Cada vez mais interessados no Brasil, os investidores estrangeiros estão hoje especialmente atentos a um alvo: as terras nacionais. Durante sua visita à Arábia Saudita, no mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido por anfitriões interessados em produzir alimentos no Brasil. Para concretizar esse projeto, querem comprar terras agrícolas brasileiras, como já fizeram em outras partes do mundo.
O território nacional é visado pelo programa batizado como Iniciativa do Rei Abdullah para o Investimento na Agricultura no Exterior. Lançado em 2008 pelos sauditas, o empreendimento busca a autossuficiência alimentar, por meio da compra ou aluguel de latifúndios em nações com recursos naturais abundantes, para importar a produção. Esse é um movimento mundial: países com poucas áreas cultiváveis adquirem solos estrangeiros para produzir alimentos e importá-los.
"O principal agente motivador desse movimento é o medo causado pelo recente aumento dos preços dos alimentos", diz David Hallam, diretor da divisão de comércio e mercados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em Roma. "Depender dos mercados mundiais para o abastecimento de comida e matéria-prima ficou mais arriscado", conclui Hallam.
Uma pesquisa recente do Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês), baseado em Washington, nos Estados Unidos, revela que os investidores estrangeiros arremataram entre 15 milhões e 20 milhões de hectares de terras no exterior desde 2006, em operações que podem chegar a US$ 30 bilhões.
As negociações são feitas por empresas e fundos de investimento ou diretamente entre governos. Nessa corrida internacional, os principais compradores têm muito capital e pouca terra, como os países do Golfo, ou uma população grande, como a China, a Índia e a Coreia do Sul. Os vendedores são nações em desenvolvimento onde os custos da produção e do solo são muito mais baixos - a maior parte está na África, mas o Brasil compõe a lista.
"O investimento estrangeiro traz renda, gera empregos e desenvolvimento", defende Anaximandro Doudement Almeida, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária. Mas especialistas defendem que o Brasil tenha maior controle sobre essas transações. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contabiliza quatro milhões de hectares de terras agrícolas brasileiras registrados em nome de estrangeiros. Como muitos proprietários não declaram a nacionalidade no registro em cartório, essa extensão pode ser ainda maior. "Estimo que seja no mínimo três vezes mais", diz Rolf Hackbart, presidente do Incra.
Do total registrado, mais da metade está na Amazônia, e o Mato Grosso é o Estado com a maior área nas mãos de estrangeiros: pelo menos 800 mil hectares. Segundo Hackbart, a procura internacional por terras agrícolas voltou a crescer recentemente. "Recebi várias delegações da China querendo comprar áreas no Brasil ou se associar a grupos nacionais para produzir alimentos e biocombustível", diz. Corretores especializados confirmam um reaquecimento nessa procura, após um período de queda com a crise econômica mundial iniciada no ano passado.
Para que estrangeiros comprem imensas áreas no Brasil basta abrir uma empresa brasileira com capital estrangeiro ou associar-se a grupos nacionais. "Temos que criar novas regras", reclama Hackbart, apontando as limitações já existentes para cidadãos estrangeiros e empresas constituídas no Exterior. Um parecer limitando a venda de terrenos a empresas brasileiras com capital estrangeiro está na Advocacia- Geral da União para análise desde agosto, sem previsão de desfecho.
Mesmo nos casos de venda direta a estrangeiros, o controle governamental é falho. "Tem até site estrangeiro na internet vendendo terra pública na Amazônia", alerta Hackbart. Na rede, é possível encontrar alguns classificados internacionais oferecendo imóveis agrícolas. Um deles anuncia: "O interior do Brasil é livre de intrusões governamentais como a fiscalização dos códigos de ocupação do solo, zoneamento e outros aborrecimentos."
"Esses (o solo) são os recursos naturais mais preciosos. Há um risco político imenso", diz Alexandra Spieldoch, do Instituto para Políticas de Agricultura e Comércio, em Minneapolis, nos EUA. A investida agrícola internacional chama a atenção pelo tamanho. No Sudão, 690 mil hectares pertencem à Coreia do Sul, 400 mil hectares são dos Emirados Árabes e o Egito tem área semelhante. A China obteve o direito de usar 2,8 milhões de hectares no Congo e está negociando terras em Zâmbia.
Em janeiro, na Arábia Saudita, o rei Abdullah promoveu uma curiosa cerimônia: celebrou o recebimento dos primeiros grãos de arroz "saudita" produzidos no exterior. Vieram da Etiópia, onde o país está investindo US$ 100 milhões na plantação de arroz, trigo e cevada. Um fundo de investimentos de US$ 800 milhões, criado pelo governo saudita, está financiando o cultivo de arroz, trigo, cevada e milho em outros países, além da criação de animais. Os objetivos sauditas são claros. Mas no Brasil, até agora, não se sabe sequer o tamanho da presença estrangeira.
Fonte: IstoÉ
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