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terça-feira, 8 de setembro de 2009

A maior compra bélica da história

Submarinos Scorpène que o Brasil está adquirindo do consórcio formado pela empresa francesa DCNS e pela Odebrecht

" A tecnologia militar também será usada na indústria civil para outros fins." Nelson Jobim

O ministro da defesa, Nelson Jobim, fechou o maior pacote bélico da história do país. Como esse negócio abre novos horizontes na economia.

O que está por trás da decisão do governo de comprar R$ 20 bilhões em submarinos e como a tecnologia nuclear mudará a lógica da defesa no pré-sal e nas fronteiras marítimas

Na noite da quinta-feira 3, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, estava eufórico. Havia concluído uma etapa crucial no processo de reaparelhamento das Forças Armadas. Com autorização do Senado, o Brasil investirá R$ 20 bilhões na compra de cinco submarinos franceses, incluindo um nuclear.

Além disso, Jobim está prestes a fechar mais um acordo militar, de R$ 5 bilhões, para a compra de helicópteros. "Temos que proteger o pré-sal e, para isso, é preciso pensar grande", disse ele à DI NHEI RO (leia sua entrevista à página 39).

"É o momento mais importante da Marinha nos últimos 30 anos", reforca o contra-almirante Wellington Liberatti, que comanda o programa naval. Agora, o Brasil poderá concluir o projeto do seu submarino nuclear, numa decisão que terá repercussões tecnológicas e geopolíticas.

No Sete de Setembro, ao lado do francês Nicolas Sarkozy, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará clara a ambição brasileira de ganhar peso político em organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU. E falará ainda da necessidade de proteção do pré-sal, que ele define como uma "segunda independência".

O dinheiro dos submarinos, que faz parte do Programa Nacional de Defesa, um dos carros-chefes da gestão de Jobim, virá de um financiamento de E 5 bilhões. Foi aprovado na semana passada, com prazo de 20 anos, e será liderado pelo BNP Paribas

Com os recursos, o Brasil será o sexto país do mundo com um submarino a propulsão nuclear, depois de Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China. Ele deverá ficar pronto em 2014 e será construído numa nova base naval, na cidade de Itaguaí, no Rio de Janeiro, que deverá empregar cerca de cinco mil pessoas.

A vantagem de um submarino nuclear, na comparação com os convencionais, é a possibilidade de ficar submerso por muito mais tempo, em águas ultraprofundas, sem ser captado por sonares ou imagens de satélite.

E o brasileiro entrará em operação no mesmo momento em que o petróleo do pré-sal estará sendo extraído a pleno vapor, de acordo com as estimativas da Petrobras. "Mais de 90% do petróleo brasileiro vem do mar. Se não formos capazes de guardar isso, estaremos suscetíveis a todo tipo de ataques, como piratas e até mesmo terroristas", afirma o capitão de mar e guerra Emílson Paiva de Faria, assessor de Estratégia da Marinha.

Além disso, o Brasil está prestes a expandir suas fronteiras navais, com autorização da ONU, em áreas onde há também reservas comprovadas de petróleo - elas passarão de 3,5 milhões para 4,5 milhões de quilômetros quadrados. O processo de compra dos submarinos enfrentou a resistência de concorrentes alemães, que chegaram a apresentar uma proposta mais barata na última hora.

Só que com um detalhe: ao contrário dos franceses, os alemães não operam submarinos nucleares e não haviam previsto, na fase inicial, a construção de uma base naval no Brasil. "Foi choro de perdedor", disse Jobim, a respeito da posição alemã. Americanos e ingleses, por sua vez, são proibidos por lei de ceder a outros países a inteligência da área bélica

A Rússia vende apenas o equipamento, enquanto o submarino chinês encontra-se em fase de teste. Restou a França, cuja empresa naval, a DCNS, concordou com a instalação da base naval no Brasil, que será feita em parceria com a Odebrecht.

No projeto nuclear, o grande desafio de engenharia é a construção de um casco duplo, capaz de receber, sem riscos, a propulsão nuclear. O reator, cuja tecnologia o Brasil já domina, é desenvolvido desde 1979 no Centro de Aramar, em Iperó, no interior de São Paulo. A lém de modernizar as Forças Armadas, os cinco novos submarinos trarão ainda um benefício de longo prazo para a economia brasileira.

As tecnologias bélicas (leia gráfico abaixo) poderão ser apropriadas pela indústria nacional e utilizadas também na área civil. Muitas coisas que hoje fazem parte do dia a dia surgiram como uso militar. É o caso dos radares, GPS, laser, internet e até micro-ondas. Na produção dos submarinos serão desenvolvidas, por exemplo, bombas hidráulicas de alta pressão que poderão ser empregadas na indústria petrolífera, nas plataformas marítimas.

O conjunto de baterias, com orçamento de US$ 7 milhões, será produzido por um fornecedor brasileiro. Além do contrato milionário, a indústria que conseguir a encomenda terá desenvolvido tecnologia que poderá ser útil em outros projetos. "O cerne deste contrato com a França é a transferência de tecnologia", diz o contra-almirante Wellington Liberatti

O contrato dos submarinos representa ainda uma guinada de 180 graus na situação financeira da Marinha. O orçamento da área naval nunca foi muito abastado, mas em 2002 chegou ao ponto mais crítico, com um gasto de R$ 788 milhões e apenas R$ 46 milhões de investimentos.

"Agora, teremos de investir, no mínimo, R$ 5 bilhões por ano pelos próximos 20 anos", disse à DINHEIRO o comandante da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto. "Esse plano não vai resolver todos os problemas militares de uma só vez, mas se o governo investir o que propõe, vai certamente colocar o nome do Brasil em outro patamar na região", diz o estrategista militar Geraldo Cavagnari, fundador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp.

O acordo Brasil-França serve aos interesses brasileiros de se projetar como potência regional e ser um importante ator global. Os cinco países que já têm submarino com propulsão nuclear são justamente os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Além disso, no caso da Marinha, o Brasil tem interesses bem práticos a proteger na região do petróleo. No modelo montado por Jobim, naviospatrulha ficariam mais perto da costa. No limite do pré-sal, naviosescolta e os porta-aviões. Fechando a estratégia, os submarinos fariam o monitoramento da região.


- 6,8 bilhões é o valor total do pacote bélico, que se divide em duas partes, conforme abaixo
- 1,9 bilhão serão gastos na construção do estaleiro e da base naval
- 4,9 bilhões incluem os quatro submarinos convencionais, o casco do nuclear e a transferência de tecnologia

Por que o lobby alemão fracassou


Tentativa de barrar a compra esbarrou num detalhe crucial: a Alemanha não tem submarinos nucleares
Um mês atrás, no dia 6 de agosto, uma carta da empresa alemã HDW foi protocolada no Comando da Marinha e no Ministério da Defesa, com cópia para o embaixador Friedrich Prot von Kunow. Nela, os alemães se propunham a vender submarinos mais baratos do que os franceses, ao custo total de E 2,5 bilhões.

Depois, a carta vazou numa tentativa de se criar um escândalo internacional. Na Marinha, os oficiais não gostaram da postura da HDW, mas não mudaram uma vírgula do projeto. "Os alemães reclamam, mas não têm o submarino nuclear", disse à DINHEIRO o contra-almirante Wellington Liberatti.

De fato, ao contrário da França, a Alemanha é um país que, até na área energética, decidiu fechar todos seus reatores. E o ponto mais importante no projeto da Marinha, segundo Liberatti, é a possibilidade de migrar da tecnologia convencional para a nuclear - o que os Scorpène permitem.

"Com o acordo com a França vamos ganhar 30 anos", diz ele. Procurado pela DINHEIRO, o embaixador alemão não quis comentar a pressão da HDW. Até porque as empresas alemãs, como a Siemens, estão bem posicionadas em outra disputa bilionária: a do trem-bala

"Agora, vamos poder proteger o pré-sal"
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, está completando o mais ambicioso programa de reaparelhamento da história das Forças Armadas, com a compra de submarinos, caças e helicópteros. Na quinta-feira 3, ele falou com exclusividade à DINHEIRO.

"Quem pensa pequeno, fica pequeno para sempre. e o Brasil tem obrigação de pensar grande em função de sua economia"

Dinheiro - O Brasil anuncia nesta segunda- feira contratos com a França para a produção no País de submarinos e helicópteros. Qual é a importância desses investimentos para a defesa brasileira?
Nelson Jobim - Com o submarino nuclear, o Brasil ganha poder dissuasório na plataforma continental. Com a ampliação da plataforma continental, ganhamos mais um milhão de quilômetros quadrados, temos agora 4,5 milhões de quilômetros quadrados para proteger. Os objetivos são dois. O primeiro é de natureza estratégica e de defesa. Temos que proteger nossos interesses no mar. O segundo é o arrasto tecnológico que estas empresas trazem para o Brasil, ao se associar a empresas brasileiras. Vamos ter aliança com várias empresas brasileiras de alta tecnologia.

Dinheiro - Existe alguma exigência de conteúdo nacional nas compras da Marinha?
Jobim - Sim. Boa parte desses equipamentos vai ser produzida no Brasil. E toda essa tecnologia será apropriada pelas empresas brasileiras na construção do miolo do submarino, que está sendo todo desenvolvido no Brasil. É uma coisa parecida com o que aconteceu com a Embraer quando fizeram acordo com os italianos.

Dinheiro - A tecnologia desenvolvida para uso militar também poderá ser usada na indústria civil?
Jobim - Claro, porque a propulsão nuclear que será usada para movimentar o submarino também serve para energia elétrica. Podemos desenvolver este uso. Além disso, vamos desenvolver tecnologia na integração dos sistemas, como os de refrigeração, e avançar na resistência de materiais. E há o sistema de metalurgia em relação a casco. Tudo isso vem junto com a tecnologia militar e é depois usada na indústria, para outros fins

Dinheiro - E em relação ao emprego?
Jobim - A participação da indústria brasileira vai permitir um avanço tecnológico muito grande e vai incentivar a formação de mão de obra especializada. No futuro teremos no Brasil uma reserva de mão de obra altamente qualificada, em decorrência desses acordos.

Dinheiro - O Brasil vai ser o sexto país do mundo a ter um submarino com propulsão nuclear. Isso muda a posição geopolítica do País?
Jobim - Muda. Mas a diferença fundamental é que o submarino do Brasil não usa arma nuclear, ao contrário dos outros países. Apenas a propulsão é nuclear. Nós não podemos, temos proibição constitucional. Mesmo assim, o contrato nos coloca num grupo restrito de países.

Dinheiro - Isso ajuda o Brasil nas pretensões de integrar o Conselho de Segurança da ONU e na liderança regional?
Jobim - Talvez como consequência, mas não como fundamento. O fundamento é o fortalecimento do poder dissuasório. A negação do uso das águas brasileiras para terceiros. A proteção das nossas plataformas petrolíferas e de toda a riqueza do mar. Melhorar nossa posição geopolítica é uma consequência, mas não o objetivo. Agora, vamos poder proteger o pré-sal.

Dinheiro - Os investimentos em defesa aumentaram muito nos últimos anos, mas ainda não são muito elevados. Qual é o cenário para os próximos anos?
Jobim - Temos vários projetos em desenvolvimento. Agora vamos anunciar os helicópteros e os submarinos, projetos de R$ 20 bilhões e de R$ 5 bilhões. Estamos analisando a compra dos caças. É um assunto que ainda não foi resolvido.

Dinheiro - E qual o volume total de investimentos previstos?
Jobim - Ainda não temos isso fechado, mas temos vários projetos em andamento. E ainda tem os programas de mobilidade estratégica do Exército. A Iveco, da Fiat, desenvolveu o protótipo de um novo tipo de blindado, que estamos chamando de Urutu 3. Mais para a frente vamos discutir os programas do Exército. Temos os programas dos satélites brasileiros

Dinheiro - Como serão os satélites?
Jobim - Satélites de monitoramento do mar e da Amazônia. Vamos monitorar toda a linha entre Amapá e o início do Paraná, uma área com cerca de dez mil quilômetros de extensão. Tem muita coisa que nós estamos construindo.

Dinheiro - É a volta do Brasil grande?
Jobim - Tem uma frase que não é minha, é do dr. Ulisses Guimarães, que mostra isso: quem pensa pequeno fica pequeno. Por isso, nós temos que pensar grande. É nossa obrigação, até em razão da relevância econômica do Brasil.

Por: Denize Bacoccina, Gustavo Gantois e Leonardo Attuch
Fonte: Isto é Dinheiro

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