Na tarde de terça-feira 09/06, Abilio Diniz e Lily Safra, duas das mais poderosas figuras do varejo brasileiro, tiveram uma conversa ao telefone. De Nova York, onde mora hoje, Lily falou pela terceira vez com Abilio nos últimos sete meses, e apenas 36 horas depois de ter assinado o contrato de venda da rede Ponto Frio para o grupo Pão Açúcar, empresa comandada pelo empresário há 16 anos. No curto diálogo, Lily deixou escapar uma torcida disfarçada em pedido ao empresário. “Tomara que o Ponto Frio seja novamente o que foi no passado, quando eu estava bem próxima do negócio”, disse ela. Abilio sacou rápido: “Não há a menor dúvida de que vai ser assim. Nós vamos fazer isso acontecer nem que seja só por você, Lily. Garanto que vamos fazer.” Gentilezas à parte, ambos ratificaram ali a criação da maior empresa de comércio varejista da América Latina – e 88a colocada no ranking mundial das 250 maiores, segundo a consultoria Deloitte. Numa operação surpreendente – que ficou conhecida dentro do Pão de Açúcar pelo improvável codinome Vostok – 40 pessoas passaram as últimas quatro semanas debruçadas em detalhes do acordo mantido a sete chaves. A aquisição, anunciada oficialmente na segunda-feira 8, no valor de R$ 824,5 milhões, só foi possível por conta de uma série de variáveis que pesaram a favor do Pão de Açúcar. Nos últimos dias a DINHEIRO reconstituiu os passos que levaram à vitória de Abilio, por que Lily fechou com o empresário e, principalmente, como esse megagrupo que acaba de ser criado, com 1.275 mil lojas e R$ 26 bilhões em receita, vai exigir trabalho dobrado da equipe do grupo.
Nesse caso, a personificação da vitória faz sentido. Abilio era a voz forte dentro da empresa a defender, com certeza ferrenha, a operação perante os outros membros do conselho de administração e do corpo executivo. Na detalhada tática desenhada nos pormenores pelo comando, valeu blefar, seduzir, ser agressivo e persistente. O Pão de Açúcar chegou a informar oficialmente que nem sequer apresentaria proposta para a compra da varejista (o blefe). Abilio foi visitar pessoalmente Lily em pleno Dia de Finados, 2 de novembro, em Nova York (a sedução). O empresário ainda acabou elevando a proposta aos 48 minutos do segundo tempo para ficar com o negócio (a agressividade). O fato é que o grupo se tornou o favorito, pois soube jogar. Ofereceu aos controladores dinheiro na mão, uma cadeira no conselho de administração do grupo e um crédito de 10% sobre o valor pago a prazo. “Fizemos tudo certo. Isso é a consolidação de uma nova fase”, disse Abilio em entrevista exclusiva à DINHEIRO, duas horas antes de viajar para Paris a trabalho (leia entrevista à página 56). O tamanho desse salto, porém, deverá ser proporcional ao considerável esforço que será exigido do grupo daqui para a frente. É preciso acelerar (e muito) a reestruturação à qual o Ponto Frio vinha sendo submetido há alguns anos. Para isso, uma equipe de quatro executivos do Pão de Açúcar, incluindo o presidente Claudio Galeazzi, já está na rua. Eles se reuniram na última semana com 15 pessoas, sendo cinco diretores do Ponto Frio, na sede da cadeia no Rio de Janeiro. Passaram a tarde em reunião fechada. Já se sabe que, em ganhos de sinergias iniciais, são estimados R$ 500 milhões. Esse número pode chegar a R$ 800 milhões, segundo a primeira análise do grupo, apurou a DINHEIRO. Antes, porém, o Pão de Açúcar tem de descobrir como o Ponto Frio trabalha. Sobre isso, ele sabe pouco ainda. E é exatamente aí que estão desafios principais. No processo de due diligence feito na varejista carioca foram levantadas questões como a situação tributária, financeira e o atual estado das lojas. Há um relatório com mais de 500 páginas na mesa de Abilio que analisa a situação de cada uma das 465 unidades da nova controlada. Mas o grande foco agora está em duas variáveis parcialmente avaliadas: processos internos e pessoas.
R$ 824,5 MILHÕES é o valor desembolsado pela compra do Ponto Frio, sendo que o valor pode chegar a R$ 1,1 bilhão, dependendo do acordo com minoritários
O Pão de Açúcar já entende que o Ponto Frio é menos eficiente e produtivo que a média do setor. O retorno sobre o capital investido está negativo, informa a Economática. Ele faturou nos dois últimos anos R$ 14,1 mil por metro quadrado. Em 2006, estava em R$ 13,8 mil. Na Casas Bahia, ultrapassa os R$ 22 mil e aumenta 8% a 10% ao ano. Se no Ponto Frio a margem líquida está em 0,8% (em queda desde 2007), no setor de varejo eletrônico varia de 2% a 3%. Para tentar a virada, os novos donos tomarão uma série de medidas. A primeira deve ser a revisão do modelo de gestão de pessoas no Ponto Frio. É impossível tirar o melhor da rede com funcionários desmotivados. “Eles perderam muita gente boa que deixou de acreditar no projeto porque os controladores pararam de investir no negócio anos atrás”, diz um ex-diretor demitido pelo Ponto Frio neste ano. “A marca está sem brilho e a empresa ainda adotou uma política de crédito cautelosa demais. Ela perdeu clientes”, completa. “A queda da moral interna foi impressionante”, diz Eugenio Foganholo, sócio da Mixxer Consultoria. Não se trata, portanto, de reorganizar a empresa simplesmente cortando gastos, por mais que digam que é o que Galeazzi fará primeiramente. O caso do Ponto Frio não terá essa saída “fácil”. A empresa já estava em pleno processo de reestruturação há meses. Em janeiro ela vendeu quatro centros de distribuição por R$ 108 milhões e fechou dez lojas que estavam no vermelho. Oito diretores e dois vice-presidentes foram demitidos. E contratos foram renegociados na área de telefonia e TI para reduzir despesas. Provavelmente Galeazzi encontrará outras formas de diminuir essa conta, mas não será sua única meta. O Ponto Frio terá de rever a forma como pensa e age – é o que o Pão de Açúcar chama de “mudar processos”.
Os desafios que Abilio Diniz enfrentará para incorporar a rede Ponto Frio, o negócio que o recolocou na liderança do varejo nacional
Isso significa identificar os melhores profissionais e lhes dar autonomia de voo, por exemplo. E fazer intervenções em departamentos, como a área de compras, já que a empresa estava cada vez mais distante de seus fornecedores. Na quarta-feira 10, a diretoria do grupo já esteve reunida com fabricantes na sede do Pão de Açúcar. Uma terceira medida, mais ampla e crucial, é redefinir qual público a empresa atenderá. “O Ponto Frio andava perdido”, diz Foganholo, da Mixxer. Queria ter ofertas e produtos para todas as classes e investia em campanhas de imagem nesse sentido. Desnecessário dizer que nessa, acabava agradando a quase ninguém. “O importante é que a força da marca não sofreu arranhões. Só precisa ser polida para recuperar o viço, o que torna mais fácil um reposicionamento”, diz Marcos Gouvêa, diretor-geral da GS&MD. Resultados serão conse-quência dessas ações. Ninguém dentro do Pão de Açúcar acha que terá vida fácil nos próximos meses. Mas a empresa já pediu ao mercado algum crédito. “Não quero que vocês indiquem a compra das ações [do Pão de Açúcar] ou avaliem o papel positivamente. Só quero que vocês acreditem que é possível”, disse Abilio a um auditório lotado de analistas e acionistas, na manhã da terça-feira 9.
NA HORA H, NO DIA D.....
Faltando poucos minutos para a meia-noite do domingo 7, a câmera do celular de um dos diretores do Pão de Açúcar registrou um momento histórico. Nele, quatro de seus colegas davam as primeiras assinaturas no contrato de compra do Ponto Frio. Na sala de reuniões da Estater, butique especializada em aquisições, Hugo Bethlem, Claudio Galeazzi, Enéas Pestana e José Roberto Tambasco (da esq. para a dir.), estavam prestes a encaminhar o documento, em PDF, via e-mail, para Lily Safra, em Nova York, e Carlos Monteverde, em Londres. Abilio Diniz, ausente da sala naquele momento, se tornaria em seis horas o dono da varejista de eletrônicos.Nos bastidores, a operação de aquisição foi conduzida com discrição absoluta. A confirmação de que o negócio estava selado chegou para Abilio na tarde de domingo 7, enquanto almoçava com a mulher na churrascaria Rodeio, em São Paulo. O contrato de compra foi assinado, digamos, virtualmente. Um e-mail foi enviado para Lily e seu enteado, Carlos Monteverde, que estavam em Nova York e Londres, respectivamente. Abilio, Galeazzi e três vice-presidentes assinaram o documento, que foi enviado para ambos. As primeiras assinaturas foram feitas por volta da meia-noite. A última, às seis horas da manhã da segunda-feira 8. Tudo ocorreu no escritório da butique de fusões e aquisições Estater, de Pérsio de Souza. Até então, não se sabia também que a aquisição havia sido decidida nas últimas 24 horas. Os interessados que corriam, cabeça a cabeça, ao lado do Pão de Açúcar, estiveram com as propostas na mesa até sexta-feira 5. Luiza Helena Trajano, da Magazine Luiza, o financista André Esteves, que se uniu à rede baiana Insinuante, e o comando da Lojas Americanas saíram no meio ou no final do jogo. Luiza não teria conseguido todo o dinheiro que precisava para superar a proposta de Abilio. Segundo contou à DINHEIRO um fornecedor, ela teria confirmado a ele ter concretizado o negócio. Mas seus parceiros Unibanco e o fundo americano Capital International não teriam aceitado colocar mais recursos para levar a rede. Esteves, da gestora BTG, tinha a terceira melhor proposta em valor. Já Carlos Alberto Sicupira, da Lojas Americanas entende que a empresa sentiu os efeitos da crise internacional, está reorganizando a casa, e achou melhor nem enviar uma oferta.
Aprimorar modelo de gestão de pessoas e reavaliar uma série de processos internos do Ponto Frio será a tarefa dos novos donos da rede
O Pão de Açúcar permaneceu na negociação desenhando uma proposta com uma engenharia financeira rara por aqui, mas comum nos EUA – uma mescla de ações (com emissão de papéis preferenciais emitidos especialmente para isso) e pagamento de recursos à vista. Por 70% das ações de Lily e Monteverde, apenas R$ 373,4 milhões foram pagos em dinheiro. Outros R$ 451,1 milhões serão em forma de ações preferenciais do grupo. Ao final da operação, Lily e Monteverde passarão a ter 4,5% do capital do grupo Pão de Açúcar. A supermercadista ainda negocia a compra da parte dos acionistas minoritários na empresa (os 30% restantes). No total, se todos os minoritários se desfizerem do papel, a compra do Ponto Frio pode somar R$ 1,1 bilhão em ações e dinheiro. Há analistas ressabiados em relação à capacidade de virada do novo negócio, ao preço final e ao prazo de pagamento – Abilio disse à DINHEIRO não acreditar que passe de um ano. Não há, porém, quem não tenha ficado surpreso. O Pão de Açúcar conseguiu somar ao seu port-fólio um negócio novo, com quase R$ 5 bilhões em receita bruta, por um preço abaixo do próprio valor de mercado da empresa – e praticamente sem fazer dívida nova. Especialistas acreditavam que teria de ser pago pelo menos R$ 1,2 bilhão pelo Ponto Frio. A cartada é importantíssima. No varejo, se ganha margem no volume. Quanto maior a receita, maiores os retornos. Em parte, foi por isso que a supermercadista comprou a varejista. O grupo precisa de escala nesse segmento para crescer mais rápido. Agora, a nova rede vai disputar um novo mercado de R$ 65 bilhões, passa a ter quase 10% de market share na venda de eletrônicos no País (a Casas Bahia tem 16%) e a parcela de eletrônicos da receita do grupo passa de 10% para 26%. Para completar, o Cade não deve se opor à operação. O órgão de defesa da concorrência terá de analisar o caso, mas especialistas concordam que não há concentração de mercado. A sensação de trabalho cumprido dentro do grupo tem certo fundamento. É pouco provável que os dois maiores rivais, Carrefour e Wal-Mart, consigam, a curto prazo, tirar do Pão de Açúcar o título de maior varejista da América Latina. A diferença no faturamento entre o grupo de Abilio e o vice-líder Carrefour chega a R$ 4 bilhões após a aquisição. Não há empresa à venda hoje no setor com receita superior a R$ 1 bilhão. É improvável, mas não impossível. “Difícil acreditar que o reinado de Abilio será eterno. Ao mesmo tempo, num mercado em que o retorno só é obtido por meio de altos volumes, Carrefour e Wal-Mart não ficarão parados”, diz Claudio Felisoni, do Provar/USP.
Fonte: IstoÉ Dinheiro
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