Como uma técnica rápida e barata de análise genética está ajudando a identificar milhões de espécies de seres vivos.
Os biólogos calculam que existam entre 10 milhões e 100 milhões de espécies de seres vivos na Terra. Mas só 2 milhões delas já foram identificadas. As outras permanecem desconhecidas para a ciência. Um inventário mais completo é necessário para gerenciar tanto sua preservação quanto o uso sustentável das espécies pelo ser humano — em produtos que vão de cremes de beleza a medicamentos. Mas identificar milhões de animais, vegetais e micro-organismos apenas observando sua morfologia é uma tarefa hercúlea. Por isso, cientistas de vários países, incluindo o Brasil, desenvolvem tecnologias para diferenciar e catalogar as espécies com mais rapidez. A mais bem-sucedida delas é conhecida como DNA barcoding — a leitura do “código de barras” presente no DNA dos seres vivos. Ela permite identificar um ser vivo a um custo de apenas 5 reais por amostra analisada.
A ideia por trás do DNA barcoding é decifrar apenas uma pequena parte da cadeia de DNA. Um laboratório bem equipado pode fazer isso em poucas horas. Basta que receba uma amostra de tecido daquele ser vivo — como uma folha de planta. A sequência obtida é, então, comparada com outras armazenadas em bancos de dados. Assim, é possível saber se a amostra analisada pertence a um ser vivo já conhecido ou não. Para que isso funcione, é preciso escolher sempre o mesmo trecho de DNA, em todas as amostras. Para a identificação de animais, por exemplo, usa-se uma sequência de DNA de uma mitocôndria, um dos corpúsculos existentes nas células. Há também trechos de DNA padronizados para identificar plantas e outros seres vivos.
Biblioteca de códigos
A técnica do DNA barcoding foi apresentada em 2003 pelo grupo do cientista Paul Herbert, da Universidade de Guelph, no Canadá. Somente nos últimos anos, porém, ela ganhou a adesão de pesquisadores ao redor do mundo. Hoje, 25 países, incluindo o Brasil, participam de um consórcio que tem a meta de cadastrar 500 000 espécies até 2015. No Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) investiu 5 milhões de reais em estudos na área nos últimos dois anos. Por aqui, o problema é que os cientistas ainda levam muito tempo na bancada do laboratório realizando o processo. Em outros países, usam-se métodos mais automatizados. “Uma vantagem dessa técnica é o preço de cerca de 5 reais por indivíduo apenas”, diz o biólogo australiano William Ernest Magnusson, coordenador do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) na Amazônia Ocidental. No futuro, o uso da técnica poderá ajudar a combater a biopirataria e o tráfico de animais silvestres. Mas essa não é a prioridade. “Nosso maior problema é a falta de conhecimento sobre a biodiversidade”, afirma Magnusson, que vive há 30 anos na Amazônia. O problema não é só brasileiro. “Se você não pode medir, não consegue gerenciar”, diz John Chenery, diretor de comunicações do International Barcode of Life (iBOL), no Canadá. O iBOL funciona como uma biblioteca dos códigos de barra de DNA. São códigos como o que aparece nesta página, da piranha Pygocentrus piraya, que habita rios como o São Francisco e o Amazonas. Armazenar os dados de cada espécie também é importante para os estudos futuros. “Estamos no meio de um grande período de extinção. Talvez 50 000 espécies estejam desaparecendo todos os anos”, diz Chenery.
Robô submarino
O DNA BARCODING não elimina o uso de técnicas mais tradicionas de taxonomia. Em muitas situações, a melhor maneira de identificar espécies ainda é observar suas características morfológicas. Mas mesmo essa tarefa pode ganhar a ajuda da tecnologia. Um bom exemplo disso está no trabalho de uma equipe do Laboratório de Controle da Coppe, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse grupo de cientistas projetou um robô para exploração submarina, o Luma, que ajuda a identificar animais subaquáticos. Desde 2007, o Luma vem sendo usado no projeto brasileiro na Antártica, para estudar a biodiversidade e monitorar o ambiente.
Na Antártica, o Luma explorou a baía do Almirantado, onde está a base brasileira, mergulhando a até 60 metros de profundidade. Analisando as imagens captadas pelo robô, os biólogos observaram e descreveram seres vivos como corais, esponjas e líriosdo- mar. No computador, eles cruzaram os dados sobre essas espécies com outros obtidos nas águas do Atlântico. “Descobrimos que 16% das espécies da América do Sul ocorrem também na Antártica”, diz Lúcia de Siqueira Campos, professora do departamento de Zoologia do Instituto de Biologia da UFRJ e coordenadora do Consórcio Sul-Americano para o Censo de Vida Marinha Antártica.
Somando as observações feitas por cientistas de vários países, os registros de ocorrências de seres vivos na Antártica já chegam a 1 milhão de espécies. “Agora estamos desenvolvendo um robô que poderá descer a 3 000 metros de profundidade. Assim, vamos poder estudar regiões mais profundas”, diz Liu Hsu, professor de engenharia elétrica na UFRJ. Segundo ele, um robô como esse, com braços robóticos para a coleta de amostras, custa por volta de 4 milhões de dólares.
À medida que o conhecimento sobre as espécies biológicas aumenta no Brasil, os cientistas recorrem cada vez mais a modelos computacionais para estudar como esses seres vivos se distribuem geograficamente. “Já foram descritas 200 000 espécies, entre plantas, animais e micro-organismos. Mas nós estimamos que o número seja dez vezes maior”, diz Bráulio Dias, coordenador de conservação da biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Outra frente de pesquisa está no monitoramento com sensores remotos. Ele permite obter desde dados sobre aves migratórias até informações sobre o clima em locais distantes, enviadas automaticamente por estações meteorológicas. Além disso, na Amazônia e em outras áreas, pesquisadores usam câmeras, disparadas por sensores de proximidade para fotografar animais, e gravadores, para captar sons. A análise dessas imagens e sons permite identificar espécies que vivem naquela área. A estimativa corrente é de que o Brasil tem cerca de 20% da biodiversidade mundial, sobretudo nas áreas florestais. A Amazônia responde por 26% das florestas na Terra.
Um acordo para a vida
A partir deste mês, a Organização das Nações Unidas (ONU) começará a receber a assinatura dos países no Acordo de Nagoya, que deve dar um novo impulso à preservação da biodiversidade. O documento foi elaborado no fim do ano passado no Japão. O acordo está centrado em três áreas. A primeira diz respeito ao acesso e à divisão do retorno econômico obtido com recursos genéticos. A segunda traça uma estratégia para conter a perda de espécies entre 2011 e 2020. A manutenção mínima, que era de 10% para as áreas terrestres, sobe para 17%. Nas áreas marinhas, salta de 1% para 10%. A terceira área envolve o financiamento que os países desenvolvidos bancarão para preservar o meio ambiente.
Fonte: Info
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