Header

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O Brasil deixou de ser parte do resto do mundo

O mexicano Humberto Gómez Rojo, presidente da Bridgestone Firestone do Brasil, conhece como poucos a economia da América Latina. Há quase três décadas vive rotinas distintas no continente. Comandou subsidiárias da maior fabricante de pneus do mundo no México, na Venezuela e Costa Rica. Há dois anos em território brasileiro, e com essa experiência na bagagem, achou que já tinha visto de tudo. Quase tudo.

O surpreendente desempenho do Brasil na crise e os recordes do setor automotivo ensinaram a ele algo novo: "Vi que o Brasil mudou rápido de lado. O País deixou de fazer parte do 'resto do mundo', dos países atrasados", disse ele à DINHEIRO, da fábrica de Santo André (SP), a maior da companhia fora do Japão.

DINHEIRO - É consenso que a redução do IPI turbinou o desempenho das montadoras. Isso influenciou o setor de pneus?
HUMBERTO GÓMEZ - De imediato, não. Ficamos surpresos com o resultado do IPI na economia real e animados com a repercussão positiva. Mas os resultados começarão a aparecer daqui um, dois ou três anos, quando os automóveis que estão sendo vendidos hoje começarem a trocar os pneus. A influência não é imediata porque 25% da produção abastece as montadoras. Cerca de 50% vai para o mercado de reposição e 25% segue para o Exterior.

DINHEIRO - Então, o ano não está tão bom quanto para as montadoras?
GÓMEZ - Não está ruim. Está abaixo de 2008 porque houve uma queda geral da economia. Mas existe a possibilidade de 2009 fechar igual ao ano passado. Depende do segundo semestre.

DINHEIRO - O governo agiu bem?
GÓMEZ - O Brasil foi realmente um dos poucos que deram muita atenção para evitar a crise. Agiu de forma correta. O mercado está se recuperando. Longe do ano passado, mas está se recuperando. Pode ser possível comparar o crescimento percentual de 2009 ao de 2008, mas serão períodos muito diferentes. A venda de carros no mercado interno está melhor ou igual a 2008. A classe média está crescendo. As vantagens aqui são os juros e os prazos, o que não ocorre em muitas outras economias.

DINHEIRO - Dá para apostar na continuidade do crescimento?
GÓMEZ - Fico um pouco preocupado quando há grande oferta de crédito, sem um crescimento proporcional da economia. Quando se compra um carro em 60 meses ou em 84 meses, surgem dúvidas em relação à capacidade de pagamento no futuro. Mas, por enquanto, tem funcionado.

DINHEIRO - Dirigir a Bridgestone no Brasil é diferente de outros países?
GÓMEZ - A economia do Brasil é muito grande, maior do que nos outros lugares em que atuei. A companhia aqui tem 50% do faturamento da América Latina. O México, segundo colocado, responde por 30%, mesmo atendendo o mercado americano, que recebe veículos montados com pneus nossos. Em termos de tamanho, aqui é diferente e tem peculiaridades, sim.

DINHEIRO - Quais peculiaridades?
GÓMEZ - O sistema tributário brasileiro é complexo demais. É o que diferencia demais o Brasil dos outros.

DINHEIRO - Qual a estratégia para crescer no Brasil?
GÓMEZ - À primeira vista, todos os pneus são iguais, redondos e pretos. Mas existem diferenças entre eles. Há muita tecnologia. É isso que queremos mostrar para avançar no mercado.

DINHEIRO - O mercado brasileiro tem sido bem explorado por fabricantes chineses. Como fica a concorrência?
GÓMEZ - Toda concorrência é boa para nós. Estamos preparados para competir no mundo inteiro. Mas a concorrência chinesa é desleal. Vencemos um processo antidumping contra pneus chineses de carros de passeio. A batalha levou dois anos. Estamos esperando neste mês uma decisão sobre pneus de carga. Conseguimos barrar a entrada de pneus usados. Isso ajudou muito.

DINHEIRO - Mas a Bridgestone tem uma grande fábrica na China.
GÓMEZ - Tem, sim. Porém, existe uma filosofia mundial de trabalho em todas as unidades da companhia. O custo dos pneus Bridgestone made in China é muito maior do que esses que têm entrado no Brasil. A questão não é onde é fabricado, mas as políticas aplicadas na produção.

DINHEIRO - A Bridgestone é líder nos maiores mercados do mundo. No Brasil está em terceiro. Isso incomoda?
GÓMEZ - Temos 18% do mercado de peças originais, pneus fornecidos às montadoras. E temos uma fatia de 20% no setor de reposição. Não incomoda porque não estamos buscando apenas a liderança. A meta é consolidar a marca Bridgestone no País. A empresa é muito forte nos segmentos de pneus pesados, usados em tratores e caminhões. Queremos fortalecer a Bridgestone como uma fabricante de pneus de passeio. Temos desde 2007 uma fábrica nova em Camaçari, na Bahia, com tecnologia de ponta. Ainda não participamos muito nos mercados para carros pequenos. Ainda estamos focados em pneus grandes, mas garanto que estamos prontos para ganhar espaço em todos as áreas.

DINHEIRO - A Bridgestone investiu nos últimos anos no aumento da capacidade de produção, e o mercado se retraiu. Há muita ociosidade?
GÓMEZ - Investimos US$ 450 milhões no Brasil nos últimos cinco anos. Nossa capacidade em Camaçari é de oito mil pneus/dia e em Santo André é de 32 mil pneus/dia. A intenção é deixar em São Paulo a maior parte da produção de pneus agrícolas e de caminhões e, os pneus menores ficarem na Bahia. Diante desses números, temos hoje, sim, uma capacidade de produção muito alta, o que nos dará condições de reagir rapidamente assim que o mercado voltar a crescer. Estaremos preparados.

DINHEIRO - Mas pneus maiores são mais rentáveis, não?
GÓMEZ - Sim. São os pneus que nos dão o de comer. Apesar disso, não podemos nos dar ao luxo de abrir mão de outros segmentos.

DINHEIRO - Os pneus grandes estão ligados à performance do setor agrícola e de transportes, que dão sinais de vigor. Há boas perspectivas?
GÓMEZ - Totalmente. O segmento agrícola para as fabricantes de implementos caiu nos últimos meses. No entanto, as perspectivas são ótimas. O potencial é imenso. Será explorado.

DINHEIRO - E o setor de caminhões?
GÓMEZ - O crédito farto e os juros baixos ajudam, mas a questão aqui é mais complicada. Quando você compra um carro, é geralmente para seu uso. Quando se compra um caminhão, é para prestar um serviço a alguém. Ou seja, mais do que juro baixo e crédito, é preciso uma atividade econômica aquecida para que exista carga.

DINHEIRO - Falta mais incentivo ao setor de caminhões?
GÓMEZ - Ajuda, não. Existe um cenário favorável à renovação da frota. O que falta, na verdade, é crescimento econômico mais forte.

DINHEIRO - O setor de pneus reivindica algum tipo de incentivo?
GÓMEZ - Não queremos proteção dos governos. Só precisamos de espaço, de um ambiente favorável para crescemos sozinhos. Essa história da substituição tributária, lançada por vários Estados, obriga a retenção de 42% em impostos. Isso não existe. Nunca vi, em nenhum lugar do mundo.

DINHEIRO - Como a matriz em Tóquio vê o papel da filial brasileira?
GÓMEZ - O Brasil sempre foi muito importante para as estratégias da companhia no mundo. Desde que a Bridgestone comprou a americana Firestone em 1988, esse papel ganhou mais destaque. O continente americano tem 45% do faturamento da companhia no mundo. O principal mercado são os Estados Unidos, seguido pelo Brasil, que detém 12% desse bolo. Já está claro para nós que o Brasil não é mais um país 'terceiro-mundista'. É um País que em em poucos anos estará em outro patamar. Vai dar um salto maior do que outros países.

DINHEIRO - A crise beneficiará o Brasil, ao se tornar uma prova de que o País está mais forte?
GÓMEZ - O Brasil está mostrando que é muito mais maduro do que as grandes economias o consideravam antes da crise. Em épocas anteriores, uma crise como essa levaria o País ao buraco. Ele quebraria. Hoje, não.

DINHEIRO - Precisa melhorar?
GÓMEZ - A carga tributária é terrível. O sistema é complexo demais e injusto. Os investimentos ainda são muito caros. O tipo de câmbio é difícil. Não se sabe qual será a cotação do mês que vem. Para quem exporta, é um desafio se planejar.

DINHEIRO - Então, câmbio oscilante é pior que dólar barato.
GÓMEZ - Não sei. Pergunta difícil. Sei que dólar abaixo de R$ 1,90 é muito pouco. Para um país exportador, não se pode manter um câmbio desse. A competitividade interna fica abalada. Além disso, os produtos de fora chegam mais competitivos.

DINHEIRO - Os juros caíram ao menor patamar da história e o cenário macroeconômico tem se consolidado, não?
GÓMEZ - Os juros caem muito devagar. Há poucos meses, o Brasil ainda liderava o ranking dos juros mais altos do mundo. Agora está em quarto ou quinto lugar. O governo precisa ser mais ágil nas decisões para acompanhar a velocidade com que a economia mundial muda.

DINHEIRO - A crise acaba quando?
GÓMEZ - No Brasil, já acabou.

Fonte: IstoÉ Dinheiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário