sobre o valor pago a prazo. “Fizemos tudo certo. Isso é a consolidação de uma nova fase”, disse Abilio em entrevista exclusiva à DINHEIRO, duas horas antes de viajar para Paris a trabalho (leia entrevista à página 56). O tamanho desse salto, porém, deverá ser proporcional ao considerável esforço que será exigido do grupo daqui para a frente. É preciso acelerar (e muito) a reestruturação à qual o Ponto Frio vinha sendo submetido há alguns anos. Para isso, uma equipe de quatro executivos do Pão de Açúcar, incluindo o presidente Claudio Galeazzi, já está na rua. Eles se reuniram na última semana com 15 pessoas, sendo cinco diretores do Ponto Frio, na sede da cadeia no Rio de Janeiro. Passaram a tarde em reunião fechada. Já se sabe que, em ganhos de sinergias iniciais, são estimados R$ 500 milhões. Esse número pode chegar a R$ 800 milhões, segundo a primeira análise do grupo, apurou a DINHEIRO. Antes, porém, o Pão de Açúcar tem de descobrir como o Ponto Frio trabalha. Sobre isso, ele sabe pouco ainda. E é exatamente aí que estão desafios principais. No processo de due diligence feito na varejista carioca foram levantadas questões como a situação tributária, financeira e o atual estado das lojas. Há um relatório com mais de 500 páginas na mesa de Abilio que analisa a situação de cada uma das 465 unidades da nova controlada. Mas o grande foco agora está em duas variáveis parcialmente avaliadas: processos internos e pessoas.
R$ 824,5 MILHÕES é o valor desembolsado pela compra do Ponto Frio, sendo que o valor pode chegar a R$ 1,1 bilhão, dependendo do acordo com minoritários
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Isso significa identificar os melhores profissionais e lhes dar autonomia de voo, por exemplo. E fazer intervenções em departamentos, como a área de compras, já que a empresa estava cada vez mais distante de seus fornecedores. Na quarta-feira 10, a diretoria do grupo já esteve reunida com fabricantes na sede do Pão de Açúcar. Uma terceira medida, mais ampla e crucial, é redefinir qual público a empresa atenderá. “O Ponto Frio andava perdido”, diz Foganholo, da Mixxer. Queria ter ofertas e produtos para todas as classes e investia em campanhas de imagem nesse sentido. Desnecessário dizer que nessa, acabava agradando a quase ninguém. “O importante é que a força da marca não sofreu arranhões. Só precisa ser polida para recuperar o viço, o que torna mais fácil um reposicionamento”, diz Marcos Gouvêa, diretor-geral da GS&MD. Resultados serão conse-quência dessas ações. Ninguém dentro do Pão de Açúcar acha que terá vida fácil nos próximos meses. Mas a empresa já pediu ao mercado algum crédito. “Não quero que vocês indiquem a compra das ações [do Pão de Açúcar] ou avaliem o papel positivamente. Só quero que vocês acreditem que é possível”, disse Abilio a um auditório lotado de analistas e acionistas, na manhã da terça-feira 9.
NA HORA H, NO DIA D.....
Faltando poucos minutos para a meia-noite do domingo 7, a câmera do celular de um dos diretores do Pão de Açúcar registrou um momento histórico. Nele, quatro de seus colegas davam as primeiras assinaturas no contrato de compra do Ponto Frio. Na sala de reuniões da Estater, butique especializada em aquisições, Hugo Bethlem, Claudio Galeazzi, Enéas Pestana e José Roberto Tambasco (da esq. para a dir.), estavam prestes a encaminhar o documento, em PDF, via e-mail, para Lily Safra, em Nova York, e Carlos Monteverde, em Londres. Abilio Diniz, ausente da sala naquele momento, se tornaria em seis horas o dono da varejista de eletrônicos.
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Aprimorar modelo de gestão de pessoas e reavaliar uma série de processos internos do Ponto Frio será a tarefa dos novos donos da rede
O Pão de Açúcar permaneceu na negociação desenhando uma proposta com uma engenharia financeira rara por aqui, mas comum nos EUA – uma mescla de ações (com emissão de papéis preferenciais emitidos especialmente para isso) e pagamento de recursos à vista. Por 70% das ações de Lily e Monteverde, apenas R$ 373,4 milhões foram pagos em dinheiro. Outros R$ 451,1 milhões serão em forma de ações preferenciais do grupo. Ao final da operação, Lily e Monteverde passarão a ter 4,5% do capital do grupo Pão de Açúcar. A supermercadista ainda negocia a compra da parte dos acionistas minoritários na empresa (os 30% restantes). No total, se todos os minoritários se desfizerem do papel, a compra do Ponto Frio pode somar R$ 1,1 bilhão em ações e dinheiro. Há analistas ressabiados em relação à capacidade de virada do novo negócio, ao preço final e ao prazo de pagamento – Abilio disse à DINHEIRO não acreditar que passe de um ano. Não há, porém, quem não tenha ficado surpreso. O Pão de Açúcar conseguiu somar ao seu port-fólio um negócio novo, com quase R$ 5 bilhões em receita bruta, por um preço abaixo do próprio valor de mercado da empresa – e praticamente sem fazer dívida nova. Especialistas acreditavam que teria de ser pago pelo menos R$ 1,2 bilhão pelo Ponto Frio. A cartada é importantíssima. No varejo, se ganha margem no volume. Quanto maior a receita, maiores os retornos. Em parte, foi por isso que a supermercadista comprou a varejista. O grupo precisa de escala nesse segmento para crescer mais rápido. Agora, a nova rede vai disputar um novo mercado de R$ 65 bilhões, passa a ter quase 10% de market share na venda de eletrônicos no País (a Casas Bahia tem 16%) e a parcela de eletrônicos da receita do grupo passa de 10% para 26%. Para completar, o Cade não deve se opor à operação. O órgão de defesa da concorrência terá de analisar o caso, mas especialistas concordam que não há concentração de mercado. A sensação de trabalho cumprido dentro do grupo tem certo fundamento. É pouco provável que os dois maiores rivais, Carrefour e Wal-Mart, consigam, a curto prazo, tirar do Pão de Açúcar o título de maior varejista da América Latina. A diferença no faturamento entre o grupo de Abilio e o vice-líder Carrefour chega a R$ 4 bilhões após a aquisição. Não há empresa à venda hoje no setor com receita superior a R$ 1 bilhão. É improvável, mas não impossível. “Difícil acreditar que o reinado de Abilio será eterno. Ao mesmo tempo, num mercado em que o retorno só é obtido por meio de altos volumes, Carrefour e Wal-Mart não ficarão parados”, diz Claudio Felisoni, do Provar/USP.
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