"Nada é permanente, salvo a mudança."
(Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, 535 a 475 a.C.)
Grandes empresas tendem a transformar uma experiência bem sucedida em um padrão funcional em tempo integral, como uma linha de montagem. As pequenas empresas também. Organizações humanas tendem a buscar o controle total sobre seus processos, mesmo os mais criativos. Antes que vocês pensem que estou falando mal das empresas, todos nós tendemos absorver os eventos transformadores em rotinas mentais sujeitas ao nosso controle.
As empresas precisam de processos que possam ser aprovados e replicados, mesmo sabendo que alguns deles serão apenas muletas para justificar possíveis futuros fracassos (como deu errado, se eu segui todos os procedimentos?). Estamos envolvidos por um gigantesco impasse da economia mundial tentando buscar justificativas no passado, presos aos modelos tradicionais.
Nesse mesmo momento, a palavra inovação está se transferindo para as placas de sinalização das portas da comunidade de negócios, indicando que cada profissional que estiver atrás dessas portas faz parte do esforço de inovação da empresa. Mesmo assim, existe uma sensação no ar que indica que as organizações não sabem bem o que é inovação, embora desejem ser inovadoras.
As empresas que sobreviveram bem às crises sucessivas depois de 2008 não parecem ser conformistas. "Tudo o que estimula a acomodação é ruim para o país." Foi uma das frases do presidente da Ambev, João Castro Neves, em maio de 2012 quando a empresa se tornou a maior companhia privada brasileira por valor de mercado.
Na biologia, a adaptação permanente é a responsável pela evolução dos seres, assim como na economia. Já a acomodação é uma adaptação conformada com ausência de ambição ou de aspiração. Em sociologia, acomodação é uma diminuição de tensões entre pessoas. Em advocacia, é um acordo em um litígio. Em resumo, acomodação é o conformismo às exigências ambientais.
Ultimamente, nos círculos dos profissionais de inovação, um neologismo vem aparecendo muito: o design thinking. Digo ultimamente baseado no fato que o termo, embora usado há muito mais tempo, foi assumido e divulgado intensamente a partir de 2003 por um dos grupos criativos mais reconhecidos do planeta, a IDEO. David Kelley, fundador da IDEO e do d.school da Universidade de Stanford, assumiu que a metodologia que sua empresa usava para a resolução dos problemas complexos dos seus clientes poderia ser chamada dessa forma.
Logo depois, acadêmicos de psicologia e da área da administração dos negócios reconheceram o design thinking como uma disciplina capaz de ajudar na resolução dos chamados wicked problems. Simultaneamente, grandes companhias testaram a metodologia com resultados positivos e divulgaram suas experiências. Em seguida, artigos e livros foram escritos com uma extensa defesa teórica e com descrições de casos reais de produtos e serviços. Parecia que o design thinking havia atingido um ponto de inflexão para ganhar velocidade crescente de divulgação expontânea. Então, duas reações desse movimento tomaram forma.
Como uma primeira consequência, o prático universo dos negócios se propôs a absorver o processo se houvesse uma espécie de manual, uma versão replicável dos princípios criativos da metodologia. O procedimento passo a passo do design thinking em cinco etapas se transformou em sete e logo ganhou uma versão em dez passos. Algumas autoridades da metodologia conquistaram seu direito de mostrar sua própria linha de montagem criativa. Como uma tendência irresistível no mundo regrado dos negócios, o design thinking foi se transformando em uma "ciência" de resolução de problemas.
Outra consequência foi a reação contrária da classe criativa. Os criadores não olharam com bons olhos a assimilação da metodologia pela ansiosa comunidade dos administradores. Com um certo desdenho, alguns designers e gerentes de inovação disseram que o design thinking nada mais era que a "metodologia do design" com outra roupagem. Ambas as reações são convencionais e negativas. Nem se deve engessar qualquer metodologia criativa, nem jogar pedras sobre algo ainda em formação e tão promissor.
Será que o "know-how ameaçará a intuição e a inspiração?" Será que o design thinking se transformará em outra muleta para a tomada de decisões dos gerentes? O design thinking está realmente trazendo novos insights e novas idéias? "Ou é simplesmente um processo de drenagem da energia a partir das coisas que estamos fazendo?" Alguns pensamentos são de Robin Lanahan, diretora de estratégia de marca e incubação de novos negócios da Microsoft, em junho de 2012, no artigo What is design thinking anyway?.
Ela aponta o designer Marc Shillum, da Method, que fez uma ironia dizendo que o pensamento profundo do design, antes da era do design thinking, se transformou em um design mais comercial. Porém, Shillum admite ser adepto do processo iterativo que envolve períodos de insights estratégicos com momentos de criatividade livre, que tanto são métodos do design thinking como dos grupos criativos comandados pelo lendário Buckminster Fuller ou pela Walt Disney (citados por Shillum).
Lanahan conclui que se pudemos evitar dar um nome e uma fórmula ao processo, talvez o método pudesse funcionar. Achei engraçado. Lembrou-me o bem humorado Bruce Nussbaum, editor da BusinessWeek e professor de inovação e design da Parsons, que sugeriu chamarmos o processo do design thinking ou da inovação de "banana" porque os homens de negócios não gostam do conceito de design, que lembra decoração. Depois, em 2011, ele reformulou e disse que a "banana" da ocasião era a palavra "criatividade", porque era a meta dos engenheiros e dos capitalistas de risco. Nussbaum disse também que a década do design thinking estava terminando e que ele "estava se mudando para outro quadro conceitual". Criada por ele e tema do livro a ser lançado no outono de 2012 pela HarperCollins, ele estava antecipadamente lançando a Inteligência Criativa.
"Uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança."
(Niccolò Machiavelli, pensador da ciência política moderna, 1469 a 1527)
Dá para perceber que quase ninguém fica indiferente ao bochicho internacional que o design thinking provocou. Todos parecem querer emitir um posicionamento próprio, bem variável entre os limites a favor e contra. Como Lanahan, que diz que "as grandes mentes criativas serão grandes mentes criativas, com ou sem qualquer planejamento ou processo. Adicionar muita estrutura processual à criatividade parece intuitivamente errado. Assim como [parece errado] escrever plataformas sobre as quais você vai criar ao invés de prototipar rapidamente produtos e experiências." Concordo plenamente com Lanahan, embora ela esteja desprezando o design thinking que sempre propôs o incentivo à criatividade coletiva e a prototipação rápida. A respeito de grandes mentes criativas, Gary Hamel, guru da administração dos negócios, diz que o design excelente tem menos a ver com genialidade e mais com empatia.
Se você digitar "afinal, o que é design thinking?" no Google, em qualquer língua, você encontrará dezenas de textos que tentam emitir um parecer. Também escrevi um artigo com esse mesmo título, em 2008, publicado pelo Clube de Criação de São Paulo. Na época, eu dizia que o design thinking era uma metodologia experimental e exploratória. Era o que me atraía nela. Diferente de Lanahan, sempre entendi que a grande vantagem do design thinking era ser uma metodologia flexível e em construção, completamente experimental além de incorporar, sem constrangimentos, ferramentas de diversas outras disciplinas ao projeto do design.
Toda vez que converso com profissionais de outras áreas sobre o design thinking, me vejo dizendo: também usamos os mind maps do inglês Tony Buzan, assim como o processo sequencial CPS de divergir e convergir dos americanos Alex Osborne and Sidney Parnes. Por que não usar a técnica inventada pela Disney desde 1930, o story board?
"Absorva (roube) dos melhores, então adapte."
(Tom Peters, autor, consultor e guru norte-americano)
Design thinking não é, ou não deveria ser, uma plataforma fechada mas aberta e adaptável ao problema do cliente. Uma metodologia que absorveu os procedimentos de observação dos antropólogos e também o uso sequencial de iterações usada na pesquisa científica, na matemática, na programação de softwares e nos processos de engenharia. Dependendo da ocasião ou do grupo reunido, pode-se gerar uma reunião de brainstorm tradicional ou uma oficina de debates na qual as pessoas precisam defender seus pensamentos, como sugere Charlan Nemeth.
Como empreendedores, começamos a montar a nossa metodologia criativa própria, há 18 anos atrás. Estávamos influenciados por um matemático húngaro que ensinava em Stanford, George Polya, e por um professor inglês chamado Reg Revans. O primeiro falava sobre o poder da heurística e do primeiro passo para se enfrentar um problema: a sua redefinição. O segundo, mestre do action learning, dizia que a solução começa na investigação, no ponto que não sabemos o que fazer e no qual a expertise de nada ajuda ainda. Outro ensinamento de Revans: "a força de uma equipe bem-sucedida não reside na inteligência de cada um dos integrantes, mas na fertilização mútua de suas habilidades coletivas". Pensamento que se encaixa com os do professor do MIT, Peter Senge, que acreditava no processo das organizações que aprendem em equipe.
Desde que comecei a ler sobre o design thinking, entendi que estava diante de uma plataforma básica - a do projeto do design - sobre a qual deveriam se estruturar os ensinamentos e ferramentas úteis que vinham de outras disciplinas complementares. Não sei exatamente de onde veio a experiência da montagem das equipes multi e interdisciplinares, tão necessárias para a resolução dos problemas complexos. Talvez das primeiras experiências das tribos ao redor da fogueira.
O que importa é que toda ferramenta usada criativamente ajuda o processo de criação. Bem-vindos a investigação com novas regras, as técnicas da etnografia, o hot-house, os exercícios para a descoberta de padrões e as oficinas de incentivo à abdução, ao pensamento não-linear, aos saltos conceituais, ao sequenciamento de palavras, à geração de histórias, à busca da memória emocional, ao aprendizado da empatia. Com uma atitude mais aberta, deveríamos estar escolhendo outras práticas para aprimorar o processo da inovação.
Aprender rápido e se adaptar parecem ser da biologia. Ótimo, o que podemos fazer para sair da perigosa acomodação para melhorar os negócios?
"Então, é melhor você começar a nadar
Ou irá afundar como uma pedra
Pois os tempos estão mudando."
(Bob Dylan, último verso de The Times They Are A-Changin')
Fonte: Administradores
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