John Lasseter é o cérebro por trás dos sucessos da Pixar, o estúdio que tirou a dona do Mickey Mouse do marasmo criativo. Ele conversou com a DINHEIRO sobre sua incrível trajetória.
O executivo americano Robert Iger havia acabado de assumir o posto de CEO da Disney, em 2005, quando foi assistir a uma parada com os personagens criados pela companhia fundada pelo genial Walt Disney. Tradicionais, esses eventos sempre fizeram a alegria da garotada na Disneylândia, na Califórnia. Mas ele notou algo diferente naquela ocasião que o deixou intrigado. Não havia na apresentação um único personagem desenvolvido pelos animadores da empresa nos dez anos anteriores.
O último grande sucesso do estúdio fora o filme Rei Leão, de 1994. Das criaturas ali presentes, todas as que foram lançadas de 1995 até aquele momento pertenciam à Pixar, um estúdio de animação que começara pequeno e com a qual a Disney mantinha uma parceria desde 1991. Isso quer dizer que o Senhor Incrível, o peixinho Nemo e o astronauta intergaláctico Buzz Lightyear, todos elaborados pela Pixar, exerciam naquele instante o mesmo encanto que transformou Mickey, Pateta e Peter Pan em ídolos das gerações anteriores.
O curioso da história é que o acordo entre as duas empresas estava para vencer e não havia perspectivas de renovação. Isso porque desavenças entre Jobs e Michael Eisner, o antecessor de Iger como CEO da Disney, haviam azedado as relações. Iger resolveu o impasse com uma jogada ousada: fez uma oferta de US$ 7,4 bilhões para adquirir a Pixar. O negócio foi fechado em 2006, tornando Lasseter o diretor de criação de ambas as companhias e Jobs, o maior acionista individual da Disney, dono de 7% do seu capital .
Embora, financeiramente, o grupo Disney não passasse exatamente por dificuldades, esse episódio reforçou em Iger a convicção de que o grupo vivia uma séria crise criativa que poderia comprometer a companhia no futuro. Por isso, procurou saber qual era o segredo daquela empresa que estava ofuscando a Disney. Constatou, então, que o responsável direto por tamanho sucesso era um homem chamado John Lasseter, que havia fundado a Pixar ao lado do matemático Ed Catmull, especialista em computação gráfica, e de Steve Jobs, o fundador da Apple. Lasseter era o cérebro criativo, a cabeça de onde brotavam as principais ideias de filmes e personagens da Pixar, que, em função da parceria, também beneficiavam a Disney.
A concretização do negócio tornou a Pixar a joia da coroa do império iniciado por Walt Disney, na década de 1920. “Meu foco era garantir que a Disney passasse a ser guiada por suas mentes criativas, assim como fazíamos na Pixar”, disse Lasseter, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Hoje, no ano em que completa 25 anos e acaba de lançar Carros 2, seu 12º filme, a Pixar é a mais bem-sucedida empresa da história do cinema mundial. Somados, os 11 títulos já lançados por ela faturaram mais de US$ 6,6 bilhões apenas nos cinemas, valor que sobe para cerca de US$ 40 bilhões se a conta incluir a verba obtida com licenciamento de produtos e vendas de DVD. A expectativa é de que o sucesso se repita com Carros 2.
O sinal para isso é que mesmo antes da estreia do desenho, os produtos associados aos personagens do filme, como Relâmpago McQueen, já são procurados nas lojas. Se hoje o sucesso financeiro está mais que consolidado, justificando a operação, a verdade é que, na época da negociação com a Disney, muitos analistas de mercado consideraram absurdo o valor da transação. O autor do livro A Magia da Pixar, David A. Price, escreveu que Jobs parecia ter deixado Iger e os acionistas da Disney na miséria. Um olhar mais aprofundado, no entanto, mostrava que havia ali um casamento de interesses. “Iger sabia que a Disney precisava de Lasseter e pagou o que foi preciso para tê-lo ao seu lado”, diz Edward Jay Epstein, autor do livro O Grande Filme, sobre a evolução da indústria cinematográfica americana.
A esperança de Iger, portanto, era a mente criativa de Lasseter. Quatro décadas depois da morte do fundador da companhia, Walt Disney, em 1966, surgia um profissional de criação tão visionário. Por isso muitos passaram a acreditar que Lasseter preencheria o vazio criativo deixado pelo idealizador do Pato Donald. A primeira visita dele aos estúdios da Disney após a compra da Pixar, é um exemplo disso. Aplaudindo-o efusivamente, uma multidão de artistas da equipe foi recebê-lo, o que comprovava o prestígio que desfruta entre seus pares.
Quarteto fantástico: da esquerda para a direita, Ed Catmull, Steve Jobs, Robert Iger e John Lasseter,
os homens responsáveis pelo sucesso da união entre a Pixar e a Disney Em comum, Lasseter e Disney são responsáveis por um incrível dom para contar histórias por meio de animações e um grande entusiasmo pelo uso da tecnologia na criação de filmes. Se A Branca de Neve e os Sete Anões, lançado em 1937, foi o pioneiro entre os longa-metragens de animação, Toy Story, de 1995, foi o primeiro desenho feito totalmente em computação gráfica. Mais que isso, ambos desenvolveram personagens com o poder de atravessar décadas. Não se trata, no entanto, do simples uso de computadores. O mais importante é o que se vai fazer com eles. “Nem toda a tecnologia do mundo poderia entreter as pessoas. O mais importante sempre será a história e seus personagens”, diz Lasseter.
Mesmo depois da transação com a Disney, os departamentos de animação dos dois estúdios continuaram a trabalhar separados, embora contem hoje com o mesmo comandante, Lasseter, que se transformou também no conselheiro criativo da Disney Imagineering. Essa empresa desenvolve os brinquedos dos parques temáticos do grupo, que tem atualmente atrações inspiradas em Toy Story e Procurando Nemo. Para 2012, o plano é abrir A Terra de Carros, inspirada no longa-metragem da Pixar.
A atuação de Lasseter pós-aquisição deu resultados quase imediatos. O lucro da divisão de filmes do grupo Disney subiu 64% entre 2006 e 2007, enquanto o dos parques, que incorporaram personagens da Pixar, cresceu 11%. O faturamento da Disney, que era de US$ 30,7 bilhões em 2005, alcançou a marca de US$ 38 bilhões no ano passado, a despeito dos efeitos da crise financeira do final da década. A Pixar, por sua vez, continuou sua sequência ininterrupta de filmes sucessos e venda de brinquedinhos que fazem o caixa tilintar como nunca. A lista de itens comercializados vai de canecas a games, passando por pelúcias, camisetas e artigos de higiene pessoal, como xampu e lenços de papel.
Assim, a Disney acredita que Carros 2 deva vender mais produtos que qualquer outro filme seu até hoje. Estima-se que a comercialização de produtos, apenas em 2011, supere os US$ 4,5 bilhões. Como comparação, Toy Story 3, o atual recordista, gerou US$ 2,8 bilhões em 2010. Tamanho frenesi sugere que a cultura criativa da Pixar possa ter sido cooptada pela voracidade comercial que vem desde Walt Disney, conforme escreveu o jornal Los Angeles Times. Mas, de acordo com Ed Catmull, que hoje é presidente dos estúdios Disney e Pixar, é justamente Lasseter que estaria obcecado com os licenciamentos. “Lasseter quer contar uma história que tenha um impacto na cultura”, declarou Catmull. “Ele se sente muito orgulhoso quando as crianças querem brincar com os personagens do universo que ele criou”, afirma.
Mas, para Lasseter, não se trata da simples busca por dinheiro, porque os recursos que ele recebe não vêm dos resultados com licenciamento, diz Catmull. Ele é, como diria Walt Disney, o inventor desse modelo de negócio, hoje utilizado por toda a indústria do entretenimento:“Não faço filmes para fazer dinheiro. Faço dinheiro para fazer filmes.” Com o passar dos anos, fica claro que a estratégia de Iger, que permanece como CEO da companhia, de comprar a Pixar se mostrou correta. Ter em mãos o maior celeiro criativo do cinema americano moderno não representava apenas vários bilhões a mais de dólares nos cofres.
É também o caminho para manter a Walt Disney Company na vanguarda da animação digital e da criação de filmes e personagens que seduzem multidões de espectadores ao longo dos tempos. “A Pixar trouxe o espírito Disney para a geração atual”, afirmou Jeffrey Katzenberg, CEO da Dreamworks Animation, a maior concorrente da Pixar, à DINHEIRO. Foi Katzenberg, por sinal, então um executivo de primeiro escalão na Disney, que selou a parceria com a Pixar em 1991.
Não poderia ser mais irônico, portanto, que Lasseter, cujo talento à frente da Pixar foi reconhecido pelo pessoal da Disney, tenha sido demitido do estúdio quando lá trabalhou, em 1984. Mais curioso, ainda, é pensar que ele, até então apenas um jovem prodígio da animação, foi despedido justamente por querer fazer desenhos em computação gráfica, algo considerado caro, demorado e sem futuro pelos executivos da empresa naquele momento. Mover o ângulo de visão do público em um desenho feito à mão, por exemplo, era algo tremendamente difícil e com resultados aquém do esperado.
Mas Lasseter estava fascinado com a possibilidade de um dia contar histórias por meio do computador, e conseguiu realizar seu objetivo anos mais tarde. Nesse aspecto, o modo de trabalhar da Pixar, que privilegia a colaboração contínua das equipes, foi fundamental nesse processo. “Talentos são melhorados ou diminuídos de acordo com o ambiente no qual eles estão inseridos”, disse em outra ocasião Steven Johnson, autor do livro Where Good Ideas Come From (De onde vêm as boas ideias), ainda não lançado no Brasil.
A demissão foi um duro golpe que Lasseter só conseguiu superar completamente quando voltou a Disney, por conta da aquisição da Pixar. “Mas, no final das contas, aquela experiência me fez ser o líder criativo que sou hoje”, diz (leia entrevista ao lado). As circunstâncias de sua saída foram essenciais para a definição do estilo de gestão que ele viria a empregar com os seus funcionários. Na Pixar, um dos pontos centrais do trabalho é que os todos compartilham ideias, projetos e solução para problemas. “A criatividade é uma qualidade abundante na Pixar porque a empresa estimula como poucas a colaboração de todos os seus funcionários nos projetos”, afirma Bill Capodagli, autor do livro Nos Bastidores da Pixar - Lições do Playground Coorporativo Mais Criativo do Mundo.
A Pixar não se tornou apenas a referência para empresas que querem ser criativas e inovadoras, mas também mudou o mercado mundial de animação. Percebendo o grande sucesso da empresa, muitos outros estúdios passaram a apostar em animações em computação gráfica. Entre os mais bem-sucedidos nessa empreitada estão Blue Sky, de A Era do Gelo e Rio, e a Dreamworks, de Shrek e Kung Fu Panda. Na década que se seguiu ao lançamento de Toy Story, nunca houve mais de quatro longas animados lançados em um mesmo ano. De repente, a partir de 2006, o mercado assistiu a uma explosão no número de novos títulos. Foram dez só naquele ano.
A média não voltou aos níveis anteriores, mas também não cresceu muito. Este ano, serão 12 novos desenhos. “Falta mão de obra qualificada”, diz Mauricio de Sousa, o pai da Turma da Mônica. Ele próprio é um fã do modelo desenhado por Lasseter. O empresário quer fazer da Mauricio de Sousa Digital Productions (MSDP) a Pixar brasileira. “Técnica e artisticamente, eles são o ateliê de animação mais sofisticado do mundo”, afirma.
'Qualidade é o melhor modelo de negócio sempre'
John Lasseter, 54 anos, é um dos mais consagrados profissionais do cinema de animação de todos os tempos, famoso por ter ajudado a criar a Pixar. Mas sua história nem sempre foi um mar de rosas. Nesta entrevista exclusiva à DINHEIRO, ele relembra os momentos difíceis de sua carreira, como o fato de ter sido demitido da Disney, onde desde a infância sonhava trabalhar. “Por 22 anos não contei a ninguém que havia sido demitido”, diz. “Só consegui falar sobre isso depois de voltar como chefe criativo da Disney, em 2006.” Lasseter analisa também o papel da tecnologia na indústria cinematográfica, os próximos passos da Pixar e sua relação com Steve Jobs, seu sócio na companhia.
Trabalhar como animador na Disney era um sonho de infância, mas o sr. foi demitido quando deu a ideia de fazer animações em computação gráfica. Como esse episódio o marcou?
Ser mandado embora do lugar em que queria estar desde criança foi um duro golpe. Na verdade, por 22 anos não contei a ninguém que havia sido demitido. Só consegui falar sobre isso depois de ser nomeado chefe criativo da Disney, em 2006. Mas, no final das contas, aquela experiência me fez ser o líder criativo que sou hoje. A passagem ruim no início da minha carreira me ensinou o que não devia fazer.
Na Pixar, ninguém é melhor do que ninguém porque tem uma sala ou um determinado cargo. Eu amo e encorajo a colaboração, gosto de ouvir as ideias dos mais jovens. Somos o que somos porque todos dentro da empresa sabem o que fazemos aqui. Fazer as pessoas sentirem que somos mais que apenas um trabalho cria um grande senso de participação e orgulho. É isso o que transformou nossa pequena empresa numa potência. Cada funcionário precisa se sentir dono desta companhia. É isso que garante comprometimento e uma intensa busca pela qualidade.
Como responsável pela criação da Disney e da Pixar, é preciso gerenciar grandes orçamentos e centenas de pessoas. O sr. se tornou um homem de negócios clássico?
Claro que não. Todos os dias, visto camisas havaianas e jeans. Não me envolvo com questões que vão além da criatividade. Não nasci para orçamentos e prazos, mas lidar com pessoas é um grande prazer para mim. Meu foco é na criação e em garantir que a Disney e a Pixar sejam guiadas por suas mentes criativas.
Em 2010, foi lançado o Toy Story 3. Agora, Carros 2 e, em 2012, haverá o Monstros 2. Por que a empresa passou a investir tanto em sequências?
Quando éramos uma empresa separada da Disney, tínhamos um contrato para produzir cinco filmes para eles. E o acordo estabelecia que eles deveriam ser cinco títulos originais, e não sequências. É por isso que durante um longo tempo não fizemos continuações. Realmente queríamos fazê-las, mas não podíamos. Cinco anos atrás, quando a Disney nos comprou e eu fui nomeado chefe criativo dos estúdios da companhia, bem como da Pixar, passamos a poder produzir sequências. Então, imediatamente começamos a tocar as continuações de Toy Story, em seguida de Carros e, pouco mais tarde, de Monstros S.A., que na verdade vai mostrar eventos anteriores ao do primeiro episódio.
O filme vai contar como Mike e Sully se conheceram na universidade. Talvez o motivo de estarmos fazendo três sequências em série é que já queríamos tê-las feito antes, mas não podíamos. Para alguns estúdios, as continuações funcionam como uma forma fácil de ganhar dinheiro, mas nós não trabalhamos assim. Estamos voltando a esses personagens amados pelo público e pelos quais temos muito carinho porque há um desejo genuíno do público em saber mais sobre eles, e porque acreditamos ter histórias muito boas para contar. Além dessas continuações, iremos lançar no ano que vem uma produção original, chamada Brave, com nossa primeira protagonista mulher. Sobre outras continuações, elas não estão descartadas, mas ainda não anunciamos nada oficialmente.
Com 11 sucessos em série no seu portfólio, a Pixar é infalível?
Não sei. Sei que há uma grande pressão sobre cada filme que fazemos aqui. Não é algo que venha de fora, e sim de nós mesmos. Porque qualidade é o melhor modelo de negócios, sempre. Ponto final. É por isso que vivemos e trabalhamos: para contar grandes histórias. Somos mais de 1.200 pessoas trabalhando duro. Em cada um dos filmes que fizemos aqui na Pixar, trabalhamos realmente duro para conseguir isso. Tivemos muitas dificuldades e problemas, com as histórias e os personagens, mas continuamos a nos pressionar para fazer mais e ir além. Nós nunca iremos lançar um filme que não achemos ótimo. Temos orgulho de cada filme que produzimos e apenas esperamos que o mundo goste deles tanto quanto nós.
Como continuar relevante no futuro? Qual será o próximo passo da Pixar?
Nosso próximo passo é continuar a fazer o que temos feito: filmes originais que encantem a audiência de todas as idades e de qualquer lugar do mundo. Além de seguir atentos para não nos tornarmos complacentes.
Qual a sua relação com Steve Jobs?
Ele é um empreendedor visionário, que nos ajudou a transformar a Pixar no que ela é hoje. Mas, uma vez, Jobs me disse algo que me fez ver a diferença entre nós e a Apple. Enquanto os produtos tecnológicos se tornam obsoletos em poucos anos, um bom filme é eterno, perdurando por gerações. Esse é nosso objetivo na Pixar e na Disney.
Como a internet está mudando a indústria de filmes?
Somos muito detalhistas. Para Procurando Nemo, vários artistas mergulharam por muito tempo para ver como realmente era o fundo do mar e poder recriá-lo com precisão. E a internet é incrível para pesquisar. O mundo está na ponta dos dedos. E isso é ótimo para nós. Por outro lado, reescreveu a maneira como nos relacionamos com nosso público. Hoje, podemos vender e divulgar nossos filmes com uma eficiência e agilidade incríveis. Outra coisa de que gosto na internet é que ela está sempre mudando.
Fonte: Istoé Dinheiro
Fonte: Istoé Dinheiro
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