Sem instrumentos para mexer no câmbio, o governo intensifica a defesa comercial para proteger o mercado brasileiro do crescimento das importações.
Ainda em novembro do ano passado, examinando com lupa os números da balança comercial entre Brasil e México, a presidenta Dilma Rousseff decidiu que o déficit de US$ 1,5 bilhão no comércio de veículos não podia continuar. Determinou que o acordo automotivo – que por quase uma década teve saldo favorável ao Brasil no intercâmbio de peças e veículos feito por empresas como General Motors, Ford, Fiat e Nissan – tinha de ser renegociado. Coube à secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Tatiana Prazeres, mandar o recado de que o Brasil pretendia suspender o acordo, assinado em 2002. Tanto o Ministério do Desenvolvimento quanto o Itamaraty, que tem de lidar com as consequências do desgaste provocado nas relações bilaterais, foram contra.
Mas Dilma decidiu que era preciso dar uma demonstração de força. Ela deixou de atender a três telefonemas do presidente do México, Felipe Calderón – e só retornou a ligação na sexta-feira 3, depois da insistência do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Acertaram uma reunião de negociadores, que terminou sem solução, entre os dias 7 e 9 de fevereiro, e o agendamento de um nova rodada para os dias 28 e 29 do mesmo mês. Dilma disse a seu colega mexicano que aceitava manter o acordo, desde que o comércio fosse mais equilibrado. Foi uma amostra de como o governo brasileiro pretende lidar com a ameaça de deterioração da balança comercial neste ano. A despeito da retomada do diálogo, a reação de Calderón não foi das mais animadoras.
“Devido à importância bilateral do acordo, o governo mexicano não buscará renegociá-lo”, afirmou. Sua posição, porém, teve o dom de manter inalterada a determinação do governo brasileiro. “Precisamos utilizar da melhor maneira possível a margem de manobra que temos para lidar com a nova realidade do cenário exterior”, diz Tatiana Prazeres. “Num cenário externo de crise, vários países olham para o Brasil como um mercado capaz de absorver exportações que no passado iam para outros países”, afirmou. Sem muitos instrumentos disponíveis para mexer no câmbio – flutuante e fortalecido pela forte entrada de divisas no País –, a arma que resta ao Brasil é o endurecimento da defesa comercial. São medidas que tentam proteger o mercado nacional de um aumento acentuado nas importações.
O problema é que, apesar do efeito importante em setores específicos, elas têm um impacto muito pequeno sobre a balança comercial. O superávit de US$ 29,7 bilhões obtido no ano passado deve ser reduzido sensivelmente neste ano. Janeiro começou com um déficit de US$ 1,29 bilhão, mas as duas primeiras semanas de fevereiro já mudaram a tendência. Ainda assim, o governo não chegou a fazer uma previsão para 2012, e analistas do mercado acreditam num saldo de US$ 19 bilhões até dezembro, num cenário em que as importações continuam crescendo e as exportações ficam estáveis, desequilibrando, assim, a balança, em prejuízo do Brasil. A mudança preocupa especialmente a indústria, que sofre a concorrência dos fabricantes estrangeiros tanto no mercado interno quanto nas exportações.
“Quando as empresas lá fora olham para onde podem vender seus produtos, elas veem o Brasil”, diz o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade. “Não podemos entregar nossa grande vantagem, que é um mercado interno em crescimento.” Trata-se do mesmo argumento esgrimido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que defende a proteção do mercado para as empresas que produzem no País. O economista da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) Rodrigo Branco acredita que o governo está certo em intensificar a defesa comercial, mas diz que as medidas deveriam se restringir a ações legais, como antidumping e salvaguardas. “É bom que o governo esteja atento, mas o aumento do IPI é condenado pela Organização Mundial do Comércio”, afirma.
Até agora, o Brasil adotou 88 ações de defesa comercial, um recorde. Uma delas foi anunciada na terça-feira 14, quando o Ministério do Desenvolvimento estabeleceu uma sobretaxa sobre as importações de cobertores do Paraguai e do Uruguai. A suspeita é de que eles sejam produzidos na China e apenas passem pelos países vizinhos para driblar uma medida antidumping que já havia sido adotada contra os chineses há dois anos. Como num passe de mágica, as exportações de cobertores do Uruguai passaram de US$ 913 mil para US$ 6 milhões, entre 2009 e 2010. Os embarques do Paraguai aumentaram de US$ 214 mil para US$ 3,2 milhões. “Quanto mais medidas antidumping são aplicadas, mais se multiplicam as formas de driblar o que está sendo imposto”, diz Tatiana.
O Ministério do Desenvolvimento também está investigando e pode aplicar uma medida semelhante contra a importação de calçados do Vietnã e da Indonésia, que seriam produzidos na China. O setor têxtil também pediu uma salvaguarda para evitar o subfaturamento de peças que vêm do gigante asiático. Há ainda uma suspeita de triangulação no comércio automotivo com o México – e esse é um dos pretextos para rever ou anular o acordo. O governo federal suspeita que as peças que são consideradas conteúdo local mexicano são, na verdade, produzidas nos Estados Unidos, e o carro é apenas montado nas maquiadoras mexicanas. Por isso, quer rever a regra de conteúdo local no acordo, exigindo que uma parcela maior seja produzida no país.
Apesar do superávit de US$ 11,5 bilhões que o Brasil teve em 2011 com os chineses por causa principalmente da exportação de soja e minério de ferro, o aumento da importação de produtos manufaturados preocupa o governo brasileiro, que sofre pressão de outros setores para barrá-la. Uma das medidas, o aumento do IPI de 30 pontos sobre carros importados – em vigor até o fim do ano e adotada justamente após a invasão de carros chineses – foi alvo de reclamações da delegação asiática em reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível e Concertação e Cooperação (Cosban), em Brasília, na segunda-feira 13. O vice-presidente Michel Temer, presidente da comissão pelo lado brasileiro, defendeu uma restrição voluntária das exportações chinesas, para evitar que o Brasil se veja obrigado a adotar cotas para os produtos daquele país.
“Nos preocupamos com o aumento maciço e indiscriminado de produtos chineses no mercado brasileiro, o que ocasiona o deslocamento da produção brasileira”, afirmou Temer, em discurso durante um almoço oferecido à representação oficial da China, no Itamaraty. Apesar das discussões duras na reunião fechada entre as duas partes, os chineses se mostraram dispostos a negociar. “Queremos aprofundar o comércio bilateral”, afirmou o vice-primeiro-ministro Wang Qishang, Isso inclui importar mais produtos com valor agregado e fazer investimentos em infraestrutura.” Seria uma grande evolução para as exportações brasileiras, nas quais o peso dos produtos básicos chega a 84%. E uma demonstração de que, ao contrário dos mexicanos, os astuciosos chineses sabiamente preferiram não encarar o Brasil.
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